Crimes sexuais fazem do guru espiritual João de Deus o maior abusador conhecido do país

Autoridades contabilizam mais de 300 depoimentos de acusações contra o médium, que teve prisão decretada pela Justiça.

Fonte: GuiameAtualizado: sexta-feira, 14 de dezembro de 2018 às 22:06
Apesar da enxurrada de acusações, João de Deus se diz inocente. (Foto: Reprodução/IstoÉ)
Apesar da enxurrada de acusações, João de Deus se diz inocente. (Foto: Reprodução/IstoÉ)

A notícia de supostos crimes sexuais envolvendo João de Deus – o mais famoso guru espiritual do Brasil e que atendia cerca de 20 mil pessoas por semana, na Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia (GO) –, caiu como uma bomba.

As primeiras acusações, exibidas em entrevistas no programa Conversa Com Bial, foram feitas com dez vítimas brasileiras e estrangeiras, inclusive a holandesa Zahira Mous, que foi a primeira a relatar, em uma mídia social, o trauma que sofreu há quatro anos. Depois que a matéria foi ao ar na Globo, centenas de vítimas, em todo o país, tomaram coragem para contar seus testemunhos de abusos sexuais pelos quais passaram nas mãos do médium. Alguns há décadas.

O Ministério Público e a polícia já contabilizam mais de 300 depoimentos de mulheres que se sentiram encorajadas a contar seus dramas. Só o MP de Goiânia registrou 205 casos até o momento. De acordo o relato das mulheres, muitos assédios aconteceram quando eram adolescentes, sendo expostos somente agora, décadas depois do cometimento dos crimes.

Para a psicóloga cristã Marisa Lobo, o que faz com as pessoas escondam esse tipo de crime dos quais foram vítimas é o medo e a vergonha. “No caso específico, quando envolve fé [as vítimas] ficam reféns espiritualmente daquele líder; é comum infelizmente em nosso meio, o que eu chamo de alienação espiritual; a pessoas abusada sexualmente e psicologicamente  por um líder que ela considera ter contato direto com Deus, faz com que aceite e, em alguns casos, até se sinta, num primeiro momento, privilegiada por estar sendo requisitada por esses monstros”, disse ela ao Guiame.

Segundo as autoridades policiais, os relatos são impressionantemente similares, inclusive nos detalhes e na forma como o médium se comportava ao assediar e abusar de suas vítimas. Chegava a dizer que era a energia espiritual que tinham, e se quisessem ser curadas precisavam aceitar aquele contato. “Ele me encostou na parede e começou a passar a mão no meu corpo. Fiquei paralisada. Mas ele se justificou dizendo que eu estava com muita energia e precisava passar por aquele ritual”, contou uma das vítimas que não quis se identificar.

Em busca de auxílio espiritual, todas as mulheres que foram molestadas se dizem traumatizadas e envergonhadas. Esta semana foi noticiado que uma das vítimas se suicidou, conforme noticiado pelo jornal Folha de S. Paulo.

Fama e dinheiro

Para muitos, inclusive para a mídia, João de Deus era considerado um médium popstar, uma personalidade que tinha entre seus consulentes pessoas da alta sociedade, políticos e artistas. A história de sua vida tornou-se livro e foi documentada em filme.

A fama de João de Deus atravessou as fronteiras brasileiras. Uma das mais famosas apresentadoras do mundo, Oprah Winfrey, visitou o médium e fez um documentário sobre ele. A americana disse ter ficado impressionada com o que viu. Após o escândalo, excluiu o material de seu canal. Bill Clinton, ex-presidente americano, também esteve em Abadiânia onde procurou o médium para receber uma cura.

Na longa lista de clientes, estão ainda o ex-presidente Lula, os atores Reynaldo Gianecchini e as apresentadoras Luciana Gimenez e Xuxa, que fez um vídeo em uma rede social se dizendo chocada com o ocorrido.

Para Marisa Lobo, a visita de famosos e o sucesso das atividades impedem que as vítimas denunciem o crime cometido contra ela. “Quando existe a confirmação de ‘tais milagres’ como a vítima competirá com esse poder social e midiático do abusador? Principalmente se este tem poder político, se é bem visto socialmente e pelo seu grupo?”, questiona. “Causa [nelas] uma confusão mental e sentimental a ponto de a pessoa ficar estagnada, paralisada e viver em sofrimento; até que haja o momento do desabafo, de poder denunciar e se vingar”.  

Após os escândalos, questões relativas à vida financeira do médium foram expostas, dando conta de que ele é dono de fazendas e muitos imóveis, inclusive em Abadiânia. Também fez fortuna com o garimpo, sendo proprietário de pedras preciosas. Outros recursos ainda vêm da venda de objetos e remédios produzidos na farmácia de manipulação que atende aos clientes de seu centro.

Crimes

Além das acusações de abusos, foram relatados estupros e até assassinato. A enorme lista de vítimas de João de Deus pode tornar a quantidade de seus crimes maior do que a do médico embriologista Roger Abdelmassih. No caso do médium, entre suas vítimas estavam muitas adolescentes.

Elizabeth Katia é uma das depoentes. Muito emocionada, ela conta que tinha 16 anos e estava grávida quando sua sogra a levou para Abadiânia para pedir ajuda para a nora. João de Deus as atendeu e levou as duas para uma sala privada. Ali ele pediu para a sogra fechar os olhos e não abri-los até que fizesse o trabalho na jovem.

“Ele subiu minha blusa e começou a me tocar, com minha sogra ali, mas sem que ela visse. Fiquei apavorada com o que ele começou a fazer comigo e comecei a gritar. Ele dizia para minha sogra não abrir os olhos porque ele estava me libertando de espíritos maus”. Quando contei para algumas pessoas, ninguém acreditou em mim. Diziam que eu estava possuída pelo demônio.

O modus operandi dos assédios era por meio de ameaças às vítimas, que sofriam pressões e ameaças: “Se você não fizer o que eu estou falando, a sua doença vai voltar” ou “se quiser receber as coisas, precisa fazer tudo direitinho”. Com Zahira foi assim. Ela estava em busca de cura para abusos sexuais que havia sofrido, mas João de Deus só fez aumentar seus traumas, ao fazer dela sua vítima.

Em São Paulo, onde há muitos casos, a promotora Gabriela Mansur diz acreditar que seja impossível que os funcionários não soubessem o que acontecia. “Há menção pessoas que trabalhavam e sabiam o que estava acontecendo na sala onde as mulheres estavam sendo abusadas sexualmente”.

A promotora disse que, mesmo muitos crimes terem sido prescritos, é importante que sejam ouvidos para formar o processo, que não para de crescer. Gabriela diz ainda que acredita em um grande esquema criminoso em torno do caso. “Trata-se de um crime organizado voltado ao abuso de mulheres”.

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