O melhor do país: a culinária com um pitada de pimenta local, os cubanos

O melhor do país: a culinária com um pitada de pimenta local, os cubanos

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:48

Eu, por exemplo, pouco sabia a respeito da maior ilha do Caribe antes de colocar os pés lá, seguindo o rastro das levas de brasileiros que agora estão indo ver qualé a de Cuba. Sabia que era um lugar pobre mas bonito, atrasado contudo interessante, comunista porém alegre. Imaginava o som alto da salsa brotando das casas de Havana e sonhava com o mar de anúncio de bronzeador das praias de Varadero. Vislumbrava, enfim, um lugar divertido, curioso e, acima de tudo, barato. E eu estava absolutamente certo na minha percepção. Exceto pela questão do custo de tudo isso.

Cuba é o típico caso do lugar barato de chegar e caro de ficar. Os pacotes de uma semana para lá são os mais em conta do Caribe, custam a partir de US$ 890 e conseguem ser mais acessíveis até do que as excursões da CVC para Cancún. Além disso, ficaram famosas mundo afora as histórias de como os cubanos conseguem sobreviver com salários que não passam de US$ 10 (apenas US$ 10!) por mês! – sim, isto também é verdade. Naturalmente que um quadro assim ajuda a criar uma imagem de irresistível barganha. Você pensa: bem, se eles sobrevivem com US$ 10 por mês, com US$ 100 eu viro rei, certo? Errado. E essa era uma das coisas que nem eu nem nenhum outro brasileiro que encontrei por lá sabiam sobre Cuba.

A razão está no próprio dinheiro. Enquanto os cubanos vivem com pesos (lá chamado de moneda nacional), os turistas só podem pagar suas despesas com dólares americanos, que valem 25 vezes mais. Mas, até aí, tudo bem: diferenças cambiais existem no mundo inteiro. O problema é que, em Cuba, como os turistas, oficialmente, só devem manipular dólares, não há taxa de câmbio! Ou seja, é preciso trocar dinheiro. Tudo pode ser pago em verdinhas, mesmo. Mas a sigla da moeda que acompanha os cifrões pode mudar de peso para dólar, de acordo com a cara do freguês – este é o problema! Como se as duas moedas valessem a mesma coisa!

Problema sem solução? Não. Foi o que eu tratei de descobrir assim que me familiarizei com a ilha. Viajar para Cuba significa embarcar agora e descer nos anos 50 – um grande barato, mas só no sentido da curtição da coisa. Na minha primeira manhã em Havana, saí do hotel e, por algum estranho fenômeno, achei que tinha mesmo voltado no tempo. Ué, será que dormi demais? Ou será que ainda estou dormindo? Nas ruas, como nos filmes de Elvis, só circulavam Buicks e Cadillacs muitos anos mais velhos que a própria revolução que implantou o socialismo em Cuba, no final dos anos 50. Entre eles, passavam exóticos riquixás puxados por bicicletas e saudosas motos com cadeirinhas laterais, daquelas que os alemães usavam na Segunda Guerra Mundial – e, pelo estado, muitas pareciam mesmo ter estado lá!

Não só elas, por sinal. Os prédios do Centro Histórico de Havana, um espetacular conjunto arquitetônico que para justificar o título de Patrimônio da Humanidade que recebeu da Unesco só precisaria ser restaurado como se deve (mas isso exige o dinheiro que Cuba não tem), mais pareciam vítimas de um bombadeio. Faltavam-lhe janelas, sobravam tábuas escorando pisos e não havia pinturas nas paredes porque, em alguns casos, não haviam mais paredes!

Não sei por que, mas lembrei dos cortiços do filme “Waterworld”, quando o certo seria ter puxado na memória o emocionante “Buena Vista Social Club”, que conta a história de um grupo de músicos cubanos. Assista-o antes de viajar! Você vai entender melhor a essência da alma cubana e até compreender como aquele povo consegue ser feliz vivendo numa pindaíba dessas. Os prédios de Havana Velha são tão precários que os moradores passam muito mais tempo nas ruas do que dentro de casa, o que confere um clima de permanente algazarra na cidade. Um show para quem curte profundos estudos antropológicos ou  o simples mano-a-mano com o povo. Aliás, que povo!

Com exceção – dizem! – do sabor adocicado do rum ou de uma baforada num puro (que é como eles chamam os charutos da região do Vale de Viñales, que produz o melhor tabaco do mundo), não existe coisa melhor em Cuba do que os próprios cubanos. Eles são alegres, divertidos, meio trambiqueiros, é verdade, mas muito simpáticos. Poderiam muito bem passar por brasileiros (baianos, especialmente), não fosse a educação primorosa e a cultura acima da média, ambas fruto da política de ensino gratuito, que é uma das poucas coisas do sistema socialista cubano que o resto do mundo realmente inveja. Um vendedor de amendoim em Cuba sabe mais sobre o Brasil do que um estudante do Piauí – por sinal, Cuba e Piauí têm o mesmo tamanho. Não se surpreenda, inclusive, se eles começarem a discorrer sobre a beleza das praias cariocas ou o desenvolvimento de São Paulo. É que os cubanos amam o Brasil. E por causa das novelas da Globo.

