Estragos Que o Mito do Bom Selvagem Fez na Mentalidade Cristã

Um outro ‘acerto’ desse sujeito que invadiu as igrejas é achar que ninguém deve ser julgado, então se omite diante de erros grosseiros.

Fonte: Guiame, Sergio Renato de MelloAtualizado: quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024 às 18:05
(Foto: Unsplash/Laura Wielo)
(Foto: Unsplash/Laura Wielo)

Para quem ainda não conhece, vou apresentar um sujeito que é único em todo o mundo. Nunca alguém se atreve a imitá-lo porque sabe que jamais vai conseguir. Na verdade, ele tenta imitar Jesus Cristo porque o tem como modelo de alguém que serve como exemplo de amor acima de tudo. Na verdade mesmo, ele ama Jesus sem adorar Jesus.

Ele é tão bom que não gera nenhuma suspeita em quem já o conhece. Na verdade, ele já nasceu bom, mas foi estragado pela sociedade, pelas pessoas, pela igreja, pelo pastor, pela família, pela cachaça, pelas drogas, pela esposa, pelo marido. Acha que todos nascem bons e depois vai se acabando em nada. O pecado é exclusividade de Adão e Eva, por isso quando pede, por exemplo, para que Deus o livre de seu vício em pornografia, pede para ser castrado espiritualmente ou, caindo no mesmo erro depois de um tempo, pede para que seu celular seja arrancado de suas mãos. Ele nunca recebe o que pede porque pede mal. Ele é tão inocente que acaba esquecendo de sua própria pecaminosidade. Ora, ninguém pode ser castrado (perder o desejo sexual) porque ninguém é santo, puro. É questão de mudar de vontade e de vergonha na cara mesmo, desviar-se da aparência do mal.

Um outro acerto desse sujeito que invadiu as igrejas é achar que ninguém deve ser julgado e, então, omite-se diante de tantos erros grosseiros cometidos pelas pessoas. Em vez de, com amor, cutucá-las dos próprios erros, deixa que o tempo ou Deus acabe fazendo o papel de julgador. Se um homossexual lhe pergunta sobre a verdade cristã, ele, em vez de revelá-la, afirma que Deus tudo suporta por ser amor.

Todos dizem que ele é nativo do século XVII, das ideias e do pensamento do francês Jean Jacques Rousseau, um dos precursores do pensamento socialista que procura responsabilizar agentes externos à própria consciência individual. É o inverso do cogito cartesiano de “Penso, logo existo”, assim: “Penso, mas não sou culpado”.

Ele tem o coração tão grande que nem o coração do Bom Samaritano pode ousar se comparar ao dele. Quando está diante de uma situação em que tem que optar entre julgar alguém ou deixar passar o erro ele deixa passar o erro. O amor para ele é este: entre o amor e a justiça ele prefere amor e misericórdia. Para ele, até os erros mais grosseiros passam batido. Ele tudo perdoa, desde o furtinho de um celular mixuruca, itens de segunda ou terceira necessidade numa grande rede de supermercados a assalto a bancos, desde que o sujeito seja forçado (alguém ou algo o convenceu, e não foi muito difícil) a entrar nestes tipos de roubadas.

O coração do bom selvagem conquista adeptos, como esse sujeito que furta ou rouba. Quando o sujeito que furta ou rouba é preso em flagrante alega que cometeu o delito para comprar drogas. Drogas, más companhias, lugar errado, hora errado. Quando interrogado e não exerce seu direito ao silêncio, não assume que atirou, que esfaqueou, que matou, que feriu, que furtou, que roubou, mas ainda se acha digno de retornar ao convívio social.

Ele é aquele que tudo perdoa, ama a todos, é sincero com todo mundo. Em vez de usar a fé para deixar vícios, ser dizimista e ofertante, batizar-se nas águas ou perdoar alguém, ele prefere “esperar em Deus o momento certo”. Enquanto isso, ele continua na bebida, na mentira, no vício, na prostituição, na balada, no boteco, na fofoca, na maledicência, na intriga, no conflito, na rixa, porque, segundo ele, “Deus entende”. Mas tem um porém: apesar de tudo isso ele ama como ninguém e é amado por todos, que o compreendem e esperam que um dia ele se converterá de seus maus caminhos, tudo a depender do que acontecer, não do que ele mesmo decidir.

Ele é simplesmente perfeito, não é mesmo?

Ele é Jesus? Não, não é Jesus. Quem leu até agora e apostou em Jesus perdeu a aposta.

Ele é aquele sujeito que é invisível de uma tal forma, que ninguém mais o reconhece como aquele que iria dar certo, porque pedia perdão e perdoava, pecava e deixava o erro, amava mas era justo, era misericordioso, mas, acima de tudo, praticava a justiça. Antes ele cria na salvação, tinha consciência de nossa passagem por este mundo, sabia do significado do corpo e do sangue de Cristo, o que para ele, hoje, não passa de um mero ato material de comer um pedacinho de pão e beber de um pouquinho de suco de uva. Ele é aquele do “Deus sabe, Deus entende”. Ele deixa para o futuro o que pode ser feito agora, esquecendo que o ladrão vem sem avisar.

Sergio Renato de Mello é defensor público de Santa Catarina, colunista do Jornal da Cidade Online e Instituto Burke Conservador, autor de obras jurídicas, cristão membro da Igreja Universal do Reino de Deus.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

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