Na serra capixaba, um roteiro que explora a variedade de cores e formas das orquídeas

Na serra capixaba, um roteiro que explora a variedade de cores e formas das orquídeas

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:11

É a beleza delicada revelada por um trabalho brutal: à medida que imigrantes europeus e seus descendentes que colonizaram o interior do Espírito Santo derrubavam áreas da mata atlântica para vender madeira e abrir espaço para plantações, descobriam orquídeas escondidas pela vegetação cerrada. Alguns começaram a preservá-las e colecioná-las. Foi assim que Domingos Martins, na serra capixaba, tornou-se a morada do maior colecionador de orquídeas do mundo, o empresário Roberto Kautski. Ele morreu este ano, mas deixou uma reserva particular para preservar as orquídeas e a mata atlântica, onde elas foram encontradas. É uma parada obrigatória numa escapada de fim de semana que sugerimos a você num roteiro que inclui Vitória, Marechal Floriano e Domingos Martins, para visitar os criadores de orquídeas da cidade (ligando antes para marcar as visitas): será difícil voltar sem uma ou duas mudas da flor.

De Vitória, trilha das flores leva até Domingos Martins

Faça um pit stop antes de subir a serra: ao chegar em Vitória na noite de sexta-feira, aproveite para se surpreender com os restaurantes da Praia do Canto, bairro de classe média alta que reúne algumas das melhores opções da noite capixaba. O Triângulo das Bermudas, confluência de bares e boates na Rua João da Cruz, é o pedaço mais agitado. Mas o ideal é afastar-se dele e relaxar na tranquilidade de alguns dos restaurantes nas redondezas. O Aleixo surpreende. Tanto pela decoração com madeira e as cadeiras de palha confortáveis quanto pelo espaço amplo, com varanda, wine bar, restaurante e mezanino, a carta de vinho de 300 rótulos, o atendimento e o cardápio, com experiências a partir da culinária italiana.

A primeira parada é no legado de quem tornou a palavra orquidófilo conhecida no interior do Espírito Santo: a reserva do Instituto Kautski em Domingos Martins. Com 335 mil metros quadrados de mata atlântica, na sede do município, conhecida também como Campinho, é uma área que foi preservada por Roberto Kautski, um filho de austríaco com alemã que morreu em maio, aos 86 anos.

Kautski foi um bem-sucedido empresário que não se importava com sinais exteriores de riqueza, como mostra a casa em que viveu, ao lado da reserva: pintada de verde, com plantas na varanda, o único sinal exterior de modernidade que tem são as placas no telhado que absorvem o calor do sol para produzir a energia que abastece a residência. Na garagem, está a caminhonete Rural que ele recusou-se a trocar por toda a vida. O interesse do empresário estava nas orquídeas e na preservação da natureza.

Kautski herdou a paixão do pai. Aos 9 anos, recolhia orquídeas de matas que estavam prestes a ser derrubadas. Passou a estudar as plantas, catalogá-las, descobrir novas espécies (mais de cem), e tornou-se um dos maiores especialistas do mundo na flor. Inspirou outros moradores da região. Hoje, há cerca de 180 colecionadores por lá, e Domingo Martins promove há 12 anos a Blumenfest, evento para festejar as orquídeas e outras flores em exposições e apresentações musicais no coreto da praça da cidade (sim, lá o coreto resiste).

Domingos Martins tornou-se um celeiro de orquídeas porque sua altitude varia dos 150 metros aos 1.800 metros acima do nível do mar. A diferença de climas entre o ponto mais baixo e o mais alto é responsável pela variedade e profusão de flores.

Na reserva, também há bromélias, como a neoregelia liliputiana, nome que se refere à ilha de seres diminutos das "Viagens de Gulliver" - ela é a menor do mundo e está ameaçada de extinção. Protegendo-as, há árvores preservadas do desmatamento, inclusive algumas que produzem frutas pouco conhecidas mas muito gostosas, como a cabeludinha, espécie de jabuticaba amarela, que Kautski plantava para os macacos. Eles são alguns dos animais vistos, assim como saguis e bichos-preguiça, num passeio por uma das cinco trilhas que levam a uma capela ecumênica, no ponto mais alto da mata. De lá, em dias claros, admira-se a leste a região metropolitana de Vitória, e à oeste, a Pedra Azul, morro que ganhou este nome por causa dos liquens que alteram sua coloração ao longo do dia, dependendo do ângulo de incidência dos raios de sol.

