Na Índia, os voluntários cristãos não esperaram pelas igrejas quando o Covid-19 chegou. A rede Love Your Neighbour [Ame o seu vizinho] oferece lições para crentes em outros países que também sofrem com a segunda onda da pandemia.
Os voluntários cristãos indianos usaram o WhatsApp para ajudar migrantes, distribuindo alimentos durante o período pandêmico. Centenas de outros cristãos em todo o país se ofereceram também como voluntários.
A ação dessa união entre o corpo de Cristo, que foi liderada por leigos no assunto, trouxe alívio e conforto para dezenas de milhares de indianos que estavam enfrentando sérias dificuldades.
Em maio de 2020, durante o maior bloqueio nacional do mundo, Rahul George, um empresário de Bengaluru, foi levado a fazer algo quando viu imagens na mídia local de trabalhadores migrantes, com salário diário, voltando para suas aldeias sem nenhum meio de sustento e suporte.
“As imagens continuavam me assombrando”, disse ele ao Christian Post. “Eu estava com raiva e deprimido. Muitas vezes, olhava para as crianças pequenas que estavam acompanhando seus pais e pensava: ‘E se eu fosse um trabalhador migrante?’. Pensei nos meus filhos”, continuou.
Em 24 de março, o governo indiano anunciou um bloqueio nacional de três semanas. Essa medida acabou sendo estendida por mais duas semanas e acabou numa “tragédia humana”, pois deixou milhões de trabalhadores migrantes sem sustento.
Junto com suas famílias, os migrantes foram forçados a deixar as cidades fechadas e retornar às suas aldeias natais a pé, pois o transporte público não estava disponível. Muitos desmaiaram e morreram na estrada enquanto lutavam contra a fome e a fadiga por terem caminhado centenas de quilômetros.
Um grupo no WhatsApp
Rahul George começou a chamar seus amigos e perguntou se eles poderiam se unir para ajudar os necessitados. Como costuma acontecer na Índia, formaram um grupo no WhatsApp e, em apenas dois dias, ele cresceu para 256 membros — o máximo que um grupo pode ter nessa plataforma de mídia social.
A “rede” de ajuda cresceu, outros grupos foram formados em outras cidades e estados, através de médicos, advogados, profissionais de TI, até cristãos do exército indiano e policiais. Estrategicamente, igrejas e ONGs cristãs foram convidadas a fazer parte do movimento, mas poucas abraçaram a ideia.
Muitos recursos foram levantados, além de uma grande organização e logística, até a distribuição de alimentos para milhares de famílias de trabalhadores migrantes. Um call center também foi criado para que tudo acontecesse, já que entre os migrantes havia diversos idiomas.
“Ser Igreja”
Anita Kanaiya, chefe de uma organização sem fins lucrativos de Bengaluru, cujo escritório era usado para estocar alimentos para o esforço, disse que os voluntários começavam às 5h30 diariamente e distribuíam caixas de comida em locais onde os migrantes se reuniam, como rodovias e estações ferroviárias.
Um dos pontos estratégicos para distribuir cestas básicas é nas estações de trem. (Foto: Love Your Neighbour Network)
“O que estávamos tentando fazer era ‘ser a igreja’ da nossa maneira, do jeito que podemos e fazendo o necessário para atender às necessidades das pessoas”, testemunhou.
“É uma alegria poder servir a inúmeras pessoas que não conhecemos ou que talvez nunca mais iremos encontrar. Houve até pessoas que nos disseram: 'Você é como Deus para nós; não bebemos água há três dias, enquanto estivemos na estrada’. Tivemos a oportunidade de servir essas pessoas”, disse.
Depois da segunda onda
Embora a rede tenha se concentrado em ajudar os trabalhadores migrantes, durante a pandemia no ano passado, neste ano ela focou nas necessidades médicas, já que os casos de Covid-19 começaram a sobrecarregar o sistema de saúde da Índia, durante a segunda onda.
A preocupação agora também inclui a busca por leitos hospitalares e cilindros de oxigênio. Além disso, os voluntários formaram equipes específicas para oferecer serviços de oração e aconselhamento.
Há também grupos que distribuem refeições e mantimentos para pacientes isolados em casa. “Muitos de nós não têm formação médica e nenhuma experiência nisso, mas Deus nos ensinou e aprendemos muitas coisas”, disse Rahul.
“Na primeira onda, poucas igrejas se apresentaram. Falamos muito sobre fé e o poder da oração, mas foram pessoas de outras religiões que mostraram sua fé ajudando os outros”, continuou.
“Na segunda onda, tivemos igrejas que se apresentaram porque muitos de seus próprios membros estavam sendo infectados e eles não podiam mais ficar em silêncio. Normalmente, a igreja é muito rápida para responder, mas acho que o Covid-19 dificultou bastante a nossa comunicação”, disse.
O amor cristão vai além da religiosidade
Rahul observou que a união de todas as pessoas envolvidas nessa rede de ajuda, de forma sacrificial, é exatamente o que mostra o “amor cristão”, que é independente da religiosidade.
“Nós desprezamos as pessoas de outras religiões, especialmente os muçulmanos, mas aqui na Índia, Deus mostrou que eles eram os bons samaritanos quando os piedosos e religiosos olhavam para o outro lado”, apontou.
“Acho que as igrejas precisam sair mais e não apenas se preocupar com seus membros e seu próprio bem-estar, mas também com a cidade em que vivem”, disse Zippora Madhukar, líder de uma igreja independente em vários pontos, em Chennai. “Porque é aí que somos chamados para ser sal e luz, não apenas para nossas igrejas, mas bem ali onde as pessoas precisam de nós”, reforçou.
Para ele, a Love Your Neighbour mostrou que o sacerdócio de cristãos leigos, em toda a Índia, pode realizar tanto quanto a igreja institucional quando trabalham juntos com compromisso e intenção.
“Eu costumo ver as pessoas reclamando que a igreja não faz nada, mas esta é a igreja. Pode não ser a igreja organizada, mas é a igreja que Deus usou para fazer esta obra”, disse Pranitha Timothy, uma defensora dos direitos humanos em Chennai.
Ela conta que até mesmo as pessoas idosas que não puderam ajudar no campo de ação, também apoiaram os esforços por meio de orações e assando biscoitos para os voluntários.
“Esta pandemia apenas nos deu um vislumbre do que podemos fazer. Se um grupo de 256 cristãos, completamente estranhos uns aos outros, podem causar esse impacto, fico me perguntando o que mais pode ser feito se todos nos unirmos”, refletiu.
Para os cristãos em outras nações que gostariam de servir melhor suas comunidades, durante a segunda ou a terceira onda da pandemia, Rahul aconselhou: “Junte-se a uma rede em algum lugar”.
“Tudo o que você fizer deve ser visto como uma oferta ao Senhor Jesus. Basta fazer a sua parte e Deus se encarregará de aumentar os números, os recursos e os talentos. Quanto mais fiel você for, mais lhe será adicionado. Isso é o que vimos com nossos próprios olhos e podemos testemunhar”, concluiu.
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