Quando palhaços discutem

Quando palhaços discutem

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:12

Já fui insistentemente provocado a envolver-me em polêmicas. Vez por outra, sou desafiado por gente que precisa pegar carona numa controvérsia para ganhar fama. Lamento afirmar, mas já caí na armadilha!

O pior é que o meio religioso está povoado de intolerantes que se enxergam separados para preservar a ortodoxia; e como se deliciam em ridicularizar os que não se conformam aos seus dogmas. A gente precisa ficar esperto para não embarcar em suas provocações.

Paulo aconselhou ao seu discípulo Timóteo que não entrasse em debates infrutíferos. Seguindo seu conselho, preciso aprender a desdenhar dos que me desafiam para o ringue teológico e escapar das teias montadas pelos que se enxergam escolhidos para protegerem o que julgam ser a Verdade.

Li um texto do moçambicano Mia Couto  (Estórias Abensonhadas – Caminho, Portugal, 2002) e ri muito. Parecia que ele conhecia o ambiente fundamentalista que se alastra no Brasil religioso; considerei tão pertinente que transcrevo:

" Uma vez dois palhaços se puseram a discutir. As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.

- É o que?, perguntavam.

- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.

Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam. Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice. E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se. Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.

Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada. Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os transeuntes deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato. As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos. A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos. E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando. E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.

-Pai, me dê as moedinhas para eu deitar no passeio.

No quarto dia, os golpes e murros se agravavam. Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar. Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?

-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais.

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção. Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos. Mais e mais gente se ia juntando.

- O que se passa?

Nada. Um ligeiro desajuste de contas. Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.

No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau. E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça. O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.

Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios. Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. O homem caiu, esparramorto.

Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram. Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando. Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.

Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma tonta zaragata se instalara em redor dos dois palhaços. E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. Ninguém sabia exatamente de onde provinham. Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.

Corpos de gente morta começaram a se acumular nas ruas. O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da cidade haviam morrido. Todos exceto os dois palhaços. Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.

Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas. De braço dado, recolheram as moedas nas bermas do passeio. Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres. E foram à busca de uma outra cidade ".

Gostei deste texto do Mia Couto.  E a moral da estória seria: Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer.  

Assim, reservo-me a só conversar, tecer os mistérios divinos e ser confrontado em ambientes onde existe afeto, compreensão e respeito. Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim   é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mas tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

Já fui insistentemente provocado a envolver-me em polêmicas. Vez por outra, sou desafiado por gente que precisa pegar carona numa controvérsia para ganhar fama. Lamento afirmar, mas já caí na armadilha!

O pior é que o meio religioso está povoado de intolerantes que se enxergam separados para preservar a ortodoxia; e como se deliciam em ridicularizar os que não se conformam aos seus dogmas. A gente precisa ficar esperto para não embarcar em suas provocações.

Paulo aconselhou ao seu discípulo Timóteo que não entrasse em debates infrutíferos. Seguindo seu conselho, preciso aprender a desdenhar dos que me desafiam para o ringue teológico e escapar das teias montadas pelos que se enxergam escolhidos para protegerem o que julgam ser a Verdade.

Li um texto do moçambicano Mia Couto  (Estórias Abensonhadas – Caminho, Portugal, 2002) e ri muito. Parecia que ele conhecia o ambiente fundamentalista que se alastra no Brasil religioso; considerei tão pertinente que transcrevo:

" Uma vez dois palhaços se puseram a discutir. As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.

- É o que?, perguntavam.

- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.

Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam. Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice. E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se. Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.

Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada. Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os transeuntes deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato. As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos. A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos. E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando. E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.

-Pai, me dê as moedinhas para eu deitar no passeio.

No quarto dia, os golpes e murros se agravavam. Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar. Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?

-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais.

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção. Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos. Mais e mais gente se ia juntando.

- O que se passa?

Nada. Um ligeiro desajuste de contas. Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.

No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau. E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça. O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.

Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios. Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. O homem caiu, esparramorto.

Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram. Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando. Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.

Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma tonta zaragata se instalara em redor dos dois palhaços. E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. Ninguém sabia exatamente de onde provinham. Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.

Corpos de gente morta começaram a se acumular nas ruas. O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da cidade haviam morrido. Todos exceto os dois palhaços. Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.

Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas. De braço dado, recolheram as moedas nas bermas do passeio. Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres. E foram à busca de uma outra cidade ".

Gostei deste texto do Mia Couto.  E a moral da estória seria: Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer.  

Assim, reservo-me a só conversar, tecer os mistérios divinos e ser confrontado em ambientes onde existe afeto, compreensão e respeito. Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim   é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mas tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

Já fui insistentemente provocado a envolver-me em polêmicas. Vez por outra, sou desafiado por gente que precisa pegar carona numa controvérsia para ganhar fama. Lamento afirmar, mas já caí na armadilha!

