O cordão de três dobras...

O cordão de três dobras...

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:05
cordão de três dobrasSomos ávidos. Nossos desejos se tornam vícios quando atropelam as pessoas. Nossos apetites viram pecado quando se irradiam pela alma feito obsessão. Ideais incendiados por certezas criam tiranos – e essas certezas incubam genocídios.
 
Muitas de nossas perguntas não pedem respostas, só demonstram a nossa sagacidade. Geralmente antecipamos os questionamentos com um Ego adoecido pelo gigantismo. Grafitamos nas ruínas de alguma cidade-fantasma nosso narcisismo patético. Com alucinações onipotentes, buscamos controlar o incontrolável, dar sentido ao sem-sentido e dominar, absolutamente, o absoluto. Não passamos de paspalhos tentando represar o rio do devir – ambicionamos adiar nosso descenso final e inexorável rumo ao pó. Nesse desatino, mentimos para o espelho, corremos de nossa sombra, entulhamos as pegadas que deixamos na praia.
 
Padecemos de messianismo. Gastamos nossa energia vital para demonstrar uma eleição eterna. Concentramos o centro da galáxia em nosso umbigo. Acreditamos e nos gabamos de que o universo conspira a nosso favor. Reclamamos se a Fortuna não nos galardoar com sorte. Em momentos difíceis assumimos que o azar tem vontade própria e que ele nos castiga. Não gostamos quando nossos privilégios são presenteados a desafetos nossos.
 
Olvidamos que a vida é curta e fina como cristal. Logo desceremos de qualquer palco, plataforma, púlpito ou tribuna. As nossas décadas não encherão os dedos de nossas mãos. Nossos joelhos trôpegos exigirão bengalas. Nossa assinatura ficará trêmula. Nossa independência carecerá de amparo. Efêmeros assim, não podemos deixar que nossos apertos de mão se mantenham frouxos. Essa jornada errática pelo mundo não permite que o nosso olhar se disperse quando estivermos diante de alguém. A história de cada um, escrita também com as tintas da decepção, é sensível. Em qualquer desatenção arriscamos magoar, remexer feridas mal curadas e acirrar o sofrimento existencial de quem nos rodeia.
 
Arrogância e empáfia não cabem no estojo onde colecionamos nossos instantes que, somados, dão algum sentido à vida. Somos demasiadamente humanos para nos dar ao luxo de aceitar que a banalidade da mesmice nos acorrente. Não passamos de cordões, que carecem de outros cordões; só com três dobras arriscamos não nos rebentar na aventura de viver.
 
Soli Deo Gloria
 
 
- Ricardo Gondim
 

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