''A pedra da morte'', ''Paco'', ''Lixo da Cocaína'', ''Pasta Base de Cocaína'', ''Droga dos Pobres'' ou simplesmente ''Pedra'' (em sua nomenclatura mais usual). Todos esses nomes são utilizados pelas pessoas para se referirem a uma só substância, que tem alcançado um status de ''vilão social'' nos dias atuais: o Crack.
Em entrevista exclusiva ao Guia-me.com.br, a diretora da comunidade terapêutica Desafio Jovem do Ceará, Tereza Cristina Munguba falou, entre outros sub-temas, sobre os malefícios que essa perigosa droga oferece, não somente ao seu usuário, mas também de forma direta e indireta à sociedade; os métodos derecuperação usados na instituição, que têm nos princípios cristãos uma forte base para combater qualquer vício.
Guia-me: Muitos dizem que é impossível a cura do vício em crack. Como o Desafio Jovem trabalha a esperança de uma possível recuperação nos viciados e suas respectivas famílias?
Cristina Munguba: Primeiramente é preciso definir como o crack atua no organismo. O crack é uma substância estimulante do sistema nervoso central, isto é, o indivíduo fica em estado de alerta, agitado, excitado. Por ser uma droga cujo efeito surge muito mais rápido do que outras, e também dura pouco tempo, o usuário tem desejo de usar novamente uma vez após outra para experimentar o seu intenso prazer, comparado inclusive a um orgasmo. Além da hiperatividade, insônia, perda da sensação de cansaço, também há falta de apetite, que leva o usuário a perder em pouco tempo, de 8 a 10 kg, e num tempo maior de uso perde também as noções básicas de higiene, o que o deixa com um aspecto deplorável.
Quando falamos em cura de vício de drogas, sejam elas quais forem, falamos em permanecer abstinente todos os dias. Se um dependente químico de crack, ou cocaína, álcool, maconha, anfetaminas, etc. voltar a usar estas substâncias, mesmo após, um longo tempo sem usá-las, não será como no início e, sim do ponto que parou, isto é, vai voltar a usar as quantidades que usava antes de parar. O organismo não aceita pequenas quantidades, pois ele já desenvolveu uma ''tolerância'', isto é, necessita de quantidades maiores para sentir os mesmos efeitos.
A metodologia de tratamento no Desafio Jovem do Ceará tem seu foco no indivíduo em cinco (05) aspectos: espiritual, físico, emocional, social e cognitivo.
Independente da droga usada os objetivos são os mesmos. A esperança de recuperação, isto é, da manutenção da abstinência deve ser o alvo do recuperando. A equipe trabalha com este objetivo. Cada profissional, na sua área de atuação, busca contribuir para que o recuperando desenvolva durante o período de tratamento, seja ambulatorial ou intensivo, habilidades para retornar ao seio da família e da sociedade sem voltar a usar drogas. Uma das opções que a Instituição oferece em seu programa de tratamento é a Oficina de Arte em madeira, usando algumas técnicas tais como marchetaria, e pirografia, para capacitar o recuperando numa profissão que poderá lhe trazer geração de renda após o término de seu tratamento. Nesta oficina produtiva são confeccionados, caixas de diversos tamanhos e quadros.
A família do recuperando tem um papel muito importante no seu tratamento. Ela também necessita de tratamento. A mesma equipe que trabalha o recuperando também dá assistências a família dele. Através de atendimentos individuais ou de grupo os profissionais das áreas de psicologia, serviço social e orientação cristã orientam as famílias.
Esclarecemos que parte do sucesso do tratamento é responsabilidade do usuário e sua família e parte da Instituição. É lógico que acima de todos nós está a misericórdia e a graça de Deus, em quem nós cremos e pregamos.
Guia-me: Até onde vai o tratamento espiritual de um usuário, quando começa o tratamento químico e até mesmo social no Desafio Jovem? Como eles se completam?
Cristina Munguba: Nós não temos um tratamento químico para a dependência química. Quando um interno usa algum tipo de medicamento aqui dentro é porque ele está com dor de cabeça, mal estar, dor de dente, indisposição digestiva, etc. Se é acompanhado por um neurologista para alguma doença neurológica, como por exemplo, epilepsia, ele toma a sua medicação controlada nos horários indicados pelo seu médico. Estamos iniciando um acompanhamento com um psiquiatra em nossa equipe para avaliar alguns comportamentos psiquiátricos e como manter o interno em regime de tratamento sem prejudicar suas atividades.
O tratamento espiritual e o social e demais abordagens são feitos de forma global. Não temos o dia do tratamento espiritual, ou o momento do social ou cognitivo. Todas as atividades tem em seu cerne estes objetivos.