O pior é que o meio religioso está povoado de intolerantes que se enxergam separados para preservar a ortodoxia; e como se deliciam em ridicularizar os que não se conformam aos seus dogmas. A gente precisa ficar esperto para não embarcar em suas provocações.

Paulo aconselhou ao seu discípulo Timóteo que não entrasse em debates infrutíferos. Seguindo seu conselho, preciso aprender a desdenhar dos que me desafiam para o ringue teológico e escapar das teias montadas pelos que se enxergam escolhidos para protegerem o que julgam ser a Verdade.

Li um texto do moçambicano Mia Couto  (Estórias Abensonhadas – Caminho, Portugal, 2002) e ri muito. Parecia que ele conhecia o ambiente fundamentalista que se alastra no Brasil religioso; considerei tão pertinente que transcrevo:

" Uma vez dois palhaços se puseram a discutir. As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.

- É o que?, perguntavam.

- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.

Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam. Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice. E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se. Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.

Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada. Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os transeuntes deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato. As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos. A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos. E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando. E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.

-Pai, me dê as moedinhas para eu deitar no passeio.

No quarto dia, os golpes e murros se agravavam. Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar. Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?

-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais.

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção. Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos. Mais e mais gente se ia juntando.

- O que se passa?

Nada. Um ligeiro desajuste de contas. Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.

No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau. E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça. O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.

Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios. Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. O homem caiu, esparramorto.

Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram. Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando. Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.

Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma tonta zaragata se instalara em redor dos dois palhaços. E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. Ninguém sabia exatamente de onde provinham. Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.

Corpos de gente morta começaram a se acumular nas ruas. O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da cidade haviam morrido. Todos exceto os dois palhaços. Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.

Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas. De braço dado, recolheram as moedas nas bermas do passeio. Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres. E foram à busca de uma outra cidade ".

Gostei deste texto do Mia Couto.  E a moral da estória seria: Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer.  

Assim, reservo-me a só conversar, tecer os mistérios divinos e ser confrontado em ambientes onde existe afeto, compreensão e respeito. Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim   é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mas tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

Já fui insistentemente provocado a envolver-me em polêmicas. Vez por outra, sou desafiado por gente que precisa pegar carona numa controvérsia para ganhar fama. Lamento afirmar, mas já caí na armadilha!

O pior é que o meio religioso está povoado de intolerantes que se enxergam separados para preservar a ortodoxia; e como se deliciam em ridicularizar os que não se conformam aos seus dogmas. A gente precisa ficar esperto para não embarcar em suas provocações.

Paulo aconselhou ao seu discípulo Timóteo que não entrasse em debates infrutíferos. Seguindo seu conselho, preciso aprender a desdenhar dos que me desafiam para o ringue teológico e escapar das teias montadas pelos que se enxergam escolhidos para protegerem o que julgam ser a Verdade.

Li um texto do moçambicano Mia Couto  (Estórias Abensonhadas – Caminho, Portugal, 2002) e ri muito. Parecia que ele conhecia o ambiente fundamentalista que se alastra no Brasil religioso; considerei tão pertinente que transcrevo:

" Uma vez dois palhaços se puseram a discutir. As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.

- É o que?, perguntavam.

- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.

Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam. Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice. E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se. Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.

Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada. Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os transeuntes deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato. As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos. A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos. E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando. E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.

-Pai, me dê as moedinhas para eu deitar no passeio.

No quarto dia, os golpes e murros se agravavam. Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar. Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?

-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais.

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção. Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos. Mais e mais gente se ia juntando.

- O que se passa?

Nada. Um ligeiro desajuste de contas. Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.

No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau. E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça. O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.

Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios. Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. O homem caiu, esparramorto.

Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram. Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando. Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.

Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma tonta zaragata se instalara em redor dos dois palhaços. E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. Ninguém sabia exatamente de onde provinham. Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.

Corpos de gente morta começaram a se acumular nas ruas. O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da cidade haviam morrido. Todos exceto os dois palhaços. Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.

Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas. De braço dado, recolheram as moedas nas bermas do passeio. Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres. E foram à busca de uma outra cidade ".

Gostei deste texto do Mia Couto.  E a moral da estória seria: Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer.  

Assim, reservo-me a só conversar, tecer os mistérios divinos e ser confrontado em ambientes onde existe afeto, compreensão e respeito. Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim   é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mas tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

Já fui insistentemente provocado a envolver-me em polêmicas. Vez por outra, sou desafiado por gente que precisa pegar carona numa controvérsia para ganhar fama. Lamento afirmar, mas já caí na armadilha!

