A demonstração de fé em edifícios públicos pode ser restrita caso seja criada uma jurisprudência que impede encontros religiosos em prédios mantidos pela União. As informações são do jornal Correio Braziliense.
A questão é reflexo do processo contra o ex-diretor-geral do Arquivo Nacional no Rio de Janeiro, professor José Ricardo Marques, que em 2017 foi condenado pela Justiça Federal de cometer improbidade administrativa por autorizar que servidores usassem o auditório do órgão para ler a Bíblia.
Os encontros aconteciam desde 2005, com autorização prévia do diretor-geral à época, Jaime Antunes. As reuniões eram feitas na hora do almoço, às quintas-feiras, sem prejudicar o horário de expediente e sem custo aos servidores.
Em sua denúncia, o Ministério Público do Rio argumentou que a estrutura governamental não poderia ser usada para esse fim. Marques foi condenado a pagar uma indenização que hoje deve beirar R$ 70 mil.
“Disseram ser necessário pagar uma taxa (R$ 3 mil, em números redondos) de uso”, disse o advogado de Marques, Vitor Marcelo Rodrigues.
O processo envolvendo encontros religiosos no Arquivo Nacional poderia afetar, por exemplo, as cerimônias que ocorrem no Congresso Nacional impedir que pastores sejam convocados para orações dentro dos prédios do governo.
“Uma condenação de fato coibiria que espaços públicos fossem usados para fins religiosos”, confirma Rodrigues. “As reuniões no Arquivo Nacional não eram cultos nem missas, eram servidores com diversas crenças que liam trechos do Evangelho e falavam de fé. Se não pode fazer isso lá, não pode fazer em lugar nenhum”.
Ao todo, foram realizadas 1.064 reuniões ocorreram entre o pátio e o auditório do Arquivo, que também foi liberado para reuniões políticas e de serviço à comunidade.
O processo corre no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), em grau de recurso. O desembargador Luiz Paulo da Silva Araújo e mais dois vão julgar o processo na segunda instância.
Lei religiosa no Brasil
A Constituição Brasileira prevê a liberdade de crença aos cidadãos e proteção às manifestações religiosas, conforme estabelece o artigo 5º da Constituição: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
O Brasil é oficialmente um Estado laico, mantendo uma posição imparcial no campo religioso, não apoiando nem se opondo a nenhuma crença.
Cerimônias de todas as religiões são realizadas no Congresso há décadas. Uma pequena capela ecumênica projetada por Oscar Niemeyer, localizada no terraço do Anexo IV, está aberta ao público e aos servidores.
Já o Senado não dispõe de uma capela; portanto, os servidores podem utilizar os plenários das comissões para encontros religiosos. Há três autorizações vigentes para cultos evangélicos, sendo dois às sextas úteis de cada mês e outro às primeiras segundas-feiras de cada mês, segundo a assessoria de imprensa.
“Existem lugares específicos, como capelas, em determinados órgãos públicos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, tem. Mas, não havendo, não existe nada que impeça o uso de auditórios. O Brasil é um país laico e livre”, explica a advogada Anna Carolina Noronha, conselheira seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB-DF).
Para a conselheira da OAB, não há improbidade em emprestar parte da estrutura do órgão público para demonstrações de fé. “Pior seria se, em uma crise financeira como a que vivemos, as instituições fossem obrigadas a construir lugares específicos para oração. O que não pode é discriminar, liberar apenas para alguns eventos em detrimento de outros”, complementa Noronha.
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