Nascemos para a imensidão

Nascemos para a imensidão

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:05
planeta TerraA imensidão fascina. A distância sideral maravilha. O céu se craveja de brilhantes para nos revelar uma glória que precisou navegar anos-luz. Os superlativos cósmicos deslumbram. Só os pequenos intervalos atormentam. Os espaços diminutos afligem.
 
O preso sofre porque sonha com o outro lado da muralha. Bastariam alguns metros e ele poderia caminhar por onde quisesse. A liberdade, que lhe parece tão próxima, o oprime. O peixe se desespera porque foi jogado pela onda na areia. Ele vê a água pertinho e por mais que se debata, não alcança o espaço onde consegue respirar. O canário gorjeia na gaiola. Seu canto é um lamento. Enjaulado, contempla por entre barras vazadas, os galhos de uma árvore. A independência parece acenar-lhe um convite para um voo livre, mas o pássaro não sabe como sair dali.
 
A felicidade parece, simultaneamente, próxima e afastada. Sofremos com a sensação de que bastariam alguns milímetros e seríamos plenos. O amor mora na casa vizinha, não nos confins do mundo. No país vizinho, na redondeza bem alí, encontraríamos a bonança que sonhamos. Bastaria termos a chave do portão – nunca temos. A paz pode acontecer a qualquer momento. Sofremos. Reconhecemos que não dispomos de tempo, energia, ânimo para fazer acontecer tudo o que sonhamos, e que supomos ao nosso alcance.
 
No mito grego, Tântalo foi rei na Frígia. Certa vez, para testar a onisciência dos deuses, Tântalo roubou os manjares divinos. Procurando enganá-los, matou o próprio filho e serviu a carne do menino no lugar da comida que roubara. Descoberta a trapaça, Tântalo precisou ser castigado. Os deuses o lançaram ao Tártaro – um vale abundante em vegetação e água. O castigo de Tântalo consistiu em ver-se impedido de saciar a fome e a sede em meio a tanta fartura. Sempre que se aproximava da água, ela escoava. Ao tentar colher frutos, os ramos das árvores se afastavam para além de suas mãos.
 
O mito de Tântalo tem a ver com a nossa humanidade. Seu suplício lembra a máxima da psicologia: somos seres desejantes. O preço de nos reconhecermos humanos tem a ver com a percepção de que nossos desejos continuarão a nos acenar de perto, enquanto permanecem inalcançáveis. A espera e o esforço pela felicidade vão torturar sem trégua; a luta pela alegria, exauri e a vontade de triunfar, vergar.
 
Existe um algo fantástico, que quase podemos experimentar. Pensamos que nos pareceremos com aquele alguém, que quase podemos descrever. Sonhamos com aquele lugar, que quase concebemos. Sabemos de uma alegria, que quase podemos vivenciar. Anelamos por um amor, que quase podemos sentir. Esses quases nos mortificam.
 
Por vezes nos esforçamos para fugir. Tentamos escapar, com os raios da alvorada, até alcançar os confins do universo. Buscamos as grandes distâncias. Intuímos, porém, que as proximidades nos despedaçam. E a angústia vem com a descoberta de que lá, bem longe, continuaríamos insatisfeitos. Rubem Alves nos lembra que Deus tem o nome de nossos anseios. Daí nos movermos. Nossa insatisfação nos leva adiante. Criamos, em razão da avidez pelo imarcescível. Deus, ao contrário do que dizem os religiosos, abriu enormidades em nossa alma – Ele não nos quer acostumados às proximidades. Elas nos afligem. Nascemos para as vastidões. O enorme buraco que percebemos em nossa interioridade tanto nos fascina como nos salva.
 
Soli Deo Gloria
 
 
- Ricardo Gondim
 

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