Charmaine é uma aborígene de origem cristã e conta que está empolgada em traduzir a Bíblia para seu povo depois que a língua Noongar correu até o risco de ser extinta.
Quando pequena, ela aprendeu com um tio missionário que a Bíblia não deveria ser traduzida e que o ideal era aprender o inglês para ler as Escrituras: “Meu tio disse que eu não deveria tocar na Bíblia e que era seu livro especial”.
Outros missionários e professores também a encorajaram a estudar inglês. Ela conta que as pessoas mais velhas entre o povo foram influenciadas a não mais falar o Noongar.
‘Você não precisa desistir do seu idioma’
O tio de Charmaine, pastor Len Wallam, cresceu sendo proibido de falar sua língua nativa e, por conta disso, teve alguns traumas, perdendo até sua autoestima.
“Meu tio foi castigado muitas vezes por muitos outros cristãos, que diziam: 'Quando você se torna um cristão, precisa desistir de tudo'. E isso me inspirou a fazer justamente o contrário”, ela disse durante uma conferência de tradução da Bíblia em Darwin, na Austrália.
“Você não precisa desistir da sua terra, não precisa desistir do seu idioma [para ser cristão]. Minha família deixou um legado que devemos seguir”, continuou.
O evento organizado pela Sociedade Bíblica da Austrália contou com a presença de vários grupos linguísticos de todo o território Norte do país. Um dos responsáveis, Phil Townsend, disse que apenas 46.000 dos 812.000 aborígines australianos falam sua língua tradicional.
Charmaine em evento organizado pela Sociedade Bíblica da Austrália. (Foto: Reprodução/Eternity News)
‘Vou traduzir a Bíblia’
Um outro tio de Charmaine, Leonard, que tinha outro pensamento, começou a viajar para traduzir a Bíblia: “Nos primeiros anos, vi meu tio Leonard começando a fazer umas viagens estranhas a Perth. 'Vou traduzir a Bíblia', ele dizia”.
“Mas naquela época eu não estava pronta, eu não era capaz nem de falar direito a nossa língua. Eu também não tinha capacidade espiritual, nem maturidade para trabalhar com ele”, explicou.
“Mas, sempre que ele voltava para a igreja, nos contava o que havia pesquisado ou descoberto. Às vezes ele me pedia para encontrar alguma palavra e isso era uma coisa legal de se fazer na época”, lembrou.
‘Restaurar nosso idioma, é restaurar a nossa alma’
Apesar do apoio e da inspiração do tio, Charmaine disse que ficava assustada com a ideia de traduzir a Bíblia para a língua Noongar, já que outros cristãos consideravam que era algo ruim “mexer na palavra de Deus”. Eles não entendiam a necessidade de uma tradução.
Charmaine, no entanto, defende essa ideia: “Deus nos deu essa língua e isso nos conecta à nossa identidade. Sem ela não teríamos a nossa linguagem. Então, para mim, restaurar nosso idioma, é também restaurar a nossa alma. Na verdade, isso é um tipo de cura”.
E assim, Charmaine começou sua jornada rumo à tradução da Bíblia: “Por 20 anos eu fui para Perth para trabalhar nessa língua que estava morrendo”, disse ao compartilhar que precisou pesquisar fontes do século 19, de pessoas que escreveram no idioma Noongar.
Sobre o pastor Len Wallam
Apesar de ter sido contra a tradução da Bíblia, há muitos anos, o tio de Charmaine começou a traduzir o livro de Gênesis.
Ela conta que ele era um homem ressentido. “Ele sentia raiva por causa da perda de sua terra, que foi tirada dele. E ele também estava com raiva [na época] por ter perdido o direito de falar em sua própria língua”, ela explicou.
“Ele chegou a ser espancado quando falava sua língua e era colocado num lugar escuro”, disse ao compartilhar que quando o tio participou da primeira reunião sobre tradução, ele traduziu o versículo 1 do livro de Gênesis.
“Depois disso, ele começou a pregar sobre aquele versículo em sua própria língua no púlpito. E suas mãos, que normalmente ficavam sempre fechadas, ficaram abertas, com as palmas voltadas para o povo”, disse ao descrever a leveza e a liberdade que o tio passou a sentir.
Projeto Noongar
O projeto Noongar, fundado pelos tios de Charmaine e outros anciãos, ficou suspenso por vários anos, até que ela decidiu retomá-lo, tornando- se professora.
Depois que os tios tradutores morreram, ela se viu na responsabilidade de continuar esse ministério. “Fizemos um centro de idiomas em Bunbury e eu fui responsável por ensinar aos clãs locais da minha área”, ela disse.
“Quando o centro de idiomas fechou e mudou-se para Perth, eu perdi meu emprego. Então começamos a criar um pequeno centro de idiomas em nossa comunidade em Bunbury, e os mesmos anciãos vinham às aulas todas as semanas”, conta.
“No início, não era um programa cristão, eles só queriam aprender nosso idioma, mas o projeto foi crescendo e crescendo. E então, de repente, tivemos uma pequena comemoração quando a Sociedade Bíblica lançou o livro de Lucas e de alguma forma tudo começou a acontecer”, lembra.
‘Estou pronta para seguir em frente’
Depois que a Sociedade Bíblica da Austrália indicou Charmaine para o trabalho, ela passou a dar aulas de tradução da Bíblia em vários idiomas.
“Isso é ótimo, porque quem fala Noongar há 30 anos, agora está aprendendo o idioma com mais capacidade. Temos que estar mais equipados e mais treinados. E agora estou realmente pronta para seguir em frente com o trabalho que o tio Len começou”, ela disse.
“Sinto-me honrada por ser a próxima geração a passar por isso. Espero que alguém nos siga, concluiu.
Charmaine já traduziu um livro em Noongar, sobre a história do Natal para crianças, que foi lançado no ano passado: “Jesus Koorlangweda (Jesus nasceu)”. E, atualmente, ela está trabalhando na tradução de Gênesis.
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