Repreender não é apenas dever do pastor (no púlpito ou em aconselhamentos e disciplinas). Cada cristão tem a incumbência de fazê-lo. Jesus declarou:
“…se teu irmão pecar contra ti, repreende-o …” (Lucas 17.3)
O texto não diz “se teu discípulo” ou “se teu liderado” ou “se teu filho na fé” pecar; o texto sagrado diz: “se teu irmão pecar contra ti”. Há momentos em que os líderes terão que se posicionar com autoridade para repreender, pois Paulo instrui a Tito:
“Exorta e repreende com autoridade” (Tt 2.15).
Porém, não quer dizer que essa ação de repreensão deva se limitar somente aos líderes. Todo crente deve aprender a corrigir seu irmão(ã) quando este falhar.
“Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo; pelo contrário, exortai-vos mutuamente a cada dia, durante o tempo que se chama hoje, a fim de que ninguém se endureça pelo engano do pecado.” (Hebreus 3.12,13)
Quando encorajamos os irmãos a praticarem o princípio de repreensão e correção mútua, corremos o risco de sair de um extremo (onde ninguém corrige) e ir a outro (onde qualquer um acha que pode corrigir). Portanto, penso que devemos ter certa cautela e ensinar acerca desses princípios.
Precisamos aprender a importância da interação e dos relacionamentos no Corpo de Cristo. Francisco de Assis declarou: “Ninguém é suficientemente perfeito que não possa aprender com o outro, e ninguém é totalmente destituído de valores que não possa ensinar algo ao seu irmão.”
Concordo com o fato de que devemos ser ensináveis e aprendermos uns com os outros. Porém, quando o assunto é correção (e penso que isto vai além do aprendizado mútuo), não é qualquer um que, dentro da igreja, pode chegar a repreender outro; é necessário ter certa maturidade para isso. Há alguns critérios bíblicos para tal, e entre eles Paulo destaca dois importantes: bondade e conhecimento.
“Eu, de minha parte, irmãos meus, estou persuadido a vosso respeito, que vós já estais cheios de bondade, cheios de todo o conhecimento e capazes, vós mesmos, de admoestar-vos uns aos outros.” (Romanos 15.14)
Uma pessoa cheia de bondade é bem diferente de uma cheia da amargura. A amarga não corrige; briga com todo mundo! Mas repreender é algo que se faz com um coração cheio de bondade. Portanto, somente um crente em tal condição é capaz de ferir o justo em seu benefício. Caso contrário, será prejuízo. A bondade focará o alvo correto: o erro em si, e não a pessoa que errou.
Também é necessário conhecimento bíblico, experiência de vida cristã. Uma repreensão que é sempre seguida de conselho mostra não apenas o erro em si, mas aponta a forma correta de comportamento. Não deve ser fundada meramente na opinião de alguém, mas na Palavra do Senhor.
O apóstolo Paulo deixa claro que não é qualquer um que tem a capacidade de se exercitar nessa prática, mas que os que estão cheios de bondade e conhecimento já se encontram prontos para isso.
A FORMA DE FAZÊ-LO
Vimos quem pode repreender a seu irmão quando este se encontra em erro, e agora quero lançar algumas bases bíblicas sobre a maneira correta de fazê-lo. Charles Spurgeon, ministro britânico conhecido como o príncipe dos pregadores, afirmou: “A repreensão não deve ser um balde de água fria para congelar o irmão, nem água fervente para queimá-lo”.
Destaquei cinco aspectos importantes que devem determinar a forma de corrigir nossos irmãos no Senhor. Vejamos o que a Palavra de Deus diz sobre isso:
1) Como a filhos amados
Quando o apóstolo Paulo corrigiu os irmãos de Corinto, demonstrou um coração paternal exemplar:
“Não escrevo estas coisas para vos envergonhar, mas para vos admoestar, como a filhos meus amados.” (1 Coríntios 4.14)
Todo pai sabe como é corrigir um filho. A correção dói mais em nós do que neles! Entretanto, o amor que temos pelos filhos nos leva a corrigi-los. Não queremos infligir-lhes dor; queremos ensiná-los e poupá-los de dores maiores.