O pior é que o meio religioso está povoado de intolerantes que se enxergam separados para preservar a ortodoxia; e como se deliciam em ridicularizar os que não se conformam aos seus dogmas. A gente precisa ficar esperto para não embarcar em suas provocações.

Paulo aconselhou ao seu discípulo Timóteo que não entrasse em debates infrutíferos. Seguindo seu conselho, preciso aprender a desdenhar dos que me desafiam para o ringue teológico e escapar das teias montadas pelos que se enxergam escolhidos para protegerem o que julgam ser a Verdade.

Li um texto do moçambicano Mia Couto  (Estórias Abensonhadas – Caminho, Portugal, 2002) e ri muito. Parecia que ele conhecia o ambiente fundamentalista que se alastra no Brasil religioso; considerei tão pertinente que transcrevo:

" Uma vez dois palhaços se puseram a discutir. As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.

- É o que?, perguntavam.

- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.

Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam. Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice. E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se. Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.

Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada. Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os transeuntes deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato. As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos. A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos. E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando. E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.

-Pai, me dê as moedinhas para eu deitar no passeio.

No quarto dia, os golpes e murros se agravavam. Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar. Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?

-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais.

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção. Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos. Mais e mais gente se ia juntando.

- O que se passa?

Nada. Um ligeiro desajuste de contas. Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.

No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau. E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça. O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.

Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios. Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. O homem caiu, esparramorto.

Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram. Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando. Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.

Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma tonta zaragata se instalara em redor dos dois palhaços. E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. Ninguém sabia exatamente de onde provinham. Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.

Corpos de gente morta começaram a se acumular nas ruas. O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da cidade haviam morrido. Todos exceto os dois palhaços. Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.

Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas. De braço dado, recolheram as moedas nas bermas do passeio. Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres. E foram à busca de uma outra cidade ".

Gostei deste texto do Mia Couto.  E a moral da estória seria: Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer.  

Assim, reservo-me a só conversar, tecer os mistérios divinos e ser confrontado em ambientes onde existe afeto, compreensão e respeito. Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim   é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mas tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

Já fui insistentemente provocado a envolver-me em polêmicas. Vez por outra, sou desafiado por gente que precisa pegar carona numa controvérsia para ganhar fama. Lamento afirmar, mas já caí na armadilha!

O pior é que o meio religioso está povoado de intolerantes que se enxergam separados para preservar a ortodoxia; e como se deliciam em ridicularizar os que não se conformam aos seus dogmas. A gente precisa ficar esperto para não embarcar em suas provocações.

Paulo aconselhou ao seu discípulo Timóteo que não entrasse em debates infrutíferos. Seguindo seu conselho, preciso aprender a desdenhar dos que me desafiam para o ringue teológico e escapar das teias montadas pelos que se enxergam escolhidos para protegerem o que julgam ser a Verdade.

Li um texto do moçambicano Mia Couto  (Estórias Abensonhadas – Caminho, Portugal, 2002) e ri muito. Parecia que ele conhecia o ambiente fundamentalista que se alastra no Brasil religioso; considerei tão pertinente que transcrevo:

" Uma vez dois palhaços se puseram a discutir. As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.

- É o que?, perguntavam.

- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.

Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam. Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice. E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se. Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.

Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada. Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os transeuntes deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato. As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos. A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos. E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando. E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.

-Pai, me dê as moedinhas para eu deitar no passeio.

No quarto dia, os golpes e murros se agravavam. Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar. Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?

-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais.

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção. Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos. Mais e mais gente se ia juntando.

- O que se passa?

Nada. Um ligeiro desajuste de contas. Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.

No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau. E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça. O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.

Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios. Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. O homem caiu, esparramorto.

Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram. Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando. Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.

Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma tonta zaragata se instalara em redor dos dois palhaços. E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. Ninguém sabia exatamente de onde provinham. Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.

Corpos de gente morta começaram a se acumular nas ruas. O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da cidade haviam morrido. Todos exceto os dois palhaços. Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.

Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas. De braço dado, recolheram as moedas nas bermas do passeio. Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres. E foram à busca de uma outra cidade ".

Gostei deste texto do Mia Couto.  E a moral da estória seria: Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer.  

Assim, reservo-me a só conversar, tecer os mistérios divinos e ser confrontado em ambientes onde existe afeto, compreensão e respeito. Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim   é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mas tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

Já fui insistentemente provocado a envolver-me em polêmicas. Vez por outra, sou desafiado por gente que precisa pegar carona numa controvérsia para ganhar fama. Lamento afirmar, mas já caí na armadilha!

O pior é que o meio religioso está povoado de intolerantes que se enxergam separados para preservar a ortodoxia; e como se deliciam em ridicularizar os que não se conformam aos seus dogmas. A gente precisa ficar esperto para não embarcar em suas provocações.

