“Há uma lavagem cerebral anticristianismo na Coreia do Norte”, diz sobrevivente

Em entrevista ao Guiame, o cristão Timothy Cho contou como conheceu o Evangelho e sobreviveu à perseguição na Coreia do Norte.

Fonte: Guiame, Cássia de OliveiraAtualizado: quarta-feira, 17 de maio de 2023 às 15:54
Timothy Cho contou como conheceu o Evangelho. (Foto: Reprodução/Guiame).
Timothy Cho contou como conheceu o Evangelho. (Foto: Reprodução/Guiame).

Nascido na Coreia do Norte, Timothy Cho cresceu ouvindo que missionários eram monstros cruéis. Vivendo no país mais fechado do mundo, ele nunca tinha ouvido falar sobre Jesus.

Ainda criança, Cho foi abandonado após sua família fugir da nação comunista, durante a Marcha Árdua, a pior fome da Coreia do Norte, na década de 1990. 

Ao ser deixado para trás, o menino passou a ser considerado “filho de traidores”. Por isso, não recebeu nenhuma ajuda e perdeu o acesso à escola. Timothy cresceu nas ruas, sobrevivendo em meio à miséria.

Em 2004, aos 17 anos, ele decidiu fugir para a China. Foi sua primeira experiência longe da ditadura norte-coreana.

“Foi uma mistura de sentimentos quando vi a China pela primeira vez. Uma coisa que foi bem diferente para mim foi ver diferentes luzes, porque na Coreia do Norte o quadro geral é de escuridão. E todo mundo com roupas diferentes e cortes de cabelo diferentes, foi um pouco chocante. Eu até tinha a sensação que iria colapsar, porque eram coisas que eu nunca tinha visto na Coreia do Norte”, relatou Cho, em entrevista exclusiva ao Guiame.

Assista a entrevista completa:

Ouvindo sobre Jesus em um porão na China

Na China, Cho encontrou um missionário norte-coreano que ajudava desertores da Coreia do Norte e os abrigava em um local chamado de “Casa Segura". Mesmo sem saber disso, Timothy aceitou o convite do missionário para se refugiar no local.

“Na casa, eu vi um colar com uma cruz, uma Bíblia e crianças norte-coreanas. Para mim, um cordão com uma cruz pendurada era muito assustador. Eu acreditava que se tocasse por um instante naquela cruz, meu dedo apodreceria”, lembrou. 

Segundo o desertor, o governo norte-coreano promove uma propaganda anticristã por meio de filmes e histórias nas escolas

Cho deu o exemplo de um cartilha escolar que conta a história de um menino que pegou uma maçã caída dentro da fazenda de um missionário. Por recolher a fruta, o missionário o castigou, o amarrando em uma árvore e jogando ácido em sua testa até que ele morresse.

“Por causa da lavagem cerebral anticristianismo na Coreia do Norte, ao ver o colar com a cruz, eu pensei que o missionário era um traficante de pessoas e que as crianças que estavam lá tivessem sido sequestradas por ele. Pensei que ele iria me vender como escravo para o tráfico humano”, explicou.

Quando o missionário ofereceu comida a Timothy, ele recusou, acreditando que poderia estar envenenada.

“Pensei que ele poderia ter colocado sonífero e quando acordasse, estaria em qualquer outro lugar”, disse Timothy.

No porão da Casa Segura, o missionário compartilhou sobre o Jesus da Bíblia com ele. Mas, com medo, o jovem acabou fugindo do local. Cho continuou sua fuga em direção à Mongólia, porém ele acabou sendo pego e preso pelas autoridades chinesas.

Preso e torturado


Timothy Cho na celebração dos 45 anos da Portas Abertas no Brasil. (Foto: Portas Abertas).

Timothy foi enviado para a Coreia do Norte, junto com outros desertores. Lá, ele ficou preso em um campo de detenção, em uma cela com 50 prisioneiros.

“Não tínhamos espaço suficiente. Nós tínhamos que nos apoiar nas costas uns dos outros. O banheiro era ali mesmo, você não tinha nenhuma privacidade. Ninguém queria fazer contato visual um com o outro, o clima era de depressão, de medo. Nós recebíamos duas colheradas de macarrão por dia”, revelou ele.

Cho afirmou que a primeira pergunta que as autoridades norte-coreanas fizeram aos novos presos foi se eles haviam tido contato com algum missionário. No país comunista, aqueles que têm contato com cristãos são considerados espiões estrangeiros.

“Aqueles que confessavam sob pressão, eram torturados. Eu não falei nada. Sabia que teria que delatar aquele homem e algo no meu profundo me dizia que eu não poderia fazer isso. Mesmo assim, fui preso e torturado”, disse.

Logo depois, o desertor foi libertado da prisão. Após três dias, Timothy atravessou a fronteira e fugiu para a China pela segunda vez.

“Eu estava traumatizado e, nesta segunda vez, eu queria encontrar um missionário, mas Deus não me mandou um missionário”, confessou ele, rindo. 

