Coragem e dor

Somente Deus é quem nos sustenta nas horas da provação e da aflição.

Fonte: GuiameAtualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:02
Coragem e dor
Coragem e dor

Coragem e dorQuando tive um acidente de moto semanas atrás, fiquei hospitalizado por dez dias, período em que experimentei dores quase insuportáveis. Havia quebrado o pé e a mão diretos. A mão direita precisou de uma extensa cirurgia e da implantação de uma placa de titânio. Apesar dos anestésicos, as dores eram constantes.

Durante os primeiros dias no hospital, não somente as dores como também o desconforto físico tiveram um profundo efeito sobre minha vida espiritual. Dúvidas, confusão, incertezas, ansiedade e quase desespero se apoderaram da minha mente e do meu coração. Cheguei mesmo a rever as questões mais básicas da minha fé, como por exemplo, o amor de Deus pelos seus filhos, o seu sistema, que às vezes parece cruel, de submeter os seus filhos ao sofrimento e à dor, a minha vulnerabilidade e fraqueza diante da realidade, e especialmente as incertezas relacionadas com o futuro.

Depois de alguns dias debaixo de intenso sofrimento físico, mental e espiritual, finalmente a luz raiou. Ela veio através do alívio das dores e de uma percepção que Deus me deu durante a oração de um irmão que me visitava, com respeito ao seu propósito geral com o sofrimento na vida de seus filhos.

Em nenhum momento eu havia atribuído a Deus qualquer responsabilidade pelo acidente. Como calvinista, eu sabia muito bem que o acidente tinha sido resultado das causas naturais, das leis físicas gerais que Deus havia criado e estabelecido para governar a realidade. Eu havia quebrado aquelas leis e agora estava sofrendo as consequências. Eu sabia que nada acontece sem a vontade de Deus. Mas, a consciência da minha responsabilidade aqui nesse mundo, que sempre acompanhou a consciência que tenho da absoluta soberania divina, não permitiu que eu atribuísse a Deus qualquer mal. Ele sempre é justo e bom. O acidente era a consequência inevitável de eu ter quebrado leis físicas que ele havia estabelecido - no caso, acelerar sem calcular corretamente espaço e trajetória.

Mas o ponto que quero destacar foi a percepção que eu tive, lá no hospital, como nunca antes, da relação inseparável entre o nosso espírito e nosso corpo. Ou, colocando de outra maneira, a relação inseparável entre bem estar espiritual e bem estar físico. Não pretendo aqui entrar na eterna discussão entre dicotomistas e tricotomistas, se o espírito e a alma são duas dimensões distintas do homem ou a mesma descrita com duas palavras diferentes. Ambos hão de concordar que a dimensão espiritual e a dimensão física estão profundamente relacionadas.

Percebi muito claramente que, diante do sofrimento e da dor, a minha fé havia se estremecido e se abatido. Pensei nos mártires de outrora, do início do cristianismo. Me lembrei da história que nem sempre é contada, que nem todos os cristãos primitivos morreram alegremente, cantando hinos nas labaredas de fogo ou nos dentes das feras. Não poucos morreram gritando de dor, sem demonstrar qualquer coragem durante seu martírio. Outros, publicamente renunciaram à fé, para não padecer sofrimentos e encarar uma morte terrível.

Quanto aos que morreram confiantes em Deus, cantando hinos e dando testemunho do amor e do poder de Deus, e assim entrando nos registros da história da igreja cristã, a eles foi dada a graça de morrer como mártires, glorificando a Deus. Eu não mais julgo aqueles outros que, diante da tortura, da dor e do sofrimento, deram mostra de fraqueza e covardia. Eu posso entender porque eles fizeram isto. Porque eu mesmo percebi no meu coração, quando a dor se tornou mais insuportável, uma grande dificuldade de me manter esperançoso, alegre e confiante nas promessas de Deus.

Vejo vários exemplos desta relação entre corpo e espírito nas Escrituras. No caso de Jó, Satanás foi direto ao ponto. Ele disse a Deus que se tocasse no corpo de Jó, este haveria de negá-lo. Pois, segundo o diabo argumentou, "Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida. Estende, porém, a mão, toca- lhe nos ossos e na carne e verás se não blasfema contra ti na tua face” (Jó 2.4-5). Embora seja pai da mentira, Satanás é extremamente perspicaz. Ele sabe da relação entre espírito e corpo no ser humano, sabe que se atingir um, atinge o outro.

Quando o profeta Elias estava extremamente cansado, sentiu-se deprimido a ponto de pedir a própria morte (1Re 19.4). Jonas, debaixo de calor insuportável, pediu impensadamente pra morrer (Jonas 4.8). Paulo fala de um espinho na carne, que o abatia constantemente (2Co 12.7-10). Em outras palavras, é muito mais fácil termos esperança, coragem, alegria, ânimo e confiança quando nos sentimos bem fisicamente.

Aqueles dias no hospital me ensinaram pelo menos duas coisas. Primeiro, que não sou tão forte espiritualmente assim como pensava. Muito da fortaleza, confiança e esperança que tenho, está relacionada, e de certa forma dependente, do meu bem estar físico. Assim, se Deus não me sustentar na hora da doença, da dor e da adversidade, facilmente desanimaria e me abateria ao ponto do desespero. Somente Deus é quem nos sustenta nas horas da provação e da aflição.

A segunda coisa que aprendi, é a necessidade de ser mais compassivo e compreensivo com quem está sofrendo. As vezes chegamos mesmo ao ponto de repreender irmãos que estão em dores e sofrimento, porque eles não conseguem estar alegres, esperançosos e se manter calmos e confiantes diante das promessas de Deus. Só quem experimentou dores profundas, durante um tempo prolongado, e que sabe como é difícil manter a mente focada nestas coisas quando o corpo inteiro é uma única dor insuportável.

Por fim, o meu apreço cresceu por aqueles crentes que, durante períodos de provação, sofrimento, doença, dor e perseguições, consegue regozijar-se e alegrar-se em Cristo Jesus. Esta é uma verdadeira dádiva dos céus. Que o nosso Deus conceda que, na dor ou no sofrimento, nós o glorifiquemos através de uma disposição espiritual agradável a ele, que mostre ao mundo que há um poder sobrenatural por detrás daquele que crê.

Por Augustus Nicodemus

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