Os fortes e os fracos na fronteira

Os fortes e os fracos na fronteira

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:26

Gloria Anzaldúa nasceu na fronteira entre os Estados Unidos e o México, mas do lado americano. Filha de mexicanos, tornou-se uma reles chicana, com todos os ônus de ser uma mestiça em terra anglo-saxônica. Nunca pertenceu a lugar nenhum porque não é branca nem loira - o biotipo latino a denuncia em terra gringa. Por ter vivido nos Estados Unidos e se aculturado, também não se reconhece e não é bem aceita na pátria de seus antepassados. Fruto de sua angústia, Anzaldúa escreveu Borderlands - La Frontera - (Aunt Lute Books, 1999).

Anzaldúa compreendeu a função da fronteira, não só a geográfica, mas principalmente a cultural e social. ''A fronteira dos Estados Unidos e do México es una herida abierta onde o Terceiro Mundo rala contra o primeiro, e sangra'' (p.25). Para ela, antes que crie uma casca, a ferida do atrito desencadeia hemorragias, misturando os sangues; e gerando um novo país, que é a cultura de fronteira.

As fronteiras foram estabelecidas para definir o seguro e o inseguro; para distinguir o grupo mais poderoso do outro. Mas com toda a precaução, os que detém o poder não evitam a fronteira de se tornar difusa. A linha não corta seco, contudo cataliza amálgmas e produz resíduos, que resultam do atrito entre os dois mundos.

Na fronteira, os puros, geralmente ricos, olham de cima para baixo. Os outros são a ralé: ignorantes, atrasados, preguiçosos, esquisitos. As linhas divisórias parecem lhes servir para distinguir bárbaros entre romanos; mariposas entre borboletas.

Porém, o dono do poder intui que não conseguirá manter-se incólume. Os sujeitos que ele mais desdenha acabam definindo a sua agenda. O missionário, por exemplo, vê-se obrigado a mandar o filho estudar no país de origem para evitar que se apaixone por uma mulata, que não lhe dará netos de olhos azuis. Inconscientemente, trabalhava com uma cultura que lhe parecia inferior e que o obrigou a preservar-se. Tratava o povo como mal educado; seus hábitos, primitivos. Para proteger-se, foi obrigado a construir muros altos. Teve que isolar-se da gentalha que afirma ser alvo do seu amor. O vassalo apodera-se da agenda do senhor. E a longo prazo, mesmo sem o consentimento do colonialista, nascerá uma terceira cultura.

Na mestiçagem, no sincretismo, na transpolinização surgirá o poderosíssimo vira-lata. A autosuficiência do nobre o destrói; a vagabundagem do cidadão da fronteira o torna superior. O sangue azul, ensimesmado, emburrece.

O sem raça é, antes de tudo, um forte.

Ricardo Gondim é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia. Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mais tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

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