Foi de uma delas, por sinal, “Vale Tudo”, de 1995, que nasceu o principal negócio familiar da história recente de Cuba: os paladares, uma espécie de restaurante doméstico, adaptado na própria casa das pessoas. Na novela, Regina Duarte vivia uma viúva que, sem outra alternativa para sustentar os filhos, abriu uma pequena pensão, chamada “Paladar” e o negócio só fez prosperar. Os cubanos se identificaram com a história e a copiaram – a começar pelo nome, que virou designativo do negócio. Hoje existem muito mais paladares do que restaurantes em Cuba. Fui almoçar num deles e acabei descobrindo a primeira maneira de se dar bem na ilha.

Não que os paladares sejam baratíssimos. Não, nem eles são. Os preços equivalem aos dos restaurantes e, na média, gastam-se US$ 15 numa refeição. A vantagem é que a qualidade da comida é infinitamente melhor e as porções, bem mais generosas. Além disso, o ambiente é muito mais interessante, já que você vira uma espécie de membro provisório da família. Alguns paladares tornaram-se famosos, como o La Guarida, de Havana (no segundo piso da Calle Concordia, 418, num prédio difícil de acreditar que possa abrigar um restaurante), que foi montado com base no cenário (real) do filme “Morango com Chocolate”.

O meu, contudo, era bem simples – e, por isso mesmo, mais autêntico. Tinha só quatro mesinhas na sala e um staff que ia da sogra ao cunhado. Entrei e a mulher foi para a cozinha ligar o fogão. Fiquei conversando com o marido e pedi o prato da casa, uma mistura de arroz, feijão, frango, banana frita e salada com abacate no meio. Achou estranho? É porque você não viu a cara que ele fez quando eu disse que no Brasil nós comíamos abacate com açúcar!

Outra vantagem dos paladares é que o atendimento é rápido, o que dificilmente acontece nos restaurantes cubanos, onde todos – do garçom ao cozinheiro – são funcionários públicos e agem como tal. Só não há má-vontade. Em compensação, tudo pertence ao Estado. Ou “ao próprio povo”, como os cartazes políticos espalhados pelas ruas não se cansam de dizer. O tradicional Restaurante Hanoi, na Plaza del Cristo, em Havana Velha, um dos templos da comida barata na capital cubana, serve refeições completas por menos de US$ 3, o que é formidável para Cuba. Mas pode-se passar quase uma hora até que o garçom venha avisar que aquilo que você pediu não tem. Faltar coisas é algo extremamente comum em Cuba, porque há uma excassez generalizada de produtos na ilha. E, quando tem, geralmente, custa caro.

Cansado de ouvir as lamentações dos motoristas de táxi (ninguém no mundo reclama mais do que taxista, seja em Havana ou em Cuiabá), visitei um supermercado e, na seqüência, fui conhecer uma bodega, espécie de mercearia onde os cubanos fazem suas compras controladas e dentro de limites pré-estabelecidos pelo Estado: 2,5 quilos de arroz por mês, 14 ovos por pessoa e assim por diante. No primeiro, que tinha até um caixa especial para “diplomatas estrangeiros” e todos os preços eram extorsivos e em dólares – um pacote de biscoito brasileiro chegava a custar quase US$ 3! No outro, só para cubanos, tudo era baratíssimo e em pesos – mas não havia quase nada para comprar.

A carência cubana é tão explícita, que cansei de ver mulheres usando canudos de papel higiênico no cabelo, a título de bobs. A coisa começou a degringolar na ilha em 1991, com a implosão da União Soviética, que até então injetava uma dinheirama em Cuba todos os meses. Sem a mesada russa e espremidos pelo cruel embargo econômico norte-americano, que proíbe qualquer empresa dos Estados Unidos de fazer negócios com Cuba (legalmente, os turistas americanos não estão proibidos de ir para lá, mas não podem gastar seus dólares, o que não deixa de ser um contra-senso), os cubanos ficaram sufocados e o país, isolado. Cuba virou, então, uma curiosidade política. Daí a montanha de dúvidas que todo mundo tem quando chega lá.

O exotismo começa no interrogatório da alfândega, ainda no aeroporto (para mim, perguntaram até o meu signo!) e continua nas ruas, onde, além das tais banheiras dos anos 50, circulam estranhíssimas jamantas, com gente no lugar de carga. São os camelos (veja a foto e você vai entender o porquê do nome), caminhões adaptados para transportar pessoas que levam até 300 passageiros de uma única vez. O conforto é zero. Mas o preço da passagem também é quase isso: simbólicos 20 centavos de peso ou menos de US$ 0,01. Um turista que fizer, de táxi, o mesmo percurso gastará 500 vezes mais!