É por isso que não se deve corrigir um filho quando se está irado ou alterado emocionalmente. A correção deve ser uma manifestação de amor e cuidado. É isso o que aprendemos com nosso Pai Celeste, do qual as Escrituras dizem:
“Pois o Senhor disciplina a quem ama, e castiga todo aquele a quem aceita como filho” (Hb 12.6 – NVI).
Portanto, a correção aos nossos irmãos em Cristo deve ser feita com o mesmo coração amoroso com que corrigimos os próprios filhos.
2) Em espírito de mansidão
A correção não deve manifestar um tom de condenação. Deve ser feita em espírito de mansidão. Isto significa que correção não é briga. Também não é condenação. É um ensino amoroso que visa a restauração de quem errou. Santo Agostinho declarou:
“Convém matar o erro, mas salvar os que estão errados”.
“Irmãos, se um homem chegar a ser surpreendido em algum delito, vós que sois espirituais corrigi o tal com espírito de mansidão; e olha por ti mesmo, para que também tu não sejas tentado.” (Gálatas 6.1)
Além do fato de que o espírito de mansidão não acusa e nem condena (o que falhou), embora reprove (a falha em si), ele também expressa humildade em vez de altivez. O apóstolo disse que devemos cuidar para que, na área em que corrigimos outros, não venhamos também a ser tentados. Em outras palavras, pode acontecer com qualquer um!
Alguns irmãos corrigem outros como se eles mesmos não estivessem sujeitos a queda e falha. Isto é errado e contrário às Escrituras! Paulo disse que quem está em pé cuide para que não caia (1 Co 10.13). Também declarou que esmurrava seu próprio corpo para que, depois de pregar, ele mesmo não viesse a ser desqualificado (1 Co 9.27). Mesmo ao corrigir, o apóstolo parecia sugerir a ideia de “pode acontecer comigo e com qualquer um”, e “eu entendo e vou lhe ajudar”. Se nós tivermos esse mesmo coração, certamente teremos resultados bem melhores ao aplicar a correção.
3) Com sensibilidade para tratar cada caso
“Exortamo-vos também, irmãos, a que admoesteis os insubordinados, consoleis os desanimados, amparai os fracos e sejais longânimos para com todos.” (1 Tessalonicenses 5.14)
De acordo com a instrução bíblica, cada tipo de deficiência merece um trato específico. O insubordinado deve ser admoestado; o desanimado deve ser consolado; os fracos devem ser amparados e TODOS merecem longanimidade.
Não podemos inverter a ordem. Há igrejas em que os insubordinados são amparados e consolados e os fracos e desanimados são admoestados! Quando isso acontece, o erro de um não é corrigido e a necessidade de apoio de outros é pisoteada.
Um texto bíblico que me ajudou a compreender que devemos fortalecer os fracos e desanimados, em vez de acabar de matá-los de vez, foi o seguinte:
“Não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega; em verdade promulgará o direito.” (Isaías 42.3)
Eu nunca havia entendido a expressão “não esmagará a cana quebrada” até um dia em que eu fui à lavoura de um amigo. Entramos de caminhonete em sua plantação de trigo para que ele pudesse avaliar o estado do trigo em diferentes pontos, e eu percebi que, à medida que avançávamos, deixávamos atrás de nós um trilho, a marca dos pneus que pareciam esmagar as plantinhas indefesas. Inocentemente eu lhe perguntei se ele não estava estragando aquela parte da plantação por onde passávamos, e ele me disse que não. Ele parou para mostrar-me que, mesmo com o talo quebrado, aquele trigo se levantaria de novo, num verdadeiro processo de regeneração da natureza. Em seguida ele me mostrou outras áreas onde isso já havia acontecido. Quando a Bíblia fala sobre “cana”, ela está falando sobre o caule das plantas. Deus está dizendo que mesmo que elas se quebrem, Ele não as destruirá por causa disso, mas permitirá que elas sejam restauradas e que as suas rachaduras sejam refeitas. Quando estamos “quebrados” em alguma área de nossas vidas, o Senhor não nos esmaga por não sermos perfeitos, mas Ele permite que uma restauração ocorra. Logo, devemos ter o mesmo coração amoroso e misericordioso para com aqueles que corrigimos.