Paulo aconselhou ao seu discípulo Timóteo que não entrasse em debates infrutíferos. Seguindo seu conselho, preciso aprender a desdenhar dos que me desafiam para o ringue teológico e escapar das teias montadas pelos que se enxergam escolhidos para protegerem o que julgam ser a Verdade.

Li um texto do moçambicano Mia Couto  (Estórias Abensonhadas – Caminho, Portugal, 2002) e ri muito. Parecia que ele conhecia o ambiente fundamentalista que se alastra no Brasil religioso; considerei tão pertinente que transcrevo:

" Uma vez dois palhaços se puseram a discutir. As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.

- É o que?, perguntavam.

- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.

Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam. Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice. E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se. Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.

Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada. Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os transeuntes deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato. As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos. A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos. E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando. E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.

-Pai, me dê as moedinhas para eu deitar no passeio.

No quarto dia, os golpes e murros se agravavam. Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar. Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?

-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais.

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção. Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos. Mais e mais gente se ia juntando.

- O que se passa?

Nada. Um ligeiro desajuste de contas. Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.

No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau. E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça. O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.

Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios. Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. O homem caiu, esparramorto.

Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram. Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando. Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.

Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma tonta zaragata se instalara em redor dos dois palhaços. E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. Ninguém sabia exatamente de onde provinham. Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.

Corpos de gente morta começaram a se acumular nas ruas. O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da cidade haviam morrido. Todos exceto os dois palhaços. Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.

Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas. De braço dado, recolheram as moedas nas bermas do passeio. Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres. E foram à busca de uma outra cidade ".

Gostei deste texto do Mia Couto.  E a moral da estória seria: Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer.  

Assim, reservo-me a só conversar, tecer os mistérios divinos e ser confrontado em ambientes onde existe afeto, compreensão e respeito. Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim   é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mas tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

Já fui insistentemente provocado a envolver-me em polêmicas. Vez por outra, sou desafiado por gente que precisa pegar carona numa controvérsia para ganhar fama. Lamento afirmar, mas já caí na armadilha!

O pior é que o meio religioso está povoado de intolerantes que se enxergam separados para preservar a ortodoxia; e como se deliciam em ridicularizar os que não se conformam aos seus dogmas. A gente precisa ficar esperto para não embarcar em suas provocações.

Paulo aconselhou ao seu discípulo Timóteo que não entrasse em debates infrutíferos. Seguindo seu conselho, preciso aprender a desdenhar dos que me desafiam para o ringue teológico e escapar das teias montadas pelos que se enxergam escolhidos para protegerem o que julgam ser a Verdade.

Li um texto do moçambicano Mia Couto  (Estórias Abensonhadas – Caminho, Portugal, 2002) e ri muito. Parecia que ele conhecia o ambiente fundamentalista que se alastra no Brasil religioso; considerei tão pertinente que transcrevo:

" Uma vez dois palhaços se puseram a discutir. As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.

- É o que?, perguntavam.

- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.

Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam. Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice. E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se. Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.

Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada. Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os transeuntes deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato. As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos. A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos. E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando. E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.

-Pai, me dê as moedinhas para eu deitar no passeio.

No quarto dia, os golpes e murros se agravavam. Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar. Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?

-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais.

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção. Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos. Mais e mais gente se ia juntando.

- O que se passa?

Nada. Um ligeiro desajuste de contas. Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.

No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau. E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça. O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.

Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios. Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. O homem caiu, esparramorto.

Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram. Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando. Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.

Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma tonta zaragata se instalara em redor dos dois palhaços. E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. Ninguém sabia exatamente de onde provinham. Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.

Corpos de gente morta começaram a se acumular nas ruas. O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da cidade haviam morrido. Todos exceto os dois palhaços. Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.

Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas. De braço dado, recolheram as moedas nas bermas do passeio. Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres. E foram à busca de uma outra cidade ".

Gostei deste texto do Mia Couto.  E a moral da estória seria: Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer.  

Assim, reservo-me a só conversar, tecer os mistérios divinos e ser confrontado em ambientes onde existe afeto, compreensão e respeito. Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim   é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mas tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

Já fui insistentemente provocado a envolver-me em polêmicas. Vez por outra, sou desafiado por gente que precisa pegar carona numa controvérsia para ganhar fama. Lamento afirmar, mas já caí na armadilha!

O pior é que o meio religioso está povoado de intolerantes que se enxergam separados para preservar a ortodoxia; e como se deliciam em ridicularizar os que não se conformam aos seus dogmas. A gente precisa ficar esperto para não embarcar em suas provocações.

