A terrível e fascinante consciência do tempo

A terrível e fascinante consciência do tempo

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:05
tempoA vida é breve. Somos um conto ligeiro. Duramos o tempo do sono em noite cansada. Desgastamo-nos feito pano velho. Frágeis, passamos como a flor que floresce pela manhã e murcha à tarde.  Nascemos com sede de eternidade, temos, porém, que nos contentar com a existência efêmera, espremida entre duas datas; do nascimento não nos lembramos e da morte não teremos consciência.
 
Gastamos os nossos primeiros dez anos de vida sem saber ao certo quem somos e de onde viemos; a segunda década sem noção aonde vamos parar com nossa sexualidade, nossa vocação e nossos afetos; entre os vinte e os trinta, mal nos detemos, ávidos por sucesso, riqueza e poder; aos quarenta, encaramos a mais terrível crise – a da meia idade – por notar que os sonhos e ideiais não passavam de devaneios onipotentes; com cinquenta, administramos as consequências das tempestividades e o luto de perder nossos ascendentes; com sessenta, ouvimos o assobio triste da morte à distância; com setenta, ficamos introspectivos, a pensar  como tudo passou tão depressa; com oitenta, nos preparamos para a realidade inevitável de que não haverá exceção, nós seguiremos o caminho de todos os mortais. E tudo se passou num piscar de olhos.
 
Miguel Torga sedimentava para si a límpida realidade da vida, ao grafar em seus diários a expressão do francês Amiel: cada dia, deixamos um pedaço de nós próprios pelo caminho.
 
A morte é cúmplice do tempo, irmã da tragédia e senhora de tudo. Ela se orna de capuz, traz uma foice na mão e, sem piedade, afasta amantes, desola pais, fere amigos. Ela acompanha o tiquetaquear inclemente do relógio sem mexer um músculo de seu rosto magro. Os verbos prediletos da morte são: acabar, fenecer, terminar, finalizar, sumir, anular.
 
Em Epitáfio, os Titãs chamam à reflexão. Devia ter amado mais/ Ter chorado mais/ ?Ter visto o sol nascer/? Devia ter arriscado mais/ ?E até errado mais/? Ter feito o que eu queria fazer… Queria ter aceitado/ ?As pessoas como elas são/ ?Cada um sabe a alegria/? E a dor que traz no coração…/ O acaso vai me proteger/? Enquanto eu andar distraído/? O acaso vai me proteger/? Enquanto eu andar…/ Devia ter complicado menos/? Trabalhado menos/? Ter visto o sol se pôr?/ Devia ter me importado menos/ ?Com problemas pequenos/? Ter morrido de amor…/ Queria ter aceitado/ ?A vida como ela é,? A cada um cabe alegrias/ ?E a tristeza que vier… 
 
A morte, essa implacável senhora está por aí, na espreita. Valorizemos, então, as coisas simples, arriscando mais, sem medo de errar, e aceitando as pessoas sem o rigor de nossas neuroses.  E se a existência é fugaz como sonho ou neblina, o tempo de começar a viver de verdade é agora. 
 
Soli Deo Gloria
 
 
- Ricardo Gondim
 

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