A outra frase do versículo, que transmite a mesma mensagem da primeira, é: “Ele não apagará a torcida que fumega”. É uma alusão ao pavio da lâmpada que já não está mais aceso, que está se apagando. Novamente a Bíblia declara que, até mesmo quando não estamos em conformidade com o que Deus planejou para nós, Ele não nos destrói. O Senhor não molha a ponta dos Seus dedos com saliva para apertar o pavio que fumega, como fazemos com uma velinha de um bolo de aniversário. Não! Como diz o antigo cântico pentecostal, “Se apagar o pavio que fumega, Jesus assopra, e o fogo pega!” Aleluia! Jesus jamais apagará o nosso último pavio de esperança! Portanto, nem nós tampouco devemos fazer isso com os que erraram. O propósito da correção é a restauração, não o massacre daquele que errou.
Mas, o mais interessante é o que a Bíblia nos instrui como trato geral: ser longânimo para com todos. Não importa o erro; todos merecem paciência de nossa parte. Cada erro (a falha em si) requer um trato diferenciado na hora da correção, mas todos os que erram (as pessoas) merecem um mesmo trato: paciência. Todos já fomos crianças e imaturos um dia (tanto natural como espiritualmente), e lembrar isto nos ajuda a ter com outros a paciência que já tiveram conosco um dia.
Eu estava no trânsito um dia desses e encostei atrás de um carro de autoescola; quando comecei a incomodar-me com a lentidão com que o aprendiz de motorista dirigia, li um adesivo no vidro traseiro do carro que dizia: “Calma, eu sou você ontem”. Recordar que já dirigimos assim antes, e quão feliz nós ficávamos quando não buzinavam o tempo todo atrás de nós ajuda a ter paciência com os novatos. Façamos o mesmo na vida cristã!
4) Não como inimigo, mas como irmão
Algo que a maioria de nós precisa aprender é que confronto não é, do ponto de vista bíblico, guerra. A pessoa que errou, por pior que tenha sido o seu erro, ainda é parte da mesma família da fé a que nós pertencemos! Por isso, a Escritura declara que devemos admoestar (corrigir) essa pessoa como a um irmão; não como se fosse um inimigo:
“Todavia, não o considerais com inimigo, mas admoestai-o como irmão.” (2 Tessalonicenses 3.15)
Jesus nos orientou a advertir quem errou com um único propósito: ganhar nosso irmão (não o inimigo; o irmão).
“Se o seu irmão pecar contra você, vá e, a sós com ele, mostre-lhe o erro. Se ele o ouvir, você ganhou seu irmão.” (Mateus 18.15 – NVI)
E se não houver resultados na repreensão inicial, Jesus nos aconselhou a tentar de novo, com testemunhas. Se ainda não houver resultado, tentar mais uma vez, diante da igreja. Somente em última instância, por não aceitar a repreensão, alguém pode chegar à mais forte expressão de disciplina na igreja: a exclusão (Mt 18.15-17). Porém, mesmo em casos de severa disciplina, somos orientados a prosseguir amando e perdoando a esses irmãos (2 Co 2.5-8).
5) Na expectativa de arrependimento
Algo que tenho aprendido muito nos últimos anos, com o pastor Abe Huber, é acreditar nas pessoas. Não digo acreditar no sentido humanista de que as pessoas sejam boas em si mesmas, mas no sentido de crer na ação de Deus em suas vidas, crer para a transformação delas. Ele me inspirou a não desistir de quem erra e a lutar por cada um que falhou e aplicar fé, muita fé, pela sua restauração.