Paulo aconselhou ao seu discípulo Timóteo que não entrasse em debates infrutíferos. Seguindo seu conselho, preciso aprender a desdenhar dos que me desafiam para o ringue teológico e escapar das teias montadas pelos que se enxergam escolhidos para protegerem o que julgam ser a Verdade.

Li um texto do moçambicano Mia Couto  (Estórias Abensonhadas – Caminho, Portugal, 2002) e ri muito. Parecia que ele conhecia o ambiente fundamentalista que se alastra no Brasil religioso; considerei tão pertinente que transcrevo:

" Uma vez dois palhaços se puseram a discutir. As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.

- É o que?, perguntavam.

- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.

Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam. Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice. E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se. Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.

Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada. Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os transeuntes deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato. As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos. A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos. E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando. E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.

-Pai, me dê as moedinhas para eu deitar no passeio.

No quarto dia, os golpes e murros se agravavam. Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar. Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?

-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais.

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção. Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos. Mais e mais gente se ia juntando.

- O que se passa?

Nada. Um ligeiro desajuste de contas. Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.

No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau. E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça. O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.

Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios. Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. O homem caiu, esparramorto.

Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram. Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando. Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.

Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma tonta zaragata se instalara em redor dos dois palhaços. E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. Ninguém sabia exatamente de onde provinham. Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.

Corpos de gente morta começaram a se acumular nas ruas. O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da cidade haviam morrido. Todos exceto os dois palhaços. Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.

Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas. De braço dado, recolheram as moedas nas bermas do passeio. Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres. E foram à busca de uma outra cidade ".

Gostei deste texto do Mia Couto.  E a moral da estória seria: Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer.  

Assim, reservo-me a só conversar, tecer os mistérios divinos e ser confrontado em ambientes onde existe afeto, compreensão e respeito. Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim   é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mas tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

Já fui insistentemente provocado a envolver-me em polêmicas. Vez por outra, sou desafiado por gente que precisa pegar carona numa controvérsia para ganhar fama. Lamento afirmar, mas já caí na armadilha!

O pior é que o meio religioso está povoado de intolerantes que se enxergam separados para preservar a ortodoxia; e como se deliciam em ridicularizar os que não se conformam aos seus dogmas. A gente precisa ficar esperto para não embarcar em suas provocações.

Paulo aconselhou ao seu discípulo Timóteo que não entrasse em debates infrutíferos. Seguindo seu conselho, preciso aprender a desdenhar dos que me desafiam para o ringue teológico e escapar das teias montadas pelos que se enxergam escolhidos para protegerem o que julgam ser a Verdade.

Li um texto do moçambicano Mia Couto  (Estórias Abensonhadas – Caminho, Portugal, 2002) e ri muito. Parecia que ele conhecia o ambiente fundamentalista que se alastra no Brasil religioso; considerei tão pertinente que transcrevo:

" Uma vez dois palhaços se puseram a discutir. As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.

- É o que?, perguntavam.

- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.

Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam. Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice. E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se. Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.

Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada. Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os transeuntes deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato. As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos. A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos. E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando. E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.

-Pai, me dê as moedinhas para eu deitar no passeio.

No quarto dia, os golpes e murros se agravavam. Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar. Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?

-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais.

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção. Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos. Mais e mais gente se ia juntando.

- O que se passa?

Nada. Um ligeiro desajuste de contas. Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.

No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau. E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça. O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.

Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios. Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. O homem caiu, esparramorto.

Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram. Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando. Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.

Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma tonta zaragata se instalara em redor dos dois palhaços. E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. Ninguém sabia exatamente de onde provinham. Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.

Corpos de gente morta começaram a se acumular nas ruas. O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da cidade haviam morrido. Todos exceto os dois palhaços. Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.

Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas. De braço dado, recolheram as moedas nas bermas do passeio. Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres. E foram à busca de uma outra cidade ".

Gostei deste texto do Mia Couto.  E a moral da estória seria: Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer.  

Assim, reservo-me a só conversar, tecer os mistérios divinos e ser confrontado em ambientes onde existe afeto, compreensão e respeito. Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim   é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mas tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

Já fui insistentemente provocado a envolver-me em polêmicas. Vez por outra, sou desafiado por gente que precisa pegar carona numa controvérsia para ganhar fama. Lamento afirmar, mas já caí na armadilha!

O pior é que o meio religioso está povoado de intolerantes que se enxergam separados para preservar a ortodoxia; e como se deliciam em ridicularizar os que não se conformam aos seus dogmas. A gente precisa ficar esperto para não embarcar em suas provocações.

Paulo aconselhou ao seu discípulo Timóteo que não entrasse em debates infrutíferos. Seguindo seu conselho, preciso aprender a desdenhar dos que me desafiam para o ringue teológico e escapar das teias montadas pelos que se enxergam escolhidos para protegerem o que julgam ser a Verdade.

