Vamos falar sobre violência familiar

Vamos falar sobre violência familiar

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 3:25

Pr Gilson Bifano

Um dos assuntos colocados à margem da agenda de discussão, nos arraiais evangélicos, é a questão da violência familiar.

A sociedade de modo geral tem se preocupado com a questão. Como igreja evangélica não podemos ficar alienados. O primeiro passo para um envolvimento positivo da igreja nesta questão é tomar conhecimento de alguns dados estatísticos que temos em mãos.

Só para se ter uma idéia da gravidade da questão, é bom lembrar que todos os dias, mais de 18 mil crianças são espancadas no país, segundo os dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Ainda segundo a UNICEF as mais afetadas são meninas entre sete e 14 anos. No Brasil, onde existe uma população de quase 67 milhões de crianças de até 14 anos, são registrados 500 mil casos/ano de violência doméstica de diferentes tipos. Em 70% destes casos os agressores são os pais biológicos.

Em Curitiba, a cada seis horas, as autoridades municipais tomam conhecimento de pelo menos uma criança vítima de violência, abuso sexual ou de maus tratos praticados pela própria família, em uma situação que é classificada de emergência. Os dados são baseados nas estatísticas do SOS Criança, serviço mantido pela prefeitura de Curitiba para garantir socorro a vítimas de agressão familiar. Somente no período de 15 de setembro a 15 de outubro, os agentes do serviço registraram 220 atendimentos (sendo que cerca de 120 somente para atender casos de violência ou maus-tratos). No Rio de Janeiro, numa pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro sobre 'violência doméstica', o tipo mais comum de violência é a sexual (31,6%), seguida de maus tratos físicos (27,7%), negligência (24%) e abuso psicológico (15,8%). Na maioria das vezes, o algoz é o pai ou padrasto.

Até aqui temos um lado da questão da violência doméstica, isto é, a violência contra as crianças. O outro lado triste é a questão da violência contra a mulher.

Segundo o ISER (Instituto de Estudos Religiosos), as agressões contra mulheres, cometidas pelos seus parceiros, no Rio de Janeiro, quase dobraram nos últimos nove anos (1992-2001): passaram de 17.596 para 34.831. A maioria dos casos é de queixas de lesões corporais dolosas, com 59,3% dos registros feitos às delegacias especializadas em atendimento às mulheres. Um outro dado, desta vez fornecido pelo SOS Mulher, da Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, de março de 1999, ano da criação, até janeiro de 2001, foram atendidas 1.495 mulheres. Na sua maioria, mulheres entre 19 e 29 anos, agredidas pelos próprios parceiros. O que causa tristeza maior é saber que somente 15% dos homens que agridem mulheres hoje são punidos no Brasil.

Estes dados devem levar a uma reflexão por parte dos líderes evangélicos e da própria igreja evangélica brasileira.

Um outro caminho é estar consciente que o problema também acontece em famílias de nossas igrejas. Ignorar ou achar que o problema não existe em algumas famílias de nossas igrejas é adotar uma postura covarde e alienante. Em nosso trabalho com casais, em diversas partes do Brasil, através das dinâmicas de grupo que realizamos, podemos verificar sinais claros de que o problema também existe em nossos arraiais.

O que podemos fazer como pastores e líderes? Quais seriam os possíveis caminhos que uma igreja disposta a ministrar às famílias pode tomar?

O primeiro caminho é, sem dúvida, de caráter educativo. Esta educação pode ser realizada através de palestras, projeção de filmes que abordam a questão e depois abrir um debate com os participantes. O tema também pode estar presente nos congressos e seminários sobre família que as igrejas e a denominação realizam. Os pastores podem pregar mais sobre o assunto. Precisamos frisar a idéia de que Deus não criou os seres humanos para serem maltratados uns pelos outros. Existem textos bíblicos que abordam a questão e podem ser explorados. Tenho certeza absoluta que quando o tema for mais explorado, os casos começarão a aparecer e serão mais visíveis aos nossos olhos.

Devemos educar as meninas e meninos quanto as maneiras de se defenderem e buscarem ajuda quando necessária. Algo que me preocupa, também, é questão de certas ênfases que se tem dado à orientação dos pais quanto à disciplina de seus filhos. Por vezes, em algumas literaturas, até mesmo cristãs, encontramos verdadeiros manuais de 'surrar' os filhos. Sem entrar na exegese dos versículos de Provérbios, que tratam da disciplina infantil, percebo que se tem valorizado mais a 'pedagogia da vara' do que a pedagogia do amor, diálogo, do companheirismo na educação dos filhos. Temo que se tem adotado, sem se perceber, mais uma corrente behaviorista do que uma posição bíblica quando se trata do assunto.

Podemos também prover mecanismos de apoio às vítimas da violência doméstica. Precisamos dizer para essas pessoas que elas não estão sozinhas. Um ponto importante é resgatar a auto-estima e autoconfiança da vítima. Para isto é preciso criar na igreja uma atmosfera de confiança e segurança.

As igrejas que desejam ministrar às famílias em sua totalidade podem desenvolver programas de apoio às vitimas, inclusive financeiro, nos casos emergenciais. Casas de famílias podem ser cadastradas e treinadas para receberem, temporariamente, as mulheres que são vítimas da violência de seus parceiros.

Há de se pensar também na questão do aconselhamento pastoral às vítimas. As denominações podem estudar maneiras de prover uma capacitação contínua dos seus líderes neste sentido.

Não podemos esquecer que é preciso um confronto com o abusador. Precisamos deixar bem claro que a violência doméstica é errada e precisa ser tratada de maneira bíblica e psicológica. Às vezes, a igreja terá que apoiar financeiramente o tratamento de toda uma família. Concluindo, o tema está colocado para uma reflexão. O assunto é difícil, mas é preciso encará-lo de frente e, acima de tudo, com uma proposta bíblica onde o amor, compreensão, apoio, ajuda e confrontação sobressaem de forma clara e relevante.

Se como igrejas evangélicas queremos ser relevantes às famílias deste novo milênio temos que encarar esta realidade. Muitas vezes cultivamos uma visão romântica de família, como se esse e outros problemas não acontecem. A realidade familiar, às vezes, é cruel e dolorida. São para esses e outros tipos de problemas familiares que devemos ser mensageiros da graça de Cristo.

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