Muitas vezes confrontamos as pessoas já esperando que elas não aceitem e planejando nossas reações em cima das possíveis ações de quem iremos corrigir. Sei por experiência própria; já fiz isto como pastor e como irmão em Cristo, como familiar e como amigo – em todos os níveis de relacionamento. Também já conversei com muita gente que fez o mesmo, em posição de liderança ou não.
Paulo instruiu seu jovem discípulo Timóteo em relação a isso:
“Ao servo do Senhor não convém brigar mas, sim, ser amável para com todos, apto para ensinar, paciente. Deve corrigir com mansidão os que se lhe opõem, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento, levando-os ao conhecimento da verdade” (2 Timóteo 2.24,25 – NVI)
O texto bíblico fala sobre corrigir na esperança (ou expectativa) de que Deus conceda o arrependimento. Não é corrigir por corrigir, só para dizer que tentou. É lutar pela restauração. É aplicar fé que haverá arrependimento e mudança!
6) Correção com encorajamento
Nos primeiros anos do casamento descobri a minha limitação em relação à forma de falar na hora de criticar ou corrigir. Minha esposa tentava alertar-me para a minha abordagem errada (não só com ela, mas com todo mundo). Porém, ainda assim, eu sempre argumentava com ela e defendia a ideia de que a verdade tem que ser dita e que quem está errado tem que ser corrigido. A Kelly, por sua vez, dizia que não era contra a crítica e a correção em si, mas com a maneira como eu fazia aquilo. E repetia sempre:
“Não é o quê você fala que me aborrece, é como você fala”.
Confesso que, para mim, era muito difícil entender isto. Um dia ela me pediu:
“Quando você quiser me corrigir, bem que você poderia começar e terminar com um elogio. Ficaria bem mais fácil”.
Retruquei imediatamente que isto era psicologia barata e que eu me recusava a jogar este tipo de jogo e fazer aquilo. Porém, um tempo depois, em meu momento de oração tive uma experiência constrangedora com Deus. Enquanto orava, tive uma forte impressão em meu espírito. Uma frase muito nítida ecoava dentro de mim:
“Por que você Me acusou de usar de psicologia barata no trato com as pessoas?”
Rapidamente respondi que não tinha feito aquilo com o Senhor. Mas a impressão continuava “falando” dentro de mim:
“Você disse à sua esposa que elogiar antes e depois de corrigir é usar de psicologia barata. E, se você examinar as sete cartas às igrejas da Ásia no livro de Apocalipse, vai descobrir que Eu agi exatamente desta forma. Logo, você me acusou de usar de psicologia barata!”
Fiquei chocado. Pedi perdão a Deus. Fui ler as cartas do Apocalipse e constatei a forma como Jesus se dirigiu às igrejas da Ásia: elogio primeiro, correção depois! Por exemplo, veja a carta dirigida à Igreja de Éfeso:
1) ELOGIO:
“Conheço as tuas obras, e o teu trabalho, e a tua perseverança; sei que não podes suportar os maus, e que puseste à prova os que se dizem apóstolos e não o são, e os achaste mentirosos; e tens perseverança e por amor do meu nome sofreste, e não desfaleceste” (Ap 2.2,3).
2) CORREÇÃO:
“Tenho, porém, contra ti que deixaste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, donde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; e se não, brevemente virei a ti, e removerei do seu lugar o teu candeeiro, se não te arrependeres” (Ap 2.4,5).
3) NOVO ELOGIO:
“Tens, porém, isto, que aborreces as obras dos nicolaítas, as quais eu também aborreço” (Ap 2.6).
Ouvi o pastor Abe Huber chamar este tipo de correção de “sanduíche”, dizendo que assim como o hambúrguer fica entre os dois pedaços de pão, assim também a correção deveria ser “servida” entre elogio e encorajamento. Encontramos o mesmo princípio do elogio ou encorajamento antes da correção sendo aplicado por Jesus nas demais cartas às igrejas da Ásia. Precisamos aprender a usar nossas palavras para produzir encorajamento.
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