Ao meio-dia, o sino da capela é tocado - e é hora de sair do mato para o almoço. O lugar indicado é o restaurante Italiano, no distrito de Soído, a 5km: pratos como o pato com nhoque e o sorvete de araçaúna com geleia de jabuticaba são feitos com ingredientes cultivados lá mesmo.

Em Aracê, plantas que nascem da brita ou da telh a

Uma telha, um punhado de brita - orquídeas podem crescer sobre estas superfícies, não dependem apenas de terra. É um dos recursos usados no Orquidário AWZ, em Aracê, distrito de Domingos Martins. A ele se chega pela BR-262, que liga Vitória a Belo Horizonte. Entre à direita no km 85, passe pela igrejinha, o campo de futebol e o cemitério, e vá por uma estrada de terra, que margeia pequenas plantações. Só pela descrição do trajeto, dá para saber que se vai entrar num clima bem de roça, a 1.100 metros de altitude.

Além de vender mudas com preços que variam entre R$ 12 e R$ 60, o AWZ combina sementes da mesma planta, para criar variedades híbridas, com resultados surpreendentes e belos. E testa materiais que podem substituir a terra para elas crescerem. A ideia das telhas veio da observação de um dos proprietários, Wladislaw Zaslawski, um engenheiro ferroviário nascido na Polônia e naturalizado brasileiro que há 50 anos coleciona orquídeas e abriu o AWZ com o filho Alek, o "A", da sigla, em 1994. Numa viagem aos Estados Unidos, ele notou que plantas também cresciam em antigos telhados, que absorviam água sem nunca ficarem encharcados.

Há outro viveiro do AWZ em Viana, na região da Grande Vitória, para o desenvolvimento de plantas que vivem em clima mais quente. Mas visitá-lo não é como ir ao de Aracê. Você ganha de bônus uma conversa sobre orquídeas com Daniel Munchöw. O funcionário do AWZ fala entusiasmado da beleza das labiatas, da delicadeza da rupiculum, uma pequena orquídea que floresce em altitudes a partir de 1.200m e é cultivada mais para exportação ("brasileiros gostam de flores maiores"). E da Laelia munchoviana, espécie que leva o sobrenome de Daniel porque ele foi quem a descobriu, em Colatina, cidade no Norte do Estado. Ele ainda dá uma dica da melhor orquídea para se presentear uma mulher:

- É o cimbídio. É a mais vendida no Dia das Mães e no dos Namorados. Precisa de no mínimo 800 metros de altitude para florescer, mas dura 70 dias.

Um orquidário que guarda o passado

Termine o passeio onde se guarda uma parte da história dos imigrantes europeus que colonizaram a serra do Espírito Santo, em Marechal Floriano, cidade vizinha a Domingos Martins, às margens da BR-262: o Nêgo Plantas. O "Nêgo" da loja é um senhor grandalhão de pele muito branca e sobrenome alemão: Vital Schunk, que há 36 anos abre sua loja sem fechá-la nem aos domingos. O nome dele batiza dez tipos de orquídeas que descobriu. Como no caso de Kautski, foi uma paixão herdada: o avô e o pai as recolhiam para vender a viajantes europeus que passavam por Vitória.

- Papai tava na mata. Eu tinha 9 anos e fui levar um bule para ele, quando achei uma flor. Foi a primeira que ele me deu - conta Nêgo.

O bule está nos fundos do orquidário, num espaço chamado "Cantinho dos velhos amigos". É um museu informal: nele, Schunk expõe fotos e objetos dos colonizadores que vieram da Europa - alemães, italianos e austríacos. Há antigas máquinas de costura, retratos dos primeiros agricultores e de personagens importantes para a história local. Foram todas doadas ao orquidófilo, pelos filhos e netos dos primeiros colonos, depois que eles morrem.

- No início, alguns não queriam me dar. Eu tinha de trocar por orquídeas - conta.

Finda a visita, é a hora de descer para Vitória e pegar o avião? Não. Antes, suba um pouco mais, para a vizinha cidade de Venda Nova do Imigrante, e prove um pouco mais da culinária italiana que é marca do interior de um estado que geralmente só é relacionado a moquecas e peixes. O Dom Lorenzoni, à beira da BR-262, é uma boa parada para isso, com uma boa oferta de vinhos. Seria também um bom ponto de partida para outro circuito que pode ser feito na região - o de agroturismo. Mas esse fica para a próxima viagem...

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