O sacerdote e biblista José Tolentino Mendonça considera que as origens do cristianismo estão intimamente ligadas aos alimentos e à relação que se estabelece em torno da refeição.
Os quatro evangelhos, livros que na Bíblia narram as palavras e atos de Jesus, são muito contados em torno da mesa porque ela é a estrutura comunitária por excelência em todas as culturas, afirma o tradutor de grego e hebraico em entrevista ao programa ECCLESIA, na Rádio Antena 1, de Portugal.
O grande símbolo cristão, a eucaristia, que começa com a última ceia, é algo que se faz em torno da mesa, sublinha o responsável pela relação da Igreja católica portuguesa com o mundo da cultura.
Tolentino Mendonça assinala o resultado das interações estabelecidas durante a refeição: À mesa alimentamo-nos do mesmo alimento, mas sobretudo, essa é a força dela, alimentamo-nos uns dos outros.
As implicações da refeição na narrativa bíblica ultrapassam as questões ligadas à nutrição, tornando-se imagem de um novo sistema de relações: Não é por acaso que a mensagem cristã se vai alojar nessa plataforma de intimidade que é a mesa, refere o poeta nascido na Ilha da Madeira.
É belo ver que Jesus rompe com a ritualidade estabelecida e instaura uma nova, em que os últimos serão os primeiros, em que há espaço para todos, salienta.
O biblista lembra que o cristianismo é a única religião em que se pode comer de tudo, com todos, depois de Jesus ter tornado a mesa o grande ícone do reino de Deus.
O estilo de Jesus, aberto e inclusivo, manifestou-se também nas suas ações e palavras, que não tinham uma interpretação única e que ainda hoje continuam a suscitar questionamentos.
Dizem-se, em todos os tempos, coisas muito diferentes sobre Jesus, porque acerca dele, e nele, refletimos as perguntas do próprio coração humano, assinala Tolentino Mendonça.
Para o professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, Jesus é uma pergunta, mais do que uma resposta, pelo que nunca nada é imediato em relação a ele. Jesus utiliza uma linguagem que não é fechada nem de sentido único, o que dá à sua palavra uma riqueza enorme e solicita uma leitura que não seja passiva.
O intérprete da Bíblia fala da responsabilidade de apropriação que cada leitor e ouvinte é chamado a realizar de forma original, ao mesmo tempo que acompanha essa reflexão com o exercício do compromisso e discipulato em relação a Jesus.
O diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura destaca também a curiosidade enorme sobre Cristo e a forma secular e laica como ele passou do vitral das igrejas para as livrarias. Para o sacerdote, a quantidade de publicações, filmes, conversas e as tentativas muitas vezes tentações de entrar por veredas um pouco estranhas representam o desejo de tocar Jesus.
Aquela imagem que os evangelistas nos dão, da multidão que se acotovelava em torno a ele para o tocar, continua a ser a situação do homem contemporâneo diz o sacerdote.
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