Parlamentares evangélicos preparam uma ofensiva para tentar acabar com a principal novidade na entrega da declaração do Imposto de Renda deste ano: a inclusão de parceiros homossexuais como dependentes para fins de dedução fiscal. A arma utilizada é uma nota técnica da Consultoria de Orçamento da Câmara que considerou ilegal a medida adotada pela Receita Federal. Concluído ontem (24), o parecer jurídico sustenta que renúncias fiscais dessa natureza só podem ser feitas por meio de lei, que precisam ser debatidas na Câmara e no Senado antes de virarem realidade, e não por meio de uma canetada do Executivo.
Nesta sexta-feira (25), o deputado Ronaldo Fonseca (PR-DF) entrará em contato com o presidente da Frente Parlamentar Evangélica no Congresso, deputado João Campos (PSDB-GO). Eles vão discutir medidas para cassar a possibilidade prevista na entrega das declarações de IR, que começa daqui a quatro dias.
Fonseca diz que vai tomar uma das três medidas sugeridas na nota: ajuizar uma ação popular contra a permissão de dedução tributária, apresentar um projeto de decreto legislativo para suspender a medida da Receita ou pedir que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, compareça à Câmara para prestar explicações.
João Campos afirmou que vai conversar antes com o colega para avaliar se a Frente Evangélica vai tomar alguma medida conjunta. Por sua vez, Fonseca tem certeza de que parlamentares evangélicos e até católicos vão apoiar qualquer medida para barrar a inclusão de homossexuais como dependentes nas declarações do Imposto de Renda.
Isso é totalmente ilegal. Se precisar ir para o Judiciário, nós vamos, afirma Fonseca, que é pastor da Assembleia de Deus e solicitou o estudo à Consultoria de Orçamento da Câmara.
Um dos argumentos utilizados na nota técnica 3/11, da Consultoria de Orçamento da Câmara, é que a legislação atual não prevê a união estável entre homossexuais. Para disso, diz o parecer, seria necessário mudar o artigo 226 da Constituição. Paralelamente, o deputado Jean Willys (Psol-RJ), um dos organizadores da futura Frente Parlamentar Homossexual, informou ontem (24) que já tem quase todas as 171 assinaturas para protocolar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para criar o instituto do casamento civil gay. Faltam poucas assinaturas, afirmou Willys.
Ele disse que está tendo o apoio de vários parlamentares, mas não o de outros a respeito dos quais nutria expectativas, como a deputada evangélica Benedita da Silva (PT-RJ). Ela disse que é uma questão de foro íntimo, religiosa, afirmou Willys. O assunto ainda está em pauta no Judiciário. Na quarta-feira (22), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) interrompeu o julgamento de um homem que exigia pensão relativa ao ex-companheiro. Ele alegava ter os mesmos direitos da união estável, prevista na Constituição apenas para famílias compostas por homens e mulheres. Se vencer a disputa, poderá estar aberto o precedente para a união estável homoafetiva. Até agora, há quatro votos a favor e dois contrários no STJ.
Problemas jurídicos
A nota técnica, assinada pelo consultor Francisco Pereira Filho, do núcleo que fiscaliza os gastos do Executivo, contesta o parecer 1.530/10, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que embasou a decisão da Receita. No ano passado, a Portaria 513/10 do Ministério da Previdência considerou os parceiros homossexuais como dependentes em caso de pensões. De acordo com a nota da Câmara, a PGFN errou porque o artigo 150 da Constituição diz que quaisquer subsídios, isenções anistias ou remissão de impostos só podem ser feitos com base em leis. Na canetada, eu não vou [aceitar], não. Tem de ter o debate, disse o deputado Ronaldo Fonseca.
A nota da Consultoria da Câmara ressalta que o artigo 226 diz que apenas é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher. Afirma ainda que a Lei de Responsabilidade Fiscal obriga toda concessão de benefícios fiscais, como a dedução de imposto para os gays, lésbicas e transsexuais, vir acompanhada de impacto orçamentário e fonte de compensação da receita a ser perdida. De acordo com o estudo, isso não aconteceu.
A nota alega ainda que a concessão desse benefício aos homossexuais abrirá brecha para outros segmentos da sociedade exigirem novas isenções de imposto. O texto cita como exemplo os irmãos solteiros que moram juntos; os filhos solteiros que permanecem morando com os pais, às vezes adotando filhos; e as pessoas celibatárias que vivem juntas fraternalmente. Hoje, um irmão não pode colocar o outro como dependente. Por que os homossexuais podem? É uma classe especial?, critica Ronaldo Fonseca.
A consultoria da Câmara entende que o governo federal foi descuidado ao tentar encaixar os gays nas hipóteses de dedução de imposto. A administração tributária deve tomar cuidado com essas inovações doutrinárias ( ) já que ( ) tais teses advêm ( ) sem levar em conta principalmente as consequências nas finanças públicas, diz o consultor Pereira Filho.
Discriminação
Em nota ao Congresso em Foco, o procurador-Geral Adjunto de Consultoria e Contencioso Tributário, Fabrício da Soller, afirmou que a PGFN não ultrapassou suas competências ao definir o conceito de companheiro e companheira. Ele garantiu que a interpretação se baseou nos princípios constitucionais, como a proibição da discriminação por questões de gênero, e julgamentos do Judiciário.
Esta PGFN tem plena convicção da constitucionalidade e legalidade do seu parecer, afirmou Soller, em nota. O procurador afirmou que o órgão está à disposição da sociedade e dos parlamentares para prestar esclarecimentos sobre o tema. O deputado Jean Willys lamentou a nota técnica da Câmara. Seria mais uma inovação em termos de cidadania. Eles estão querendo desmoralizar o parecer da PGFN, disse. Para o deputado, a sociedade brasileira ainda vive tempo de obscurantismos em relação ao tema, o que poderia ser vencido, segundo ele, por meio da educação.
Willys enxerga no crescimento da bancada evangélica e dos cristãos ditos 'fundamentalistas' o principal obstáculo à aprovação de matérias de interesse da comunidade gay. Para o deputado, talvez o Executivo tenha preferido fazer por conta própria a dedução de Imposto de Renda exatamente por conta das resistências no Congresso. Se fez isso, que bom! O Congresso adia decisões importantes, afirmou Willys ao Congresso em Foco, destacando o papel da Justiça e do Executivo na garantia dos direitos dos homossexuais.
Ronaldo Fonseca diz achar saudável a iniciativa de Jean Willys de propor uma PEC para o casamento civil gay. Nós temos que entrar na discussão. Não podemos ter medo de debater o assunto, mas sem rancor, de forma democrática, afirma o deputado. Nós vamos nos opor a isso e vamos defender a nossa tese.
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