É isso o que mais choca em Cuba: a brutal diferença de gastos para turistas e nativos, embora a ilha consiga a proeza de ser cara para ambos. Já que, como se disse, os salários locais são quase esmolas. Um porteiro de hotel que ganhar US$ 1 de gorjeta por dia, terá recebido, ao final do mês, o equivalente a quatro meses de salário. Em compensação, o garçom que lhe atender no restaurante, muito provavelmente receberá, por mês, a metade do que você gastará naquele único almoço. Sim, sim: saúde, escola e educação são gratuitas para todo mundo. Mas, e o resto?

Além de uma certa indignação, esta desigualdade de valores costuma gerar nos turistas uma outra sensação, igualmente incômoda: a de estarem sendo permanentemente tapeados nos preços. O pedágio da auto-pista (excelente, por sinal) que liga Havana ao balneário de Varadero, uma espécie de Cancún cubana e para onde praticamente todos vão depois de um tour pela capital, custa $ 1 – assim mesmo, com apenas o cifrão e o número, mas sem especificar em qual moeda. O truque é que deve ser entendido como US$ 1 para os carros de estrangeiros e 1 peso (que vale 25 vezes menos!) para os de cubanos. Discriminação? Não. O governo prefere falar em justiça social.

O negócio, portanto, é tentar passar por cubano e pagar em pesos, o que, em certos casos, como nos transportes públicos, é possível, mesmo para os turistas. Mas é preciso já ter trocado o dinheiro antes porque, se não, vira a tal história do câmbio 1 por 1. Já para outras situações, como comida, por exemplo, é preciso bater pernas e procurar locais específicos. No bairro do Vedado, em Havana, tem algumas lanchonetes e biboquinhas que vendem sanduíches e pizzas por algo entre 10 e 15 pesos (cerca de US$ 0,50). Se é permitido ou não aos turistas frequentá-las, eu não sei. Mas que eu entrei, pedi, comi, paguei e ninguém protestou, isso eu fiz.

Aonde ir?

Foi caminhando também que encontrei um verdadeiro oásis de economia em pleno centro da capital e no local, a princípio, menos provável para isso: a Calle Obispo, a principal rua turística de Havana Velha e a única que já foi totalmente restaurada, uma vez que todas as outras mais parecem o Peloruinho de Salvador antes da reforma. Chama-se Variedades Obispo e o nome não poderia ser mais adequado, já que se trata de um misto de supermercado com lanchonete que, por isso mesmo, vende de conexão de tubo de PVC a frango assado servido na hora. E tudo em moneda nacional, ou seja, peso, seja você cubano ou austríaco.

Na Variedades Obispo, a mesma cerveja que nos restaurantes é vendida a US$ 2 para os turistas custa o equivalente a US$ 0,50 para todo mundo. E a “empanadita”, uma espécie de pastelzinho doce, que em Cuba é quase tão típica quanto o daiquiri de Hemingway no tradicional Bar La Floridita (possivelmente o único lugar em toda a ilha onde alguém é mais famoso do que Fidel), custa apenas 1 peso, embora do lado de fora da rua os ambulantes

a ofereçam aos turistas por – advinhe só?– US$ 1. Contudo, se você comprar várias empanaditas para ir comendo pelo caminho, terá de levar a própria sacola, porque em Cuba nem os supermercados fornecem sacos plásticos. Outro detalhe é ficar atento aos diferentes tipos de táxis que circulam por Havana. É preciso reconhecer os modelos. Tem de Mercedes Benz zero quilômetro só para levar os turistas, por US$ 1 o quilômetro rodado, a calhambeques-lotacões de preço fixo, em que, porém, só vão cubanos. Um meio termo são os táxis amarelos e pretos, quase todos velhos Ladas russos (alguns até esticados para caber mais gente, porque o que não falta aos cubanos é capacidade de improvisação), que, por não terem taxímetro, permitem uma livre negociação nos preços. Mas prepare-se porque o motorista pode ser multado se for pego pela polícia transportando estrangeiros. Pelo menos foi o que me contou Fidel (nome do motorista; não o próprio Comandante, obviamente), enquanto me ensinava algumas palavras em espanhol, caso isso acontecesse.

– Diga apenas “tudo bieeeeeeen” para o policial. Cierto? Santa ingenuidade! Até um finlandês perceberia que eu não sou cubano. Afinal, não vivo sorrindo nem sei dançar salsa, coisa que qualquer nativo faz desde o berço. E não fumo charuto de manhã cedo, não bebo rum hora alguma, nem jamais conseguiria diferenciar o mambo da rumba, do cha-cha-chá, da conga e do bolero. Mas, o que mais denunciaria minha condição de turista seria mesmo o fato de que o tal táxi seguia para a sorveteria mais famosa de Havana, a Coppelia, e que lá, ao contrário dos cubanos que amargam até duas horas de espera por uma mesa, eu entraria direto e não pegaria fila alguma. Mas pagando 50 vezes mais pelo mesmo sorvete. Coisas de Cuba.

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