Li um texto do moçambicano Mia Couto  (Estórias Abensonhadas – Caminho, Portugal, 2002) e ri muito. Parecia que ele conhecia o ambiente fundamentalista que se alastra no Brasil religioso; considerei tão pertinente que transcrevo:

" Uma vez dois palhaços se puseram a discutir. As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.

- É o que?, perguntavam.

- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.

Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam. Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice. E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se. Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.

Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada. Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os transeuntes deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato. As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos. A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos. E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando. E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.

-Pai, me dê as moedinhas para eu deitar no passeio.

No quarto dia, os golpes e murros se agravavam. Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar. Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?

-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais.

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção. Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos. Mais e mais gente se ia juntando.

- O que se passa?

Nada. Um ligeiro desajuste de contas. Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.

No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau. E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça. O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.

Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios. Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. O homem caiu, esparramorto.

Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram. Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando. Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.

Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma tonta zaragata se instalara em redor dos dois palhaços. E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. Ninguém sabia exatamente de onde provinham. Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.

Corpos de gente morta começaram a se acumular nas ruas. O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da cidade haviam morrido. Todos exceto os dois palhaços. Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.

Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas. De braço dado, recolheram as moedas nas bermas do passeio. Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres. E foram à busca de uma outra cidade ".

Gostei deste texto do Mia Couto.  E a moral da estória seria: Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer.  

Assim, reservo-me a só conversar, tecer os mistérios divinos e ser confrontado em ambientes onde existe afeto, compreensão e respeito. Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim   é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mas tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

Já fui insistentemente provocado a envolver-me em polêmicas. Vez por outra, sou desafiado por gente que precisa pegar carona numa controvérsia para ganhar fama. Lamento afirmar, mas já caí na armadilha!

O pior é que o meio religioso está povoado de intolerantes que se enxergam separados para preservar a ortodoxia; e como se deliciam em ridicularizar os que não se conformam aos seus dogmas. A gente precisa ficar esperto para não embarcar em suas provocações.

Paulo aconselhou ao seu discípulo Timóteo que não entrasse em debates infrutíferos. Seguindo seu conselho, preciso aprender a desdenhar dos que me desafiam para o ringue teológico e escapar das teias montadas pelos que se enxergam escolhidos para protegerem o que julgam ser a Verdade.

Li um texto do moçambicano Mia Couto  (Estórias Abensonhadas – Caminho, Portugal, 2002) e ri muito. Parecia que ele conhecia o ambiente fundamentalista que se alastra no Brasil religioso; considerei tão pertinente que transcrevo:

" Uma vez dois palhaços se puseram a discutir. As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.

- É o que?, perguntavam.

- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.

Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam. Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice. E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se. Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.

Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada. Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os transeuntes deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato. As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos. A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos. E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando. E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.

-Pai, me dê as moedinhas para eu deitar no passeio.

No quarto dia, os golpes e murros se agravavam. Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar. Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?

-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais.

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção. Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos. Mais e mais gente se ia juntando.

- O que se passa?

Nada. Um ligeiro desajuste de contas. Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.

No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau. E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça. O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.

Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios. Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. O homem caiu, esparramorto.

Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram. Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando. Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.

Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma tonta zaragata se instalara em redor dos dois palhaços. E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. Ninguém sabia exatamente de onde provinham. Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.

Corpos de gente morta começaram a se acumular nas ruas. O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da cidade haviam morrido. Todos exceto os dois palhaços. Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.

Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas. De braço dado, recolheram as moedas nas bermas do passeio. Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres. E foram à busca de uma outra cidade ".

Gostei deste texto do Mia Couto.  E a moral da estória seria: Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer.  

Assim, reservo-me a só conversar, tecer os mistérios divinos e ser confrontado em ambientes onde existe afeto, compreensão e respeito. Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim   é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mas tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

Já fui insistentemente provocado a envolver-me em polêmicas. Vez por outra, sou desafiado por gente que precisa pegar carona numa controvérsia para ganhar fama. Lamento afirmar, mas já caí na armadilha!

O pior é que o meio religioso está povoado de intolerantes que se enxergam separados para preservar a ortodoxia; e como se deliciam em ridicularizar os que não se conformam aos seus dogmas. A gente precisa ficar esperto para não embarcar em suas provocações.

Paulo aconselhou ao seu discípulo Timóteo que não entrasse em debates infrutíferos. Seguindo seu conselho, preciso aprender a desdenhar dos que me desafiam para o ringue teológico e escapar das teias montadas pelos que se enxergam escolhidos para protegerem o que julgam ser a Verdade.

