Nas duas últimas décadas, o foco do pastorado tem mudado muito na realidade da Igreja, dentro ou fora do Brasil. Esta não é uma percepção nova ou inédita. As igrejas locais foram perdendo seu aspecto pessoal e comunitário, ao mesmo tempo em que se fortaleciam mais como estruturas eclesiásticas em expansão. A opção preferencial foi pelo crescimento, ampliando a membresia e a captação de recursos; as congregações tornaram-se grandes organizações, capazes de bancar seus projetos. Essa abordagem não deseja ser pueril ou ingênua, mas constatar o quadro com que temos nos defrontado, tentando enxergar caminhos.
Os referenciais neotestamentários da qualificação e trabalho pastoral à luz de uma nova realidade foram sendo substituídos pelos modelos de gestão empresarial e mercado corporativo. Gestão pressupõe o cuidado e organização, no seu aspecto mais positivo. É verdade que, na história da prática da vocação pastoral, outras ênfases também foram alimentadas em função do contexto da época que a Igreja estava vivendo. As denominações históricas, pentecostais e até as neopentecostais foram refletindo esse aspecto em sua maneira de ser e se estabelecer, buscando padrões e caminhos ora semelhantes nas bases e ênfases, ora bem diferentes e distantes no conteúdo e no que desejam ser.
Tornou-se evidente que, em nossa realidade contemporânea, as relações pastor-ovelha e pastor-igreja passaram a ser redefinidas em outras bases e expectativas. Somos esmagados dentro de uma sociedade de consumo ávida por encantar e escravizar nossa mente e coração. O desejo de ver a igreja numa perspectiva de megacrescimento, com o consequente aumento de patrimônio, visibilidade, poder e influência na sociedade, seduziu e tomou conta dos que dão os rumos na comunidade local. Esse processo alimenta o ego de alguns e gera uma espiritualidade distorcida e abafa insatisfações com suas próprias limitações e frustrações pessoais e profissionais, projetado no sonho da igreja corporativa o que sufoca o grito ou pedido de socorro constante que vamos encontrando no Brasil por pastoreio.
Pastores não são mais encorajados na oração, meditação da Palavra, serviço abnegado e doação para a missão da Igreja. Líderes de comunidades locais são cobrados muito mais pelo seu desempenho, capacidade administrativa e liderança ao estilo empresarial do que por sua presença, cuidado, ensino e discipulado junto às ovelhas. Nos dias de hoje, ter visão ministerial, comunitária e missionária coerente com o Evangelho parece ser dispensável tanto, que os chamados perfis dos pastores procurados pelas igrejas incluem muito mais capacidade gerencial do que piedade cristã. Pouco consideradas são as qualificações relatadas nas cartas de Paulo a Tito e Timóteo, isto é, que o pastor tenha qualificações como integridade, caráter, ética, equilíbrio familiar, vida de oração e voluntariado para o serviço, que maneje bem a Palavra da verdade e que ame suas ovelhas, dedicando tempo a elas. Impressiona ver os próprios mestres e pastores submetendo-se sem resistência a este quadro de requisitos impostos pela igreja-empresa talvez, porque este seja um caminho de sobrevivência e sustento, e ninguém, afinal, quer lutar contra este novo status quo e arriscar o emprego.
Os resultados desse panorama preocupante estão aí e não podemos ignorá-los. As comunidades locais têm visto uma evasão contínua de membros. São crentes que não receberam cuidados e não estão equipados para toda a boa obra, que engordam as fileiras do segmento dos sem igreja. Os pastores-gestores e as lideranças denominacionais acabaram terceirizando o cuidado do rebanho, deixando uma lacuna enorme de contato com as pessoas de carne e osso. Uma consequência disso é que as ovelhas saem aos montes pelas portas dos fundos do aprisco onde congregam, já que o pastoreio não é realizado lembrando que cuidar de gente deve ser tarefa de todo cristão, a não apenas por pastores e líderes.
O incentivo ao cultivo da fé em todas as dimensões relacionais que temos com Deus, com a família, a sociedade e conosco mesmos vai sendo esquecida ou negligenciada. Uma realidade que nos traz questões difíceis de serem resolvidas no dia a dia; e não temos respostas prontas para atender a contento todas as demandas. O que precisamos é, corajosamente, revisitar as bases da vocação pastoral e resgatar os cuidados do rebanho enfatizados nos evangelhos e na vida de Jesus. Assim, teremos o necessário para a implantação do Reino de Deus na nossa vida comunitária.
Por Nelson Bolmicar
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