Presidente do Conselho Federal de Medicina diz que assistolia fetal é “inaceitável”

No Senado, o Conselho Federal de Medicina defendeu a proibição de método abortivo utilizado em gestação acima da 22ª semana.

Fonte: Guiame, com informações da Agência SenadoAtualizado: quarta-feira, 19 de junho de 2024 às 17:31
Em discurso, à tribuna, presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), José Hiran da Silva Gallo. (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)
Em discurso, à tribuna, presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), José Hiran da Silva Gallo. (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

O Senado Federal realizou uma sessão temática para discutir a assistolia fetal, método abortivo utilizado após a 22ª semana de gestação, que consiste em aplicar injeção de cloreto de potássio no coração do feto dentro da barriga da mulher para induzir parada cardíaca.

Antes do início da sessão, que aconteceu na segunda-feira (17), os participantes fizeram um minuto de silêncio em respeito a todos que passaram pelo procedimento de assistolia fetal.

Diversos integrantes do Conselho Federal de Medicina (CFM) foram ouvidos na sessão, onde defenderam a proibição do método abortivo.

O presidente do Conselho Federal de Medicina, José Hiran Gallo, afirmou que a “autonomia da mulher” não pode estar acima do dever de “proteger a vida”.

Em abril, o CFM emitiu a resolução 2.378/2024, que proibia médicos de realizarem a assistolia fetal para interromper gestações acima de 22 semanas em casos de estupro. No entanto, a medida foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em maio.

“Até que ponto a prática da assistolia fetal em gestação acima de 22 semanas traz benefício e não causa malefício? Esta é a pergunta. Só causa malefício. Nesse campo, o direito à autonomia da mulher esbarra, sem dúvida, no dever constitucional imposto a todos nós de proteger a vida de qualquer um, mesmo um ser humano formado com 22 semanas”, declarou Gallo.

Segundo Gallo, há uma “narrativa distorcida” que sugere que o conselho é contra o aborto legal. Para ele, a resolução trata de definições “éticas e técnicas”.

A sessão atendeu a requerimento (RQS 412/2024) do senador Eduardo Girão (Novo-CE), que presidiu o debate. Ele afirmou que considera que há vida desde o início da gravidez e criticou a técnica.

“Eu aboli o termo biologicamente correto, que é ‘feto’, pois para mim [em] todos os estágios da gravidez é uma criança… Antes de sonhar estar servindo como senador da República, eu vinha aqui nas comissões segurar cartaz [em manifestação contrária ao aborto]. Esse é um debate que o povo brasileiro considera importante, os dois lados”, disse Girão.

‘Método inaceitável’

Para Gallo, os problemas na execução do aborto permitidos em lei — em caso de estupro, de risco de morte da mãe ou de filhos anencéfalos — não são culpa do CFM, mas do governo federal. Além disso, ele disse que não houve inovação na proibição.

“Culpar o CFM e a resolução pelos problemas do aborto legal no Brasil configura uma falácia […] No Brasil, atualmente 92 serviços oferecem aborto legal, distribuídos em 20 estados. Estamos evidentemente diante de uma estrutura tímida [...] Em 1999, o Ministério da Saúde publicou ‘Manual de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes’, no qual já se previa que o aborto só poderia ser realizado até a 22ª semana de gestação. Essa norma foi republicada em 2013”, disse.

Médico e pós-doutor em bioética, Gallo ainda afirmou que a decisão do CFM levou em consideração “aspectos éticos e bioéticos a partir da análise de princípios como a beneficência, e não a maleficência”. Ele apontou que o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) veda desde 2012, na eutanásia de animais, o uso de cloreto de potássio, que é uma das formas comumente usadas na assistolia. Segundo a norma, o uso da substância é considerado "método inaceitável".

Consequências da norma

Relator da resolução do CFM, o conselheiro Raphael Câmara Medeiros Parente afirmou que a Resolução 2.378, de abril de 2024, não obriga as vítimas de estupro a prosseguirem com a gravidez.

Segundo Parente, que é médico ginecologista e obstetra, é possível antecipar o parto a partir de cinco meses e duas semanas, com viabilidade de vida.

Quando há a decisão pela assistolia, o conselheiro afirmou que o feto sente dor.

“[Mesmo após assistolia] há um trabalho de parto, a mulher pariu o bebê morto. Ele vai sair, ou por cesariana ou por via vaginal. Não é verdade que a gente está dizendo que tem que ficar com aquela gravidez até nove meses. Só não mate o bebê antes… Por que tem que matar antes? [...] Se salva a vida, antecipando-se [o fim da] gravidez e pronto. Aquele bebê vai ser cuidado pelo Estado e vai ser colocado para adoção. Quando há [um feto] com 22 ou 23 semanas, não há nenhuma divergência [sobre sentir dor]. O único suposto benefício da assistolia é a mãe não ouvir o choro do bebê, traumas psiquiátricos”, disse Raphael Parente.

Atribuições do CFM

Os conselheiros do CFM, que é o órgão responsável por fiscalizar e regulamentar a atuação da profissão, também criticaram a decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes que suspendeu a norma.

Segundo Moraes, o órgão “transborda do poder regulamentar, impondo tanto ao profissional de medicina, quanto à gestante vítima de um estupro, uma restrição de direitos não prevista em lei”.

A conselheira federal Rosylane Nascimento das Mercês Rocha afirmou que o texto foi aprovado pela assessoria jurídica do CFM e amplamente debatida no órgão.

“O CFM tem competência legal de normatizar o exercício ético da medicina… A resolução em particular passou na Câmara Técnica de Bioética e na Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia. Houve um processo longo de discussão técnica e ética. Essa normativa de forma alguma tentou vilipendiar os direitos dessas mulheres ou não atentou para a delicadeza e traumas que essas mulheres sofrem”.

Com a liminar judicial, a técnica continua sendo permitida.

A decisão foi provocada pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol), que argumenta que a assistolia fetal é “crucial para a garantia do aborto em gestações acima de 20 semanas decorrentes de estupro” e que haveria perigo de demora na fila dos procedimentos do gênero caso a proibição fosse mantida.

Projeto antiaborto

Os integrantes do CFM foram convocados à sessão do Senado em meio às discussões na Câmara dos Deputados sobre o Projeto de Lei 1904, denominado “Lei antiaborto” pelo autor, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).

O PL propõe a proibição da assistolia fetal em gestações acima de 22 semanas, mesmo nos casos já previstos por lei.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda esse método quando a gestação é interrompida acima de 20 semanas.

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