Seis Maneiras em que os Filhos Mudam o Quotidiano

Navegando fraldas trash, almoços apressados e tardes desesperadas.

Fonte: Guiame, René BreuelAtualizado: terça-feira, 30 de janeiro de 2024 às 18:01
(Foto: Pixabay)
(Foto: Pixabay)

Quando meu primeiro filho nasceu, comecei a experimentar a vida de modo diferente. A marcha do tempo desacelerou. Os dias passaram a ser provas de resistência. Havia em tudo um ar de novidade. Come compartilho no meu novo livro Não é fácil ser pai: Como domar os leõezinhos, não chatear sua esposa e recuperar (um pouco) a sanidade depois da paternidade, a presença de um bebê transformou momentos comuns em lugares de significado renovado.

1. Acordar

Levantar pela manhã tornou-se um ato dramático. A atração gravitacional da cama era monumental, depois de uma noite de sono interrompido. Quando finalmente me levantava, um melodrama era encenado em minha cabeça, no qual eu era o Pai Trágico e Sofredor, vítima do próprio destino, afogando-se nas tormentas da vida.

Até eu encontrar o Pietro. Ele deitava no berço tão gostosinho — com pijama de bichinhos e meinhas brancas — que eu queria pegar aquele pedaço de doçura e sentir seu calor em meus braços de novo. Alguns minutos de sua presença eram suficientes para transformar minha tragédia em um musical da Broadway. Eu balançava o Pietro, improvisando coreografias diversas. Muitas vezes era o moonwalk do Michael Jackson, apesar de que seu final preferido era dar soquinhos no ar enquanto eu cantarolava a trilha sonora de Rocky Balboa.

Eu contemplava o dia à minha frente com um novo senso de destino. Não era um dia qualquer, mas uma Ocasião, um Acontecimento. O que traria o dia de hoje?

2. Trocar fraldas

Uma cena de terror, é isso que o dia trazia. O filme da minha vida, que parecia tão promissor, logo entrava no gênero trash: texturas medonhas, cheiros enjoativos, sustos dramáticos e o lixo. Não só as fraldas, mas as roupas também, que muitas vezes não tinham mais salvação.

3. Sair de casa

Já não podia mais entrar no carro e dirigir enquanto a mente se distraia com tantas outras coisas. Agora, estava numa operação que exigia precisão e foco militar. Nesses momentos, o dia parecia uma aventura, em que o protagonista descobria um admirável mundo novo, encontrava ameaças à sua sobrevivência e curtia a companhia de seu parceiro adulto.

4. Almoçar

Ao meio-dia, eu já estava exausto do pique que um bebê requer e ansiava por aquele oásis de calma e prazer que nós adultos chamamos de almoço. Mas o ato corriqueiro ganhou ares de projeto elaborado. A minha esposa e eu não podíamos mais comer quando quiséssemos. Tínhamos de planejá-lo com base no ritmo do Pietro e cozinhar e comer enquanto ele dormia. Em alguns dias, era factível. Em outros, o almoço era interrompido por choros, amamentação e troca de fraldas sujas. No começo, achei difícil voltar a comer depois de tocar e sentir o cheiro de cocô, mas digamos que os seres humanos são notavelmente versáteis.

5. Desesperar-se à tarde

Depois de acordar várias vezes no meio da noite e consumir energia para cuidar de um bebê, meu biorritmo entrava em pane e transformava minhas tardes em abismos sem esperança. Levei um bom tempo para entender o que estava acontecendo e aprender a desarmar meus pensamentos catastróficos. No começo, eu só sabia que minha vida tinha acabado. Estava em pedaços. Tudo era sombrio. Ouvia falar das conquistas profissionais de meus amigos e sentia que tudo mundo estava avançando enquanto eu tinha empacado. A vida em família era um peso. Nem uma noite de sono eu tinha mais.

Com o tempo, me dei conta do funcionamento do meu corpo e aprendi a processar as emoções negativas de forma mais madura. Calma aí!, pensava. Por que me sinto pra baixo sempre na mesma parte do dia? Aprendi a reconhecer que estava no meio de um temporal emocional, a lembrar que em algumas horas aquilo passaria e a dizer a mim mesmo que minha vida era ótima, mesmo que não parecesse naquele momento.

Mesmo assim, a combinação de um recém-nascido frágil e um pai emocionalmente despreparado transformou algumas tardes em um filme noir sem enredo e cheio de sombras. Muitas vezes, amigos leais apareciam para me resgatar da escuridão: cookies, muffins e tortas. O sorvete era sensacional, também. Em alguns dias, eu me encontrava tão carente de energia física e consolo emocional que comer Nutella com a colher parecia algo que um adulto esclarecido fazia numa boa.

O resultado foi uma gravidez masculina pós-parto.

6. Acordar no meio da noite

O clima esperançoso do supermercado e das colheradas de Nutella desapareciam de noite, quando nosso adorável bebê se transformava em um Gremlin que chorava, uivava e anunciava a toda a vizinhança que tinha pais maus, maus, maus. Enquanto tentávamos entender qual era o problema, eu imaginava os vizinhos formando um comitê para nos expulsar da comunidade dos seres humanos sensatos.

Quando o pediatra nos aconselhou a introduzir a mamadeira além da amamentação da Sarah, minhas contribuições noturnas ficaram mais substanciais. Antes, meus papéis tinham sido o de Palestrante Motivacional (para a Sarah), Domador de Leões (para o Pietro) e Suplicante Desesperado (para Deus). Depois da mamadeira, virei um Corpo Sem Cabeça, pois meus braços faziam tudo direitinho — preparar o leite, amamentar o Pietro, colocá-lo de volta no berço — enquanto minha mente flutuava no limbo. Como compartilho em Não é fácil ser pai, tentava consumir o mínimo de energia, sabendo que o dia seguinte traria surpresas mágicas, mudanças inesperadas e um novo modo de ver o mundo.

René Breuel é um escritor brasileiro que mora em Roma, na Itália. Autor da obra Não é fácil ser pai (Mundo Cristão), possui mestrado em Escrita Criativa pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e em Teologia pelo Regent College, no Canadá. É casado com Sarah e pai de dois meninos, Pietro e Matteo.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

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