Os deficientes auditivos dependem da interpretação dos lábios e das feições dos interlocutores para se comunicar, por isso as máscaras podem significar uma barreira na comunicação com esse grupo. Pensando nisso, alguns voluntários de Brasília decidiram criar um modelo adaptado para interagir e seguir a orientação de prevenção contra o coronavírus.
Para amenizar a barreira de comunicação entre surdos e ouvintes, Renata Sabbat, 46 anos, pensou em costurar e doar máscaras personalizadas na igreja que frequenta.
“A ideia surgiu quando eu li uma reportagem sobre uma moça no exterior que tinha feito máscaras para surdos com a parte da boca transparente. Como na nossa igreja tem o grupo de surdos, eu também me preocupei com eles.”
A servidora pública colocou a ideia no papel com a ajuda da tia. “Como ela é costureira, pedi para que fizesse as medidas corretas e me ensinasse como fazer”, relata.
Para a confecção, foi utilizado TNT, arame e plástico transparente. “O arame ajudou a acomodar melhor a máscara no nariz”, diz Renata. Na primeira doação, foram entregues 30 máscaras. “A resposta dos surdos foi ótima. Eles pegaram não só para si, como também para os intérpretes”, conta.
O retorno positivo fez com que Renata e a tia continuassem as confecções. “Tenho feito de noite, assim que acaba o expediente, e fico até as 23h. A meta é fazer até 30 máscaras por semana”, afirma a servidora.
“A gente também precisa que mais gente produza, porque os surdos precisam de muitas máscaras dessas, já que depois de uma quantidade de lavagens ela precisa ser descartada”, aponta a voluntária.
A coordenadora dos ministérios com os surdos da igreja, Darlene Contaifer, 53, ficou emocionada com o gesto. “O surdo precisa de algo próprio dele. Ele está dentro da comunidade e precisa de visibilidade”, define.
Para a intérprete, o isolamento social prejudica a interação deles com o meio externo. “Por isso, reforçamos esse contato deles com a associação da igreja. A gente tenta se reunir online e conversar com eles pelas redes sociais”, diz.
No local, há 25 surdos, entre eles, Rodrigo Gonçalves Lima, 40. O teólogo gostou do projeto. “Se todos os ouvintes utilizassem a máscara transparente, nos ajudariam bastante. Com ela, a gente consegue ver a marcação da boca e as expressões da pessoa”, explica.
Apesar do benefício, ainda há algumas questões para se pensar. “À medida que a pessoa fala, vai dando um vapor na máscara. Também acontece de a luz bater e dar um reflexo. Esses fatores dificultam a visualização”, observa Rodrigo.
Outras iniciativas
As máscaras transparentes são uma alternativa funcional, pois protegem contra o vírus sem dificultar a compreensão de quem tem algum tipo de deficiência auditiva, como explica a fonoaudióloga Erica Bacchetti.
“Sempre faço um paralelo com quem diz que tira os óculos e não ouve bem. Muitas vezes não ouvimos o que a pessoa diz, mas sabemos que ela está reclamando ou fazendo uma pergunta pela expressão, pelos movimentos dos lábios. Quando alguém fala com a boca completamente coberta pela máscara, traz uma dificuldade ainda maior para quem tem comprometimento da audição”, detalha a especialista em audiologia.
Erica percebe essas barreiras no trabalho e dentro de casa. “Tenho uma filha com deficiência auditiva que, assim que compramos máscaras, perguntou como ia entender a professora na escola se ela também usasse”, diz.
Por conta dessa necessidade, a clínica Para Ouvir começou um projeto de doações de equipamentos de proteção transparentes. A empresa produziu 2 mil máscaras em modelos que deixam os lábios visíveis e doa para familiares de pessoas com dificuldade para ouvir e profissionais que atendem surdos, principalmente.
“Estamos vivendo um momento tão difícil de isolamento das pessoas, e ter ainda mais uma barreira, não poder se comunicar, é muito ruim para eles”, afirma Erica.
Preconceito
Outra barreira a ser enfrentada é o preconceito. “A gente sai na rua e fica com vergonha, porque as pessoas fazem piada. Ainda existe muita falta de conhecimento e respeito”, lamenta Rodrigo.
Como somente uma parcela pequena da população conhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras), novas estratégias começam a ser pensadas, com solidariedade e empatia.
“Acaba que o surdo está isolado duas vezes, porque tem dificuldade em se comunicar dentro e fora de casa”, desabafa Pammelleye Katherinne Françoise, 24 anos.
De acordo com o último levantamento da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), feito em 2018, existiam 4.069 pessoas surdas e 92.587 com algum tipo de dificuldade de audição na capital.
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