Enquanto ainda não vigora o cessar fogo entre Israel e Hamas, acredito ser oportuno expandir um pouco mais sobre as raízes da guerra permanente entre Esaú e Jacó, segundo o que dizem as Escrituras, abordando um pouco da literatura rabínica para nos ajudar nessa reflexão. Conforme o artigo que escrevi aqui, a respeito do conflito entre Israel e Hamas, esses irmãos gêmeos que lutam entre si desde o ventre (Gn. 25:22) deram origem ao povo árabe (Esaú) e ao povo de Israel (Jacó).
A história bíblica é bem conhecida de todos. Esaú vende sua primogenitura a Jacó por um prato de lentilhas. Jacó, por sua vez, engana seu pai Isaque para roubar a bênção que pertencia a seu irmão. Não foi à toa que nasceu agarrado ao calcanhar de Esaú, como se dissesse que iria persegui-lo até tirar de si sua bênção. Se Esaú não tivesse desprezado sua condição de primogênito e Jacó não tivesse usurpado seu irmão, os patriarcas de Israel seriam Abraão, Isaque e Esaú. Esse parecia ser o caminho natural, mas a peleja entre os dois desde o ventre de Rebeca mostrava que nada seria simples ou normal no destino desses irmãos.
O ato premeditado de Jacó causa seu exílio da terra de Israel para fugir da ira de Esaú, terminando na casa de seu tio Labão, irmão de sua mãe Rebeca, onde se casa com suas duas filhas, Lia e Raquel. Embora desejasse tomar apenas Raquel por esposa, Jacó é ludibriado por Labão que o faz casar-se primeiro com Lia. Vemos claramente a lei bíblica da semeadura em ação. Colhemos o que plantamos e aqui não é diferente com Jacó, quando o enganador é enganado.
Há, porém, um aspecto curioso nos comentários rabínicos da Midrash sobre o livro de Gênesis nessa história. Esaú, o primogênito, estava destinado a se casar com Lia, a mais velha de Labão, e Jacó com Raquel. Sabemos, entretanto, que Esaú se afasta desse que seria o plano original de Deus, unindo-se às filhas de Hete, mulheres pagãs, o que se tornou em “amargura de espírito” para seus pais (Gn. 26:35 e 27:46). Mais tarde, Esaú também se casa com Basemate, filha de Ismael, o filho ilegítimo de Abraão, participando de sua linhagem (Gn. 36:3). Adiante, constatamos que Amaleque, o primeiro e pior inimigo de Israel, com quem guerrearia em todas as gerações, era neto de Esaú (Gn. 36:12).
A tradição explica o casamento de Jacó com Lia, afirmando que, ao tomar a bênção de seu irmão Esaú, ele devia cumprir também seu destino. Importava que Lia também fosse uma das matriarcas de Israel juntamente com sua irmã Raquel. Além disso, explica também que, uma vez que Lia estava inicialmente destinada a se casar com Esaú, seus descendentes não possuíam a força espiritual necessária para vencer o inimigo que descendia do próprio Esaú, Amaleque.
Assim, apenas os descendentes de Raquel (José e Benjamim), a que de fato era a esposa destinada a Jacó, seriam os capacitados espiritualmente para guerrear contra a descendência de Esaú. Essa inferência provém de uma interpretação de uma profecia contra Edom, que é Esaú (Gn. 36:1), contida em Jeremias 49:20.
Isso explica o fato de que, quando Israel (Jacó) enfrenta Amaleque (Esaú) nas Escrituras, a luta é sempre liderada por um descendente de Raquel. A primeira batalha da história de Israel se deu quando ainda no deserto do Sinai, em Refidim (Êx. 17). Ela foi liderada por Josué, pertencente à tribo de Efraim que era filho de José.
A segunda batalha ocorreu cerca de quatro séculos mais tarde e foi liderada pelo primeiro rei de Israel, Saul que era da tribo de Benjamim (1Sm 15) contra Agague, rei dos amalequitas. O terceiro confronto se dá cinco séculos depois, no império persa, e é narrado no livro de Ester, tendo de um lado Mordecai, também da tribo de Benjamim, e do outro, Hamã, um dos piores inimigos da história de Israel, descendente de Agague (amalequita). (Para saber mais sobre esse confronto, leia O Mistério de Purim – a Guerra de Gerações).
Uma guerra travada no sobrenatural
No primeiro confronto entre Esaú (Amaleque) e Jacó (Israel), Moisés permaneceu no cume de um monte de frente para o campo de batalha, juntamente com Arão e Hur, enquanto Josué conduzia os israelitas na peleja. As mãos de Moisés levantadas para o céu faziam com que Israel prevalecesse na batalha. Para ficarem erguidas continuamente, Moisés precisou da ajuda dos dois e, assim, suas mãos ficaram “firmes” até o pôr-do-sol. “E Josué derrotou o exército amalequita ao fio da espada” Êxodo 17:13.
