Daniel Ramos é professor de teologia deste 2013 pela EBPS (Assembleia de Deus em Belo Horizonte). Graduado em Teologia pela PUC Minas (2013), pós-graduação em Gestão de Pessoas pela PUC Minas (2015), especialista em Docência em Letras e
A exortação contundente dirigida à igreja de Tiatira, registrada em Apocalipse 2:20, transcende seu contexto histórico imediato para erguer-se como um princípio eterno e um severo alerta para a comunidade de fé. Através de uma análise exegética do versículo, percebe-se que a reprimenda de Cristo não se dirige primariamente aos que praticam o erro, mas à liderança que, por uma tolerância passiva, permite que ele se enraíze e prolifere. Argumenta-se, portanto, que a passividade diante de doutrinas sincretistas que comprometem a fidelidade exclusiva a Cristo constitui uma grave falha eclesiástica, cujas consequências são a erosão da identidade cristã e a prática de um adultério espiritual disfarçado de liberdade.
Em primeiro plano, o cerne da acusação divina reside no verbo "tolerar" (aphiēmi). A falha da igreja não era de ação, mas de omissão. Era a negligência no exercício do seu dever pastoral de guardar o rebanho contra os lobos vorazes (Atos 20:28-29). Essa tolerância não era fruto do amor, mas da fraqueza doutrinária ou do desejo de acomodação social. Ao permitir que “Jezabel” – uma figura emblemática que personifica a apostasia e a sedução idolátrica, remetendo à rainha do Antigo Testamento – se autointitulasse profetisa, a igreja de Tiatira falhou em exercer o discernimento espiritual. A autoridade no corpo de Cristo não é conferida por autodeclaração, mas deve ser validada pela conformidade com a verdade apostólica (1 João 4:1). A passividade da liderança em confrontar a falsa profetiza criou um ambiente onde o erro foi legitimado, demonstrando que a tolerância com o mal é, em si mesma, uma forma de cumplicidade.
Ademais, o conteúdo do ensino de Jezabel expõe a natureza perigosa do sincretismo religioso, que é a verdadeira questão de fundo. A doutrina por ela propagada incentivava os servos de Cristo a “prostituírem-se e a comerem dos sacrifícios da idolatria”. Esta não era uma mera questão de liberdade cristã, mas um convite à infidelidade. No contexto socioeconômico de Tiatira, participar dos banquetes nos templos pagãos era essencial para o sucesso comercial e a integração social. A provável argumentação de Jezabel ecoava uma teologia de conveniência: como os ídolos nada são (1 Coríntios 8:4), os crentes poderiam transigir sem culpa. No entanto, Cristo, através de João, categoriza essa prática como prostituição, uma metáfora poderosa no Antigo Testamento para a idolatria (Oséias 2:5; Ezequiel 16:15-34). O pecado não estava no ato físico em si, mas na quebra da aliança de exclusividade com Deus. Comer dos sacrifícios idolátricos significava participar da mesa dos demônios (1 Coríntios 10:20-21), uma claudicação entre dois pensamentos que destrói a integridade da fé e reduz o cristianismo a mais um culto de mistérios no vasto panteão romano.
Por fim, as implicações dessa passagem para a igreja contemporânea são profundas e urgentes. O espírito de Jezabel não se extinguiu; apenas adaptou sua roupagem. A pressão para diluir os absolutos do evangelho em nome de uma relevância cultural, a aceitação de práticas contrárias à ética cristã sob o pretexto de “amor” e “inclusividade”, e a busca por prosperidade e aceitação social a qualquer custo são formas modernas de comer dos sacrifícios da idolatria. A lição primordial de Apocalipse 2:20 é que a verdadeira caridade não é tolerante com o que corrompe a alma dos seus filhos. A igreja é chamada a amar o mundo sem se conformar com ele (Romanos 12:2), o que exige um discernimento constante e coragem para confrontar as “Jezabeles” modernas que, com um discurso sedutor, prometem integração ao mundo ao preço da infidelidade a Cristo.
Em síntese, a exortação de Cristo à igreja de Tiatira revela que a tolerância com o erro doutrinário é uma falha catastrófica que abre as portas para o sincretismo e a apostasia. O episódio serve como um paradigma eterno contra a tentação de negociar os princípios da fé em troca de aceitação social ou vantagem material. A identidade do povo de Deus é construída na distinção, não na assimilação. Defender essa identidade exige um discernimento ativo, uma coragem pastoral que prefere a fidelidade a Cristo à aprovação dos homens, e a compreensão de que a verdadeira graça nunca compactua com aquilo que destrói a alma daqueles a quem pretende salvar. A mensagem a Tiatira, portanto, permanece como um farol de alerta: a tolerância que conduz à infidelidade é intolerável para Cristo.
Daniel Santos Ramos (@profdanielramos) é professor, possui Licenciatura em Letras Português-Inglês (UNICV, 2024) e bacharelado em Teologia (PUC MINAS, 2013). Pós-graduado em Docência em Letras e Práticas Pedagógicas (FACULESTE, 2023). Mestre em Teologia (FAJE, 2015). Atualmente é colunista do Portal Guia-me, professor de Língua Portuguesa no Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e Ensino Médio e de Língua Inglesa no Ensino Fundamental (ll) da SEE-MG, professor de Teologia no IETEB e professor de Português Instrumental do IE São Camilo. Escreveu dois livros, "Curso de Teologia: Vida com Propósito" (AMOB, 2023) e "Novo Curso de Teologia: Vida com Propósito (IETEB, 2025). Além de possuir mais de 20 anos de experiência na ministração da Palavra. É membro da Assembleia de Deus em Belo Horizonte (desde sempre), congrega no Templo Central.
* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.
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