Do amor ao ódio, a paixão pode se transformar em rancor

Do amor ao ódio, a paixão pode se transformar em rancor

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:40

A moeda é a mesma: intensa, valiosa, disputada, perigosa. De um lado dela, o amor desmedido, apegado, arrebatado e cheio de expectativas. Do outro, o ódio, a decepção, a incompreensão. Às vezes, basta muito pouco para as faces girarem e, o que antes era felicidade e realização, se transforma em rancor, num sentimento amargo e mal resolvido, que prende ao passado. Entre traições, mentiras e ilusões alimentadas, nenhum final pode ser tão infeliz para um amor do que vertê-lo em ódio.

A prática e a manutenção da raiva é uma tarefa dura, estressante e ingrata. Mas, convenhamos, em certos momentos é quase impossível não sei deixar tomar por ela. Que o diga a professora Silvana Anamajás, 38 anos. Há dez anos, então casada há três, ela flagrou o marido e uma ex-colega sua de faculdade, juntos, na sua própria cama. "Eu não acreditava no que eu via. Eu tinha completa confiança nele, jamais me imaginaria numa situação tão humilhante quanto aquela e, mais ainda, que ele fosse me proporcionar isso. Julgava-o uma pessoa maravilhosa. A partir daí, fui descobrindo milhares de mentiras dele, milhares de vezes que ele me traiu, com meus amigos sabendo e tudo aquilo me expondo ao ridículo. Mas o pior foi ver aquilo na minha própria cama, na minha casa. Me descontrolei por completo naquele momento, chorei, gritei, coloquei os dois para fora como uma louca. Ficou uma ferida imensa aberta no meu coração", conta ela.

Os dois pouco se viram desde então. A separação foi providenciada por intermédio dos advogados e Silvana jamais atendeu a qualquer telefonema ou chamado do ex-marido. "Não tem o que justificar. Não quero ouvir a voz dele, não quero vê-lo saber que existe", afirma a professora, mesmo dez anos depois do ocorrido. "Não tem muito tempo, nos encontramos num evento, uma palestra. A simples presença dele me fez mal, me voltou à tona uma série de coisas que eu acreditava estar sublimando. Mas foi muita decepção, muita mentira. Sei que ainda carrego no coração ódio por ele. E isso é muito ruim, é um sentimento negativo, relacionado a uma pessoa negativa. Quero conseguir apagar isso da minha vida definitivamente", desabafa.

Foi traição também o que fez a roteirista Laís Amadeu, 29, ser tomada de ódio pelo ex-namorado, por quem nutria uma paixão avassaladora. "Nós namorávamos há quatro anos, não era um desconhecido. Quer dizer, era, porque eu achava que ele era uma coisa, mas na verdade, mostrou-se outra", comenta. Laís descobriu, por acaso, segundo ela, pelos e-mails do rapaz, que ele vinha tendo um caso com uma ex-namorada. Munida de provas, ela foi tomar satisfações. "Ele admitiu os encontros, mas ficou indignado por eu ter invadido a privacidade dele. Saiu esbravejando. Discutimos muito feio e nos separamos", conta. Mas o pior, ficou para depois. "Ele tinha feito uma dívida no meu cartão de crédito de três ternos que ele havia comprado. Fui atrás dele para que pagasse, mas ele não se dignou sequer a me atender. Sabia o que era, claro. Ainda mandou um recado dizendo que aquele era o preço que eu devia pagar por não conhecer meus limites, por invadir a privacidade dele. Fico me peguntando como uma pessoa que um dia me fez tão feliz, ser um pilantra tão descarado na realidade", lamenta-se ela, que pagou as dívidas sozinha, para não ficar com o nome sujo na praça.

"Hoje, não olho mais na cara dele. Tenho que encontrá-lo toda semana na empresa, e isso me atormenta muito. Me sinto um lixo quando estou na presença dele"

O amor incompreendido ou não correspondido também pode virar uma ferida, que vai se abrindo até tornar-se difícil de cicatrizar. É o que aconteceu com a advogada Paula Ferreira, 26. Apaixonada por um colega de trabalho, com quem engatou um breve romance sem nenhum desdobramento, ela sentiu-se iludida e desprezada. "Ele não teve nenhuma consideração pelo que eu sentia, não foi nem um pouco responsável pelo que cativou em mim. Passamos juntos uma semana, em que ele me deixou nas nuvens, apaixonada. Mas de um dia pro outro esfriou e não teve nem o respeito de me chamar para uma conversa. Hoje, não olho mais na cara dele. Tenho que encontrá-lo toda semana na empresa, e isso me atormenta muito. Me sinto um lixo quando estou na presença dele", confessa Paula.

O ódio é a expressão negativa do amor, segundo a psicóloga e terapeuta de casais Margareth Labate. "São, de certa maneira, muito parecidos, faces da mesma moeda, porque se nutrem da existência do outro", comenta. Sobre o caso específico de Paula Ferreira, Margareth acrescenta que só existe a raiva porque há um amor sem canalização. "Ela precisa estar atenta ao excesso de expectativas que ela deposita nas relações. O rapaz pode não ter agido corretamente com ela, mas não é disso que ela tem raiva. Ele também tem as suas razões para não ter dado cata ao relacionamento, não queria, não estava mais afim. O problema aí é a rejeição, a indiferença, que ele parece ter por ela. E essa sim, é pior do que o ódio. Se ele a detestasse, a questão fosse talvez, teoricamente, mais simples", acrescenta.

Despir o amor de sacrifícios é a melhor forma de mantê-lo longe de cobranças negativas e, conseqüentemente, de expectativas exageradas e prováveis decepções. "É preciso resgatar o essencial desse sentimento que é a incondicionalidade. É dar o amor sem quantificá-lo para transformá-lo em dívida, imaginando o que virá em troca de tal esforço. É claro que decepções, mentiras e traições são coisas amargas e justificam perfeitamente o surgimento de sentimentos negativos. Mas, nutri-los, não leva a absolutamente nada. É honesto vivê-los, consumá-los, mas sempre com o objetivo de afastá-los para manter a mente e o coração limpos e livres", diz Margareth. Só assim é possível amar nova e verdadeiramente.

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