Em agosto de 2010, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 12.318, que dispõe sobre a alienação parental, permitindo aos juízes interceder em casos de exageros praticados por um dos pais que ataca a imagem e a autoridade do outro. A síndrome da alienação parental faculta a imposição de penalidades ao cônjuge alienador (desde multa até a inversão da guarda). Descrita por Richard A. Gardner em 1985, a síndrome ocorre tipicamente no contexto de separação do casal, quando um dos pais começa uma campanha sistemática para desmoralizar o outro. Geralmente, aquele que detém a guarda da criança cria uma interpretação tão negativa do outro que o filho abandona sua habitual e esperada atitude (gerada pela separação) de divisão subjetiva, conflito e angústia, iniciando uma espécie de alinhamento automático (alienação). Passa a reproduzir discursos, crenças, práticas e sentimentos do alienador. Sem culpa ou ambivalência e com justificativas fracas ou absurdas para explicar a depreciação chega-se a situações nas quais o filho pode recusar visitar ou ver o pai ou a mãe, generalizando o ódio para outros parentes, o que pode ser lido como ato de desamor e tomada de partido por parte da criança, causando no genitor acusado decepção, indiferença e abandono, que acabam por produzir ou confirmar o estado de coisas que inicialmente era uma ficção (mesmo que inspirada em fatos reais). Frases como seu pai não se importa com você , ela não te (nos) ama , ele só quer saber da outra , ela nunca cuidou direito de você tornaram-se, na expressão da lei, enunciados que nenhuma criança jamais deveria escutar de seus pais.
É comum que os filhos fiquem expostos ao processo de interpretação das razões, causas ou motivos da separação. São alvo de fogo cruzado, levando e trazendo recados, desaforos e ressentimentos de um para o outro.
Sabemos de que é feita uma relação quando ela se desfaz. E ela nem sempre se desfaz quando formalmente decretamos seu fim. Há finais que não terminam e há términos que não acabam. Por isso é raro que uma criança enfrente dificuldades realmente novas durante uma separação. Em geral, desvelam-se e ampliam-se as disposições e conflitos há muito tempo presentes. Isso é cruel no caso em que a criança é reduzida a instrumento de vingança, alienada ao desejo de um dos pais. Nesta circunstância ela é privada de uma das possibilidades mais importantes e criativas, fornecida involuntariamente pelo contexto: experimentar, reconhecer e confrontar sua própria capacidade de desejar separações.
O termo alienação possui dupla conotação: 1) estranhamento e impossibilidade de reconhecermo-nos em algo que nós mesmos produzimos, que nos aparece como algo separado de nós; 2) exteriorização, separação ou perda de nossa própria consciência. No século 18 os loucos eram chamados de alienados, pois supunha-se que não podiam se reconhecer nos próprios atos, que não tinham responsabilidade sobre eles e haviam perdido a própria consciência, estavam fora de si. Portanto, separar-se e alienar-se são literalmente sinônimos, mas ao mesmo tempo opostos. É isso que está em jogo na síndrome da alienação parental: privar a criança do mais simples, primário e esquecido direito à contradição. Imaginamos sempre que a coerência é um valor indiscutível na educação. Pais que praticam a alienação parental estão sendo racionalmente coerentes com seu desejo de vingança e demasiadamente coerentes com sua interpretação extremada e rasa de quem está com a razão e quem é o melhor cuidador para a criança. É loucura ou alienação, mas não destituída de método. Ainda bem que nossa Justiça reconheceu, contra a supremacia da coerência, o direito da criança de experimentar sua própria contradição ao reconhecer-se na contradição do desejo do outro.
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