Li um texto do moçambicano Mia Couto  (Estórias Abensonhadas – Caminho, Portugal, 2002) e ri muito. Parecia que ele conhecia o ambiente fundamentalista que se alastra no Brasil religioso; considerei tão pertinente que transcrevo:

" Uma vez dois palhaços se puseram a discutir. As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.

- É o que?, perguntavam.

- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.

Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam. Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice. E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se. Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.

Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada. Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os transeuntes deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato. As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos. A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos. E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando. E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.

-Pai, me dê as moedinhas para eu deitar no passeio.

No quarto dia, os golpes e murros se agravavam. Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar. Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?

-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais.

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção. Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos. Mais e mais gente se ia juntando.

- O que se passa?

Nada. Um ligeiro desajuste de contas. Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.

No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau. E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça. O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.

Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios. Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. O homem caiu, esparramorto.

Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram. Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando. Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.

Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma tonta zaragata se instalara em redor dos dois palhaços. E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. Ninguém sabia exatamente de onde provinham. Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.

Corpos de gente morta começaram a se acumular nas ruas. O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da cidade haviam morrido. Todos exceto os dois palhaços. Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.

Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas. De braço dado, recolheram as moedas nas bermas do passeio. Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres. E foram à busca de uma outra cidade ".

Gostei deste texto do Mia Couto.  E a moral da estória seria: Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer.  

Assim, reservo-me a só conversar, tecer os mistérios divinos e ser confrontado em ambientes onde existe afeto, compreensão e respeito. Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim   é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mas tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

Já fui insistentemente provocado a envolver-me em polêmicas. Vez por outra, sou desafiado por gente que precisa pegar carona numa controvérsia para ganhar fama. Lamento afirmar, mas já caí na armadilha!

O pior é que o meio religioso está povoado de intolerantes que se enxergam separados para preservar a ortodoxia; e como se deliciam em ridicularizar os que não se conformam aos seus dogmas. A gente precisa ficar esperto para não embarcar em suas provocações.

Paulo aconselhou ao seu discípulo Timóteo que não entrasse em debates infrutíferos. Seguindo seu conselho, preciso aprender a desdenhar dos que me desafiam para o ringue teológico e escapar das teias montadas pelos que se enxergam escolhidos para protegerem o que julgam ser a Verdade.

Li um texto do moçambicano Mia Couto  (Estórias Abensonhadas – Caminho, Portugal, 2002) e ri muito. Parecia que ele conhecia o ambiente fundamentalista que se alastra no Brasil religioso; considerei tão pertinente que transcrevo:

" Uma vez dois palhaços se puseram a discutir. As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.

- É o que?, perguntavam.

- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.

Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam. Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice. E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se. Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.

Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada. Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os transeuntes deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato. As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos. A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos. E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando. E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.

-Pai, me dê as moedinhas para eu deitar no passeio.

No quarto dia, os golpes e murros se agravavam. Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar. Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?

-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais.

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção. Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos. Mais e mais gente se ia juntando.

- O que se passa?

Nada. Um ligeiro desajuste de contas. Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.

No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau. E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça. O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.

Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios. Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. O homem caiu, esparramorto.

Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram. Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando. Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.

Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma tonta zaragata se instalara em redor dos dois palhaços. E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. Ninguém sabia exatamente de onde provinham. Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.

Corpos de gente morta começaram a se acumular nas ruas. O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da cidade haviam morrido. Todos exceto os dois palhaços. Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.

Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas. De braço dado, recolheram as moedas nas bermas do passeio. Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres. E foram à busca de uma outra cidade ".

Gostei deste texto do Mia Couto.  E a moral da estória seria: Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer.  

Assim, reservo-me a só conversar, tecer os mistérios divinos e ser confrontado em ambientes onde existe afeto, compreensão e respeito. Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim   é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mas tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

Já fui insistentemente provocado a envolver-me em polêmicas. Vez por outra, sou desafiado por gente que precisa pegar carona numa controvérsia para ganhar fama. Lamento afirmar, mas já caí na armadilha!

O pior é que o meio religioso está povoado de intolerantes que se enxergam separados para preservar a ortodoxia; e como se deliciam em ridicularizar os que não se conformam aos seus dogmas. A gente precisa ficar esperto para não embarcar em suas provocações.

Paulo aconselhou ao seu discípulo Timóteo que não entrasse em debates infrutíferos. Seguindo seu conselho, preciso aprender a desdenhar dos que me desafiam para o ringue teológico e escapar das teias montadas pelos que se enxergam escolhidos para protegerem o que julgam ser a Verdade.

Li um texto do moçambicano Mia Couto  (Estórias Abensonhadas – Caminho, Portugal, 2002) e ri muito. Parecia que ele conhecia o ambiente fundamentalista que se alastra no Brasil religioso; considerei tão pertinente que transcrevo:

" Uma vez dois palhaços se puseram a discutir. As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.

