Um Dos Filhos de Francisco

Um Dos Filhos de Francisco

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:13

T enho grande respeito por alguns seguidores de Francisco de Assis (1182/1226). Um deles em particular me chama a atenção. Falo de Guilherme de Ockham (1285/1347), conhecido entre os seus pares como o venerável  “Inceptor” (principiante). Nunca lhe concederam a honraria de mestre, mas com título ou sem título estava destinado a fazer barulho. Guilherme era um franciscano “roxo”. Quando paixão e erudição se encontram o resultado é sempre surpreendente. Afinal, por que razão estaria escrevendo sobre ele, passados mais de seiscentos anos desde sua morte?

A s diversas ordens religiosas que encontramos abrigadas sob as asas da igreja romana e que em muitos aspectos divergem entre si podem, grosso modo, ser comparadas com as muitas denominações protestantes, pentecostais ou históricas que hoje pretendem representar o legado dos apóstolos. Lá e cá, encontramos liberais, moderados e extremados, todos reivindicando apresentar a versão mais fidedigna da fé cristã. Os Franciscanos não fugiam à regra. A Ordem dos Frades Menores foi fundada exatamente, ainda que de forma velada, com a nobre pretensão de todos os reformadores.

F rancisco, segundo reza a tradição, ao ouvir certa voz que dizia “vai e reconstrói a  minha igreja”,  julgou fundamental adotar uma posição absolutamente radical. Enojado com o que via na igreja de seus dias, Francisco repudiou a relação perigosa e espúria do sacerdócio com as riquezas e estabeleceu para a sua ordem uma regra básica que exigia dos seus frades o desapego completo à posses de bens materiais. De algum modo sabia que o único modo de vencer Mamom era através do desprezo.

A o observarmos a atitude desapegada de Jesus para com as riquezas descobrimos que é Nele que Francisco se inspira diretamente.  O próprio Jesus, segundo a narrativa de Mateus, foi tentado pelo Diabo com uma oferta de grande monta. Jesus desprezou a oferta do Maligno e não titubeou em seu compromisso para com a missão que lhe fora confiada.  Na verdade, muitos hoje cedem à propostas muitíssimo menores do que aquela com que o Tinhoso tentou comprar o nosso Senhor.

F rancisco abriu mão de prerrogativas que lhe garantiriam uma vida confortável, como membro de uma família de posses que era e, como Jesus, disse não à proposta sedutora de uma vida de luxo e dissolução. Seus discípulos mais apaixonados vão seguir tal regra à risca. Guilherme de Ockham era um dos chamados radicais, adepto de um movimento espiritualista surgido no século XIV. Faziam uma leitura estreita dos ensinos de Francisco, o que levou a ordem a uma grande controvérsia e posterior divisão.

C olocados em campos opostos, moderados e espirituais tinha por motivo de diferença a discussão acerca das riquezas materiais. Tanto ontem como hoje a relação do cristão com este tema é polêmica. Alguns, como os Franciscanos radicais, sinalizam que tal relação é perigosa e deve ser evitada; outros, como os muitos pregadores contemporâneos, não só a incentivam, como sustentam ser plano de Deus que seus filhos desfrutem das mesmas.

D iante do exposto há quem ache que a teologia da prosperidade é cria do capitalismo, e a expressão exata da mentalidade materialista  americana. Quem pensa assim precisa fazer uma visita à Santa Sé e observar mais demoradamente a vida nababesca que levavam (e ainda hoje levam) os “príncipes” da igreja. Justiça seja feita, aos americanos deve se creditar a democratização dos ideais de uma vida farta. O que na velha igreja só era possível aos círculos mais elevados do clero, na versão americana, em sua obsessão pela democracia, torna-se acessível a todos. É a popularização do privilégio.

G uilherme de Ockham e seus amigos contestavam a ostentação da igreja e enfrentavam os papas com seus mantos e pretensões imperiais. Denunciavam a pompa e circunstância do sucessor de Pedro e clamavam por mudanças;  Reivindicavam o título de legítimos herdeiros e continuadores dos ideiais de Francisco. Amparados por um poderoso testemunho de integridade, desfrutavam de um respeito que poucos na igreja  conheciam.  As pessoas que lhes eram simpatizantes eram movidas mais pela confiança que suas vidas inspiravam do que por qualquer outra razão.

O argumento Franciscano era simples. A ordem que parecia haver sido criada para tirar o sono do Vaticano questionava: “Por que a Igreja haveria de acumular tanto tesouro na terra se o seu fundador advertiu a seus seguidore que não o fizessem?”   Assim, trombeteando um despojamento completo de todo e qualquer apego às coisas próprias do mundo dos homens carnais, Guilherme, juntamente com seus amigos de hábito, condenavam o poder eclesiástico e, para o horror de papas, cardeiais e bispos, pregavam que a igreja de Roma, da forma como estava formatada, era a nova Babilônia e seu líder maior, o Anticristo!

E ra um crente indignado com as loucuras da igreja do seu tempo, razão porque acabou sendo excomungado pelo papa João XXII em 1328. Como a igreja estava profundamente mancomunada com o Estado naqueles dias, Guilherme acabou por escrever muitas obras sobre política. Nestas obras vai combater o poder dos papas em sua expressão política. Questiona a fórmula que confere ao papa a plenitude do poder, negando que o mesmo  tenha poder sobre as coisas temporais por direito divino. Entre outras idéias absolutamente revolucionárias para seu tempo, Guilherme e os demais companheiros chamados espiritualistas, profetizavam o surgimento de uma Igreja do Espírito Santo, que deveria ser governada por homens espirituais.

D ia desses encontrei-me com Guilherme em uma de suas obras. Apesar do abismo de eras entre nós, descobri-me mais alinhado com Guilherme do que com muitos dos meus contemporâneos que como eu abraçaram o sacerdócio. Os séculos passaram, a roda girou, a polêmica permanece. O Diabo continua jogando o laço das riquezas no caminho de muitíssimos sacerdotes e, para nossa tristeza, não poucos sucumbem à sedução. Nem é necessário jogar tudo como fez com Jesus ao oferecer ao Nazareno os reinos do mundo; basta apenas propor um pouco de prestígio e muitos, de pronto, sentam-se à mesa das negociações, ávidos para assinarem logo o contrato.

Luiz C. Leite   é pastor, psicanalista, administrador de empresas, conferencista e escritor. Autor de "O poder do foco", editora Memorial; e "A inteligência do Evangelho", editora Naós; além de vários títulos por publicar.

- Clique no link para ver o vídeo do livro   "O PODER DO FOCO"

- Clique no link para ver vídeo do livro "A INTELIGÊNCIA DO EVANGELHO"

Confira o blog do escritor:   http://luizvcc.wordpress.com/

Este conteúdo foi útil para você?

Sua avaliação é importante para entregarmos a melhor notícia

Siga-nos

Mais do Guiame

O Guiame utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência acordo com a nossa Politica de privacidade e, ao continuar navegando você concorda com essas condições