Quando deixou o campo de refugiados de Kakuma, no Quênia, em 11 de setembro de 2016, onde viveu por 20 anos, Jean Pierre Gatera deixou também o lugar onde trabalhou por uma década servindo como líder de uma rede de dezenas de igrejas no maior campo de refugiados do mundo.
Jean Pierre nasceu em Ruanda em 1975. Em 1994, quando tinha 19 anos de idade e estudava em outra província, seu país explodiu em violência quando soldados e civis hutus massacraram centenas de milhares de homens, mulheres e crianças tutsis e reacenderam a violência.
Os pais de Jean Pierre fugiram do genocídio, incapazes de mandar uma mensagem para ele. Ele vagou tanto geograficamente como espiritualmente, sem posses ou documentação, viajando principalmente sozinho em uma região assolada por conflitos.
Jean Pierre esteve em fuga por diversos campos de refugiados, até chegar ao Quênia. Foi privado de água, e alimentava-se apenas com sal e açúcar que havia obtido do acampamento da Tanzânia, além de plantas comestíveis encontradas ao longo do caminho. Em Nairobi, ele soube sobre Kakuma, onde chegou em 1998.
Kakuma
O acampamento de Kakuma fica próximo à fronteira do Sudão do Sul – um país que sozinho produziu 2,4 milhões de refugiados. Lá não tem muros e os habitantes podem entrar e sair livremente até o toque de recolher, mas o banditismo generalizado no deserto fora do campo transformou a região no Velho Oeste do Quênia. É um local de fortes ventos, perigosamente empoeirado e sempre quente.
Quando Jean Pierre chegou a Kakuma, ele não tinha documentação, o que dificultou a qualificação para as rações da ONU (Organização das Nações Unidas). Ele foi levado por um líder da igreja que, em uma reunião de avivamento em uma noite, compartilhou seu testemunho. O líder contou que foi deixado como morto em uma vala comum e foi resgatado pelos transeuntes.
“Ele compartilhou sua história, depois percebi que meus problemas não eram grandes”, diz Jean Pierre, que respondeu a um apelo depois disso. Ele marca aquela noite como uma grande mudança em sua perspectiva de vida: de negativa a positiva, de desesperada a esperançosa. Ele diz que foi então que Deus se tornou real para ele, que se converteu.
Vida nova
Jean Pierre começou o ensino médio no acampamento aos 25 anos e se envolveu fortemente em sua igreja, que lhe forneceu comida e abrigo até receber documentos oficiais de refugiado. Ele conheceu sua futura esposa, Appoline, que também fugiu de Ruanda. Ela também passou a frequentar a escola e cantava no coral da igreja. Eles se casaram em 2001, o ano em que Jean Pierre obteve seus documentos. O casal passou a viver junto em Kakuma pelos 15 anos seguintes.
Não é incomum passar longos períodos de tempo em um campo de refugiados. A maioria dos conflitos africanos produtores de refugiados já dura 20 anos ou mais, e as estimativas do tempo médio de permanência em um acampamento variam de 9 a 25 anos ou mais. Especialistas do Banco Mundial dizem que até o final de 2015, metade dos refugiados do mundo estavam no exílio há quatro anos ou mais.
As igrejas se formam naturalmente nos campos quando os refugiados vivem lá por tanto tempo. Kakuma tinha pelo menos 67 anos quando Jean Pierre estava iniciando sua vida familiar e ministerial lá. Mas as parcerias entre as igrejas do acampamento são incomuns. As igrejas africanas são frequentemente bastante competitivas.
Em 2002, recém-casado e com quase 30 anos, Jean Pierre acompanhou seu pastor a uma reunião matinal em que vários pastores queriam resolver um conflito em andamento.
Ministério e Liderança
Olhando em volta da sala em busca de um mediador, os líderes da reunião escolheram Jean Pierre – ele não estava envolvido no United Refugee Churches (URC) e era o único ali sem alianças prévias. Jean Pierre dissolveu a disputa e passou a melhorar outros processos. Ele reformulou os métodos de comunicação da URC e resolveu um argumento denominacional sobre o batismo.
A associação promoveu Jean Pierre a presidente das igrejas, que passou a ser o líder delas. Ele pegou um celular para uso no trabalho e construiu relacionamentos com grupos externos, incluindo o Conselho Nacional de Igrejas do Quênia.
Vida nova nos EUA
Nascido em Ruanda, Jean Pierre tem 43 anos. Casado com Appoline, hoje vivem em Minneapolis (EUA) com os filhos - Joel, 15, Emmanuela, 12, e Deborah, 8. Faz parte de sua rotina familiar levar a esposa para o trabalho em uma fábrica embalagens, depois deixar os filhos na escola, fazer os serviços domésticos e preparar o jantar. À tarde ele vai para um prédio de escritórios onde limpa os pisos.
Jean Pierre também estuda. Ele faz mestrado em liderança da Universidade de Betel em troca de serviços prestados. Sua rotina é exaustiva e lhe permite dormir apenas quatro horas por noite. Mas isso não o impede de continuar realizando o que mais ama: ser pastor.
Aos sábados Jean Pierre dirige-se até a Jonathan House, um ministério que auxilia imigrantes que procuram asilo podem permanecer por até seis meses enquanto encontram seu modo de vida. É ali que Jean Pierre exerce sua liderança e ministério pastoral.
Gabriel Wilson é um imigrante da Libéria que está sendo orientado por Jean Pierre. Ele o está ajudando a conseguir uma carteira de motorista, encontrar um emprego melhor e economizar algum dinheiro. “A definição de metas é crucial”, diz Jean Pierre ao refugiado, “para que, quando os bons samaritanos ofereçam ajuda, eles possam simplesmente empurrá-lo ao longo da trilha”. Ele aprendeu a ser prático e não perder tempo.
Jean Pierre começou a reconstruir a vida em Minneapolis com sua família, aprendendo a dirigir e trabalhar em seu trabalho noturno. Era a segunda vez que começa a vida do zero.
Missão pastoral
Ordenado no Quênia pela Igreja Pentecostal Holiness Internacional, Jean Pierre não lidera uma igreja, mas ainda usa o título de “pastor” em toda a correspondência.
Apesar disso, todo mundo o chama de pastor, até mesmo seu próprio pastor, porque Jean Pierre passa o tempo livre fazendo exatamente o que ele fez em Kakuma: exortando líderes de refugiados e igrejas de refugiados que eles são ricos demais para viver presos em alguma narrativa de imigrantes indefesos.
Ele acredita que, em qualquer ambiente, Deus já forneceu tudo o que é necessário para sobreviver. “Você precisa apenas identificar esses recursos”, diz ele. “Quando você compartilha o que tem, atrairá outras fontes. Se você não usar seu presente para brilhar, ninguém virá para ele”.
Brian Doten, pastor da Northwood Church, a igreja dos Gateras em Minneapolis, viaja duas vezes para Kakuma. Ele assistiu Jean Pierre pregar pela primeira vez no acampamento em uma conferência de pastores em 2013.
Jean Pierre não tem papel de liderança oficial em Northwood, mas prega ocasionalmente. Ele se concentra principalmente em seus estudos e nos oito pastores de refugiados que orienta.
Jean Pierre espera um dia voltar a Kakuma para uma visita. “Eu ainda tenho DNA Kakuma comigo”, diz ele. “Kakuma é a minha casa.”
Entre outros lugares que gostaria de visitar també está a escola do ministério que ajudou a fundar, a Escola Interdenominacional de Missão Kakuma (KISOM), onde já foram preparados mais de 1.000 homens e mulheres para o ministério desde 1999, usando professores das comunidades de Kakuma.
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