A palavra empregada para dizer que as mãos de Moisés permaneceram “firmes” é אמונה (emunah), e também significa fé. Pode-se dizer que permanecer com as mãos estendidas ao céu em busca do favor divino foi, antes de tudo, um ato de fé de Moisés. “Então, disse o Senhor a Moisés: Escreve isto para memória num livro e repete-o a Josué; porque eu hei de riscar totalmente a memória de Amaleque de debaixo do céu. E Moisés edificou um altar e lhe chamou: O Senhor é minha Bandeira (Adonai Nissi). E disse: Porquanto o Senhor jurou, haverá guerra do Senhor contra Amaleque de geração em geração” Êxodo 17:14-16. A palavra original para bandeira é נס (nes) e também significa milagre. Logo, o altar erguido por Moisés também pode ser chamado de: O Senhor é meu milagre.
Do primeiro embate das forças de Esaú e Jacó, o que se destacou não foi o armamento militar nem o ato de bravura dos combatentes. Ele foi marcado pelo sobrenatural, personalizado aqui pela fé (emunah) de Moisés e pelo milagre (nes) no campo de batalha. Deus parecia estar enviando uma mensagem a Israel por todas as eras de que as batalhas a serem travadas contra esse inimigo milenar seriam vencidas no campo do seu agir sobrenatural. A esse mesmo inimigo que covardemente atacou a nação recém-nascida de Israel no deserto, o próprio Senhor promete fazer “guerra de geração em geração”. E também promete “riscar sua memória de debaixo do céu”.
A Batalha Final
O conflito entre Esaú e Jacó, segundo a literatura rabínica, é também uma referência ao fim dos dias. Há muitas menções dos profetas sobre esse conflito que parece interminável, estando várias dessas profecias ainda por se cumprir. É uma guerra que permanecerá até o tempo do fim, pois envolve forças espirituais além da capacidade humana de lhe pôr uma solução final. Desde o confronto em Refidim, em todas as gerações, levanta-se um descendente de Amaleque que prega a extinção de Israel até que a batalha entre os dois se torne inevitável, quando Amaleque é frustrado e Israel é preservado.
Os amalequitas de hoje continuam sendo os mesmos descendentes de Esaú e habitam não somente a mesma região do passado, atual Oriente Médio, mas estão espalhados por todo o mundo. Todo o povo árabe descende de Esaú, de quem provêm os principais inimigos de Israel: os grupos terroristas Hamas, Hezbollah, Fatah, Jihad Islâmica, Estado Islâmico, Boko Haram, etc. Cito também os governantes do Irã (antiga Pérsia) que pregam abertamente em “varrer Israel do mapa” juntamente com os grupos terroristas financiados e apoiados por eles. Os amalequitas estão por toda a parte.
Pode-se ver esse espírito de Amaleque nos discursos de ódio contra Israel por meio de líderes mundiais; nas calúnias disseminadas a partir de centros universitários, incluindo aí as melhores universidades do Ocidente, e replicadas deliberada e maliciosamente pela imprensa mundial; nos boicotes comerciais e culturais contra o Estado judeu; nos atos antissemitas ao redor do mundo; ou nas resoluções sem critérios e parciais da Organização das Nações Unidas, inflamadas de peçonha mortal contra Israel. Isso tudo não é nada novo e sempre existiu desde o início, adquirindo apenas nova roupagem para se adequar às eras e aos tempos em que se vive. No fundo de tudo, sempre estará Amaleque (Esaú) buscando destruir seu irmão Israel (Jacó).
No conflito de Israel, no mês de maio de 2021, pela primeira vez, Tel Aviv e Jerusalém foram alvos dos foguetes do Hamas e Jihad Islâmica, ambos financiados pelo Irã. Ashkelon, uma das cidades antigas dos filisteus, hoje em mãos de Israel, foi alvo de fogo concentrado. E o volume de fogo terrorista foi muito maior que nos conflitos anteriores. Isso tudo não teve precedentes nos conflitos anteriores e pode ter um significado maior, especialmente em se tratando de Jerusalém — o centro da disputa entre árabes (Esaú) e judeus (Jacó) —, não somente agora, mas no futuro.
Além do sinal deste conflito, é curioso notar que o nome do atual primeiro-ministro de Israel é Benjamim. Pode ser esse um sinal profético de que vivemos o fim dos dias e a grande batalha entre Esaú e Jacó está próxima? Sabemos também que o próximo combate é uma questão de quando ocorrerá e não se ocorrerá. O prosseguimento da luta entre os dois é tão certo como o amanhecer.
O conflito entre Esaú e Jacó permanecerá “de geração a geração” e aponta profeticamente para uma guerra mais abrangente, do bem contra o mal, que culminará com a Batalha Final, a ser liderada pelo próprio Messias que se manifestará diante dos olhos de todo o mundo para derrotar os inimigos de Israel que estarão reunidos com exércitos de muitas nações, encabeçados por Amaleque, para tentar, mais uma vez, eliminar o povo de Jacó da face da Terra.
Essa será definitivamente a última batalha entre Esaú e Jacó. Após triunfar sobre os exércitos inimigos, o Messias de Israel inaugurará seu Reino de paz e justiça, a partir de Jerusalém (Yerushalaim) e porá um fim a essa guerra milenar, riscando totalmente a memória de Amaleque de debaixo do céu.
Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor do livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br
* O conteúdo do texto acima é de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.
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