- É o que?, perguntavam.

- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.

Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam. Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice. E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se. Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.

Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada. Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os transeuntes deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato. As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos. A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos. E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando. E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.

-Pai, me dê as moedinhas para eu deitar no passeio.

No quarto dia, os golpes e murros se agravavam. Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar. Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?

-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais.

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção. Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos. Mais e mais gente se ia juntando.

- O que se passa?

Nada. Um ligeiro desajuste de contas. Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.

No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau. E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça. O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.

Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios. Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. O homem caiu, esparramorto.

Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram. Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando. Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.

Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma tonta zaragata se instalara em redor dos dois palhaços. E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. Ninguém sabia exatamente de onde provinham. Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.

Corpos de gente morta começaram a se acumular nas ruas. O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da cidade haviam morrido. Todos exceto os dois palhaços. Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.

Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas. De braço dado, recolheram as moedas nas bermas do passeio. Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres. E foram à busca de uma outra cidade ".

Gostei deste texto do Mia Couto.  E a moral da estória seria: Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer.  

Assim, reservo-me a só conversar, tecer os mistérios divinos e ser confrontado em ambientes onde existe afeto, compreensão e respeito. Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim   é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mas tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

Já fui insistentemente provocado a envolver-me em polêmicas. Vez por outra, sou desafiado por gente que precisa pegar carona numa controvérsia para ganhar fama. Lamento afirmar, mas já caí na armadilha!

O pior é que o meio religioso está povoado de intolerantes que se enxergam separados para preservar a ortodoxia; e como se deliciam em ridicularizar os que não se conformam aos seus dogmas. A gente precisa ficar esperto para não embarcar em suas provocações.

Paulo aconselhou ao seu discípulo Timóteo que não entrasse em debates infrutíferos. Seguindo seu conselho, preciso aprender a desdenhar dos que me desafiam para o ringue teológico e escapar das teias montadas pelos que se enxergam escolhidos para protegerem o que julgam ser a Verdade.

Li um texto do moçambicano Mia Couto  (Estórias Abensonhadas – Caminho, Portugal, 2002) e ri muito. Parecia que ele conhecia o ambiente fundamentalista que se alastra no Brasil religioso; considerei tão pertinente que transcrevo:

" Uma vez dois palhaços se puseram a discutir. As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.

- É o que?, perguntavam.

- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.

Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam. Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice. E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se. Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.

Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada. Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os transeuntes deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato. As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos. A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos. E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando. E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.

-Pai, me dê as moedinhas para eu deitar no passeio.

No quarto dia, os golpes e murros se agravavam. Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar. Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?

-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais.

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção. Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos. Mais e mais gente se ia juntando.

- O que se passa?

Nada. Um ligeiro desajuste de contas. Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.

No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau. E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça. O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.

Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios. Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. O homem caiu, esparramorto.

Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram. Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando. Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.

Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma tonta zaragata se instalara em redor dos dois palhaços. E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. Ninguém sabia exatamente de onde provinham. Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.

Corpos de gente morta começaram a se acumular nas ruas. O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da cidade haviam morrido. Todos exceto os dois palhaços. Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.

Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas. De braço dado, recolheram as moedas nas bermas do passeio. Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres. E foram à busca de uma outra cidade ".

Gostei deste texto do Mia Couto.  E a moral da estória seria: Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer.  

Assim, reservo-me a só conversar, tecer os mistérios divinos e ser confrontado em ambientes onde existe afeto, compreensão e respeito. Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim   é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e presidente da Convenção Nacional da denominação. Presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. Gondim é casado com Silvia Geruza Rodrigues, pai de três filhos - Carolina, 29; Cynthia, 27; e Pedro, 19 - e avô de Gabriela, Felipe e Felipe Naran. Nascido em 1954, em Fortaleza, Ceará, é formado em Administração de Empresas. Viveu nos Estados Unidos onde obteve formação teológica no Gênesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Ministra palestras e conferências. É colunista das revistas evangélicas ''Ultimato'' e ''Enfoque Gospel''. Como escritor, Gondim é autor de livros como ''O Evangelho da Nova Era'', ''Santos em Guerra'', ''Saduceus e Fariseus'', ''Creia na Possibilidade da Vitória'', ''É Proibido'' - obra indicada ao prêmio Jabuti, de literatura brasileira -, ''Artesão de uma Nova História'', ''Como vencer a Inconstância'', ''A presença imperceptível de Deus'', ''Do Púlpito 5'', ''O que os evangélicos (não) falam'', ''Creio, mas tenho dúvidas'', e ''Sem perder a Alma'', o mais recente.

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