Novamente, o jovem acabou sendo descoberto e detido em uma prisão chinesa para ser deportado para a Coreia do Norte. “Os norte-coreanos enviam agentes secretos para a China para que os desertores não sejam bem-sucedidos em sua fuga”, observou Cho.

De acordo com ele, 35 mil norte-coreanos conseguiram sair com êxito da Coreia do Norte, enquanto mais de 1 milhão de pessoas tentaram e não conseguiram, em um período de 30 anos. “Muitos deles acabaram em campos prisionais e foram executados”, afirmou Cho. 

“Eu sabia que seria executado”

Na prisão chinesa, Cho ficou muito abalado pelos riscos que corria ao voltar para seu país como um desertor que tentou fugir diversas vezes. 

“Muitos norte-coreanos já se preparam para se matarem se forem presos, porque sabem que se eles forem levados para a Coreia do Norte será pior. Eu mesmo tinha várias pílulas tranquilizantes. Eu sabia que seria executado”, comentou Timothy.   

Em um dos seus momentos mais difíceis, Cho teve contato com o Evangelho novamente. “Eu chorava dia e noite. Então, um dos colegas de cela se aproximou. Ele era um gangster perigosíssimo na Coreia do Sul e seria deportado. Ele era enorme, forte e todo tatuado. Ele se aproximou de mim e me deu um exemplar da Bíblia que tinha escondido. E disse: ‘Leia isso’”, lembrou Timothy.

“Eu pensei: ‘Esse é o cara mais louco que já conheci. Eu estou sendo enviado de volta para a Coreia do Norte, eu ia ser executado lá e esse cara me fala para ler a Bíblia?’. Eu nunca tinha lido a Bíblia antes”. 

Orando ao Deus desconhecido

Durante o tempo na prisão, o jovem leu as Escrituras por três vezes e também aprendeu a orar com seu colega de cela.

“Eu disse para aquele homem que só iria crer naquele Deus, se Ele me livrasse da prisão. Então ele falou: ‘Ore ao Senhor’. E eu: ‘Como faço isso?’ Ele respondeu: ‘Fale o que você quer e no final diga amém’”, contou Cho.

Então, o jovem norte-coreano clamou a Deus por socorro. “Eu orava assim: ‘Deus, eu não quero morrer, amém. Deus, eu não posso voltar à Coreia do Norte, amém. Deus, eu quero sair dessa prisão, amém. Na minha cabeça, Deus enviaria um helicóptero pra me tirar dali. Mas Ele fez melhor”, destacou.

Timothy estava detido em uma ala dentro de uma escola e uma aluna, de 13 anos, viu os presos e denunciou a situação à imprensa ocidental, através de uma carta.

“Ela disse aos jornalistas: ‘Se eles forem deportados, irão morrer em seu país. Nós não podemos fazer nada, mas vocês podem’. Essa carta chegou a grandes veículos ocidentais como BBC e CNN. Em poucos dias, havia manifestações em frente a várias embaixadas chinesas no mundo todo”, disse Cho.

Com a repercussão do caso, o governo chinês fez o que nunca tinha feito: libertou um desertor norte-coreano.

“O meu colega gangster chorou e orou comigo. Sabia que Deus ouviria minhas preces e Ele ouviu”, testemunhou Timothy.

Ele foi enviado às Filipinas e lá pode escolher o país que gostaria de viver. Aos 18 anos, Cho desembarcou no Reino Unido, como um sobrevivente da ditadura norte-coreana.

Acolhido pela igreja 


Timothy em uma igreja local na Inglaterra. (Foto: Twitter/Timothy Cho).

No novo país, uma igreja local e a Missão Portas Abertas o auxiliaram a recomeçar sua vida. A igreja o acolheu, lhe deu um trabalho e o ajudou a terminar seus estudos.

“A Portas Abertas esteve e está comigo o tempo todo. Me apoiando em tudo”, ressaltou o cristão, que recentemente esteve na celebração de 45 anos da Portas Abertas no Brasil, em São Paulo.

E acrescentou: “A igreja no Reino Unido e ao redor do mundo foi crucial na reconstrução da minha vida. Digo ao redor do mundo, porque sei o quanto de cristãos têm orado por mim e por meus irmãos na Coreia do Norte. Eu nunca estive desamparado pela família em Cristo e sempre me senti acolhido por eles”.

Vivendo em uma nação democrática e livre, Cho aceitou Jesus como seu Salvador e cresceu em sua fé.

Hoje, com 33 anos, Timothy é formado em duas graduações e trabalha com um deputado inglês, lutando contra as violações dos direitos humanos. Ele ainda atua na causa dos cristãos perseguidos da Coreia do Norte. 

“Muitos milagres aconteceram para que eu estivesse aqui hoje”, testemunhou o cristão perseguido.


Timothy Cho discursando na ONU. (Foto: Twitter/Timothy Cho).

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