O milagre histórico

O milagre histórico

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:08

milagre históricoA história acontece em decorrência ao acaso; e eventualidade, na interseção da necessidade com a liberdade. Acaso e eventualidade são essenciais ao milagre. Ficamos diante do extraordinário sempre que se quebra a relação de causa e efeito na história. Milagre pode ser descrito, portanto, como uma interrupção de qualquer processo histórico ou humano até então considerado automático.

 
Tratamos como um prodígio toda a ação que evita mortes, tragédias ou desgraças desnecessárias. Existem, sim, “fatalidades” desnecessárias. Por exemplo: sempre que índices de mortalidade infantil são reduzidos, o decréscimo percentual indica que meninos e meninas vinham morrendo em vão. Existe algo de excepcional na resistência civil a um sistema político perverso. O fim de tiranias pode ser considerado um milagre. Daí considerar-se cínica qualquer filosofia ou teologia que ensine “inevitabilidade histórica” – não há como aceitar, sem cinismo, a história encaixada em “trilhos inevitáveis”.
 
Anseio da paz e busca incessante de justiça e liberdade não acontecem, simplesmente. A perene convocação para descruzar os braços nasce da percepção de que paz não significa mera ausência de conflitos, mas um jeito civilizado de administrá-los. Provoca-se a justiça. Conquista-se a liberdade. O presente não resulta do desdobramento engrenado e causal do passado; e o futuro não chegará no encadeamento inexorável dos acontecimentos atuais. Deus celebra como bem aventurados os quem têm fome e sede de justiça. E o corolário desta afirmação é que ele não chama para si a ordenação exata de cada fato, numa sincronia absoluta com sua vontade. Deus convoca pessoas não só a anelarem pelo novo como se envolverem; a experiência do divino produz inquietação que desemboca em práxis, jamais acomodação.
 
Cada ser humano possui uma dignidade intrínseca, dada a priori, e nada pode relativizar sua transcendência. A vida não se apequena à mera aceitação da sobrevivência; ninguém deveria contentar-se com o movimento do garfo entre o prato e a boca. O universo de sentido de cada um fica, assim, determinado por sua capacidade de resistir ao automatismo do tempo. Predestinação, destino e vontade soberana sugerem a escravidão mais cruel: acreditar que Deus traçou a sorte de cada indivíduo – com miséria ou felicidade – sem permitir ou deixar espaço para que se reverta o querer eterno. Só lutamos contra o que conspira contra a vida quando, conscientes da liberdade, assumimos a vocação de sermos fazedores de milagres – ou artesãos de uma nova história.
 
Soli Deo Gloria
 
 
- Ricardo Gondim
 

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