Guia-me: Há divergências com relação a dar esmola nos sinais. Muitos afirmam que não é bom dar dinheiro às crianças que pedem nos semáforos, pois elas ou os jovens sustentariam o vício com esse dinheiro. Porém o que pode fazer por elas? Há alguma forma de ajudá-los?
Cristina Munguba: Realmente é esta uma situação bem complicada. Vemos, não apenas crianças nos sinais com aparência de que estão com fome, mas jovens e também adultos. Infelizmente muitas destas pessoas são usuárias de drogas e estão ali tentando ganhar dinheiro para pagar o traficante ou para comprar drogas. Eles não vão nos dizer qual a finalidade real, muitos tem até um pedaço de papelão escrito ''estou com fome''. É de cortar o coração. Alguns deles estão num estado terrível do vício no crack: magérrimos, sujos, assanhados, descalços, com as roupas rasgadas. E se você der comida, eles não vão gostar muito não. Eles querem é mesmo o dinheiro.
Creio que deve haver no programa de políticas públicas contra as drogas um projeto para atender estas pessoas. Não conheço. Este quadro que está se descortinando em nossa(s) cidade(s) [Fortaleza e outras capitais] e é meio que ''novidade'': pessoas pedindo dinheiro para alimentar seu vício. Só conversar e orientar não é o suficiente. A assistência médica, social, psicológica e espiritual é indispensável. Mas onde é que vão colocar tantas pessoas neste estado?
Guia-me: O crack tem assolado não somente famílias de fora da igreja, mas também muitos cristãos. Como isso se explica? Falta de cuidado? Falta de diálogo? Confiança exagerada na Igreja?
Cristina Munguba: O crack, como qualquer outra droga não faz distinção de raça, cor, sexo, situação econômica, religião, idade ou posição social. Na verdade o crack por si só não faz coisa alguma. É uma substância que tem grande poder destruidor quando usado. As pessoas é que se destroem fazendo uso desta substância, que de bom não tem absolutamente nada. As pessoas é que se deixam enganar pelos efeitos químicos e ilusórios dela.
São várias a razões pelas quais indivíduos passam a usar o crack: curiosidade, influência de amigos ou namorado (a), falta de informações sobre as drogas, necessidade de fazer parte de um grupo que o aceite, por brincadeira, fuga de problemas, para se sentir superior ou ter coragem para realizar alguma coisa que lhe pareça difícil. Enfim, cada um de nós pode ser vítima deste flagelo se não formos prevenidos a seu respeito.
O lar é o melhor local para prevenirmos nossos filhos a respeito de qualquer coisa: queimaduras do sol, acidentes de transito, acidentes domésticos, más companhias, vícios etc.
Como os pais poderão fazer um trabalho de prevenção às drogas com os filhos se nem tem tempo para eles e quando tem não sabem nada sobre o assunto? Fazer medo e ameaças não resulta em nada. A influência negativa fora do lar é muito forte. A Igreja não está preparada para orientar seus membros, e nem para receber e acolher usuários de drogas. As famílias ainda pensam que por serem crentes os filhos estão livres de passarem por esta experiência. Engano total. Levar os filhos para a Igreja e não ter intimidade nem a companhia deles é um risco. Dentro das igrejas há jovens que após os cultos saem com a turma e vão beber. As drogas aparecem onde há bebidas.
A Igreja pode fazer muita coisa e deve fazer, mas tem que se preparar. Pessoas precisam conhecer muito bem o assunto em todos os seus aspectos: tipos de drogas, efeitos, formas de uso, seqüelas, métodos de prevenção etc.
Aqui em nossa Instituição já internamos e tratamos muitas pessoas de igrejas, inclusive filhos de pastores. Ninguém se vacina contra as drogas. A prevenção é a única solução. Quem hoje é usuário um dia experimentou. Nem todo os que experimentam tornam-se dependentes. Mas o crack é uma droga que tem um grande poder de engano.
Guia-me: Hospitais psiquiátricos de todo o Brasil têm recebido grande número de usuários de drogas (crack, principalmente) para tratamento. Essas Instituições estão preparadas para lidar com estes usuários?
Cristina Munguba: Na verdade, hospital é para doentes que precisam de procedimentos, medicamentos e atenção médica. Se os hospitais psiquiátricos além de médicos e enfermeiros dispuserem de uma equipe formada de assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais, orientadores cristãos, e outros mais, quem sabe podem receber e cuidar destas pessoas.
Somente com medicamentos as outras áreas que foram prejudicadas não serão atendidas: Social, familiar, espiritual, cognitiva, psicológica.
Em algumas situações um usuário de crack pode ficar tão violento que necessita ser transportado para uma unidade de psiquiatria até que seja medicado, desintoxicado e se acalme.
Por João Neto - www.guiame.com.br
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