A romantização do cuidado

Frequentemente, o cuidar recebe olhares desfocados que consideram apenas o que o recebe e não o que o entrega.

Fonte: Guiame, Leonora CiribelliAtualizado: quinta-feira, 22 de novembro de 2018 às 14:39
Em ciclo vicioso, instituições geram demandas cada vez maiores para os que cuidam, como se fossem fontes inesgotáveis de resultados. (Foto: Getty Immages)
Em ciclo vicioso, instituições geram demandas cada vez maiores para os que cuidam, como se fossem fontes inesgotáveis de resultados. (Foto: Getty Immages)

Cuidar de pessoas causa desgaste? Geralmente, quando lanço essa pergunta em palestras, boa parte das pessoas responde com um sonoro SIM! Por que, porém, cuidado é tão associado a desgaste?

Coincidência ou não, se olharmos para a palavra “cuidador”, veremos que é composta pelos termos “cuidar + dor”. De fato, pode ser o cuidar da dor do outro, mas é inevitável que não percebamos outra implicação: o que cuida traz consigo dor, que pode levar a sofrimento emocional e físico.

Nesse sentido, é válido pensarmos que o cuidar não se limita a uma função específica – é um convite a todos. Deve começar no lar e não deve ser negligenciado: “Mas, se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua família, negou a fé, e é pior do que o infiel” (1 Timóteo 5.8).

Frequentemente, o cuidar recebe olhares desfocados que consideram apenas o que o recebe e não o que o entrega. Esse ponto de vista equivocado leva o cuidador a negligenciar o cuidado consigo mesmo.

Diante disso, você pode perguntar: “Cuidar não é justamente se doar de forma sacrificial e deliberadamente ao outro?”. Devido ao romantismo do cuidado, essa questão é comum e carrega a demanda performática e quase corporativa: preciso apresentar resultados! Pense em seu contexto ministerial e responda: como você e seus líderes ministeriais se sentiriam e reagiriam se você dissesse que não poderia atender a uma necessidade do ministério?

Meu esposo e eu fazemos parte de um ministério que cuida de quem cuida. Frequentemente, deparamo-nos com um cenário de pressões que cria polarização entre os sentimentos do cuidador e de quem recebe seus cuidados. Quem é o vilão e quem é a vítima? Podemos decepcionar as expectativas de qualquer uma das partes, mas ambas são responsáveis por esse olhar desfocado.

Em ciclo vicioso, instituições geram demandas cada vez maiores para os que cuidam, como se fossem fontes inesgotáveis de resultados. Por outro lado, o cuidador negligencia a si mesmo e sacrifica seu propósito inicial. “Em nome de Deus”, cuida de pessoas e situações que nem mesmo o próprio Criador confiou a ele. Isso gera peso e responsabilidade muitas vezes desnecessários.

Apesar de parecer um tanto incongruente, o cuidar tem mais a ver com leveza e alívio do que com peso e dor. Justamente com essa leveza, Jesus convida: “Venham a mim todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mateus 11.28-30).

Se, antes de tudo, não recebermos essa promessa e trocarmos nosso fardo pesado pelo fardo leve de Jesus, nosso cuidar será sacrificial, porém autoadoecedor – proporemos cuidado ao outro, mas adoeceremos em função de negligência com nosso cuidado.

Como é possível trocar esse fardo?

- Deixando-se cuidar pelo Criador;
- Assumindo a responsabilidade por cuidar de suas necessidades – alimentação, sono, família, lazer, amizades e finanças;
- Conhecendo e respeitando seus próprios limites.

Felizmente, percebo que, ainda de forma embrionária, algumas igrejas, agências missionárias e líderes brasileiros têm despertado para a necessidade de cuidar dos que cuidam.

Esse cuidado com o outro e de si mesmo é ordenança bíblica. Jesus enfatiza que devemos amar a Deus acima de tudo e ao próximo como a nós mesmos – não mais do que a nós mesmos! Então, encontramos equilíbrio, não ficando egocêntricos e não nos negligenciando. Cuidar sob essa ótica de Jesus é amar verdadeiramente!

Concluo essa reflexão com a frase de Carraro e Radünz: “Cuidar não é a causa do desgaste de um cuidador e sim a falta de cuidado, começando pela falta de cuidado consigo mesmo”.

Por Leonora Ciribelli - psicóloga especializada em terapia familiar, casada com o pastor Fábio Ciribelli; ambos integram o Ministério Oásis – Unidade Nordeste (onde ela atua como terapeuta familiar e coordenadora, e ele, como pastor e diretor), focado no cuidado integral de pastores, missionários e líderes e suas famílias. Leonora também é autora de Antes de Casar – Nove passos para um casamento feliz.

* O conteúdo do texto acima é de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

*Conteúdo publicado originalmente em Ultimato.com.br

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