A história da igreja evangélica no Brasil teve grande influência da missionária sueca Frida Maria Strandberg Vingren, que passou décadas esquecida e tem tido sua memória resgatada por historiadores nos últimos anos.
Frida Vingren se tornou tema de livro, tese de doutorado e voltou a alimentar o debate sobre o papel da mulher na Assembleia de Deus, a maior denominação pentecostal do país, com 12 milhões de fiéis.
Casada com o missionário sueco que fundou a Assembleia de Deus em Belém do Pará, Frida se tornou uma das mais importantes lideranças da igreja nos 15 anos em que esteve no Brasil. Ela ajudou a construir o ministério no Rio de Janeiro, comandou um jornal e foi a primeira mulher a pregar em praça pública.
Início do ministério
Frida chegou Belém em 1917, aos 26 anos, enviada pela Igreja Filadélfia, uma denominação pentecostal em Estocolmo, capital da Suécia. Três meses depois, ela se casou com Gunnar Vingren, que sete anos antes havia fundado a Assembleia de Deus no Brasil.
No início, Frida cuidava dos filhos e restringia seu trabalho aos serviços sociais da igreja, zelando pelos órfãos, visitando os idosos e os doentes - uma responsabilidade tradicionalmente entregues às mulheres.
“A jovem ia com frequência aos centros afastados que isolavam pacientes com hanseníase do restante da população – os chamados leprosários, que surgiram no Brasil naquela época”, disse à BBC News a jornalista sueca Kajsa Norell, autora de Halleljua Brasilien!, lançado em 2011, que conta a história do surgimento da Assembleia de Deus no Brasil.
O marido, missionário por vocação, estava constantemente viajando, mas quase sempre voltasse para casa doente. “Ele ficava muito tempo de cama”, diz o sociólogo Gedeon Freire de Alencar, autor de Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus, 1911-2011 e um dos primeiros a redescobrir a história de Frida, no início dos anos 2000.
Com o tempo, Frida passou a assumir cada vez mais as atribuições de Gunnar em Belém. Ela começou a traduzir os hinos da igreja sueca para o português, cantava, tocava e pregava.
Gunnar chegou ao Brasil sete anos antes de Frida, em 1910; o casal teve seis filhos. (Foto: Acervo CPAD-CEMP)
“Ela transforma os boletins entediantes dos missionários (publicados nos jornais da igreja sueca) em histórias incríveis. Um dos textos conta sobre a prisão que ela visitava toda semana em Belém, que mantinha 200 garotos entre cinco e 20 anos de idade, alguns que estavam ali simplesmente por não terem pai”, conta Norell.
Frida passou então a bater de frente com o pastor Samuel Nyström, que estava à frente do jornal Boa Semente, da Assembleia de Deus. Por ser radicalmente contra a pregação de mulheres, ele passou a reclamar da missionária em correspondências com a liderança da igreja na Suécia.
Em 1924, com quatro filhos, o casal Frida e Gunnar decidiram se mudar para o Rio de Janeiro para fundar um novo ministério. "Eles decidem sair de Belém porque a tensão já era insustentável", diz Valéria Vilhena, pesquisadora da Universidade Metodista, que baseou o doutorado na vida da missionária e que lança neste ano um livro sobre sua história.
Atuação no Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, Frida se tornou a primeira mulher a dirigir uma escola bíblica dominical, fundada em uma prisão. Ela ainda fundou o jornal Som Alegre, onde citava com frequência trechos da Bíblia que, em sua visão, deixavam claro que as mulheres poderiam pregar, ensinar ou doutrinar.
Seu comportamento passou a desagradar também pastores brasileiros, provocando a convocação da primeira grande convenção da Assembleia de Deus, realizada no dia 12 de julho de 1930, em Natal (RN).
“O motivo da convocação foi Frida”, destaca Isael Araújo, pastor da Assembleia de Deus em Niterói e autor da biografia Frida Vingren, lançada em 2014. No encontro, os pastores definiram as atividades que poderiam ser desempenhadas pelas mulheres na igreja — pregar não estava nesta lista.
"Foi um enquadramento", acrescenta Araújo, que foi chefe do Centro de Estudos do Movimento Pentecostal (CEMP) da Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD). Em todo o processo, Gunnar ficou ao lado da esposa e defendeu o ministério feminino, mas foi voto vencido.
Nos meses seguintes, Frida usou seu espaço no jornal para desafiar as decisões tomadas na convenção e para pedir que as mulheres não recuassem. A situação ficou insuportável no Brasil e, em de 1932, o casal, que na época tinha seis filhos, decidiu retornar à Suécia.
Frida na escola dominical em que lecionava, em uma prisão no Rio de Janeiro. (Foto: Acervo CPAD-CEMP)
Antes de partir, contudo, eles perdem a filha mais nova e Gunnar morreu pouco tempo depois de chegar à Europa.
Rumo ao esquecimento
Frida queria retomar a vida de missionária, mas a liderança da igreja no Brasil não aprovava seu retorno e nem mesmo o pastor Lewi Pethrus, um dos maiores líderes da igreja pentecostal na Suécia.
A missionária levantou recursos por conta própria e decidiu ir para Portugal, mas foi detida na estação de trem de Estocolmo e saiu com uma camisa de força em direção ao hospital psiquiátrico no dia 12 de janeiro de 1935. A igreja lhe tirou a guarda dos filhos e doou todos os seus pertences.
Em nenhum dos prontuários médicos, contudo, há o diagnóstico de que ela sofria de algum distúrbio mental. “Ela estava esgotada, física e mentalmente, já tinha tido malária no Brasil e, provavelmente, sofria de alguma doença na tireoide”, observa Kajsa Norell.
Depois de cinco anos entre idas e vindas do hospital psiquiátrico, Frida morreu aos 49 anos, no dia 30 de setembro de 1940, na Suécia, nos braços da filha. Abatida, ela pesava 23 quilos.
Para o pastor Araújo, o conflito direto com as maiores lideranças da igreja está entre as razões para o 'esquecimento' de Frida. Na Suécia, a Igreja Filadélfia foi confrontada com a trajetória de Frida quando o livro de Kajsa Norell foi lançado.
“Aquilo era uma novidade completa para nós”, diz Gunnar Swahn, que foi secretário de
missões da Igreja Filadélfia. “Foi horrível o que fizeram com ela. Muita gente ficou chocada com a forma como ela foi tratada pelas antigas lideranças”.
O ministério de mulheres
As mulheres têm ganhado cada vez mais espaço dentro das Assembleias de Deus no Brasil. Essa tendência, contudo, é bastante assimétrica nas diferentes regiões do país, justamente pelas características da denominação.
Ao contrário da Igreja Católica, bastante hierarquizada, sua estrutura é congregacional. “É como se fosse uma democracia direta”, compara Alencar. Cada congregação define suas liturgias, “tem lugar que aceita mulher, tem lugar que não aceita”.
Questionado se hoje as mulheres podem ser pastoras na Assembleia de Deus, Gunnar Swahn respondeu: "Ah, sim! Nós gostamos de pensar que somos uma igreja progressista”.
Sua avaliação é importante para entregarmos a melhor notícia
O Guiame utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência acordo com a nossa Politica de privacidade e, ao continuar navegando você concorda com essas condições