Igrejas customizadas: O Rebanho do rock

Igrejas customizadas: O Rebanho do rock

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:25

O exemplo de transformação é o elemento chave no trabalho do pastor Silas Rahal, que dirige a Igreja das Américas, na cidade de Nova Friburgo, na região serrana do Rio. Adolescente problemático, envolvido com drogas e adepto do rock pesado e da cultura gótica nos anos 1980, ele foca seu trabalho nos atuais fãs de heavy metal da cidade. "Essa é uma geração que se interessa por magia e satanismo, na qual o pensamento de suicídio é comum. Daí decidi desenvolver um trabalho alternativo, voltado ao goticismo, para poder me aproximar deles", afirma. Na igreja, Rahal promove algumas vezes por ano shows abertos, nos quais qualquer banda pesada, cristã ou não, pode chegar e dar uma canja. Ele mesmo inicia o evento cantando e tocando uma guitarra distorcida, acompanhado por adolescentes no baixo e na bateria. Toca uma dezena de músicas, quase todas falando de Deus - a exceção é "Pride", do U2, aquela do refrão "in the name / of love", inspirada no líder negro norte-americano Martin Luther King.

Entre as músicas, faz pequenas intervenções evangelizadoras. "A dança das festas da Palestina do século 1 era igual ao punk. É a mesma alegria. Jesus e os apóstolos adoravam festas. Tenho certeza de que, se vivessem hoje, estariam aqui conosco", brada ao microfone para uma paramentada audiência de 50 pessoas, com idade média de 17 anos. "Mesmo que não pense que Jesus foi filho de Deus, ele recebe você assim mesmo", afirma.

O ROQUEIRO

Filho de pastor, Silas Rahal foi um jovem afundado no submundo de Copacabana. Envolvido com drogas, prostitutas e gangues, foi enviado para uma temporada nos EUA. Acolhido por uma família evangélica, se reaproximou da religião. Voltou ao Rio de Janeiro e entrou para a turma dos góticos, tribo urbana que se veste de preto e cultiva costumes obscuros. Tentou combinar as duas coisas, o que lhe valeu atritos no meio evangélico e passagens por várias igrejas. "Só depois de uns dez anos é que consegui me firmar nos ensinos cristãos." Mas faz sua leitura pessoal: "Tenho dentro de mim um Jesus gótico. Aquele que, quando morreu, toda a Terra escureceu, e os mortos saltaram das sepulturas".

Rahal diz que não poderia receber esses jovens numa igreja evangélica tradicional. "Aprendi isso na pele. As pessoas implicavam com as minhas roupas, meu cabelo comprido, minhas gírias. Acho que as igrejas não absorveram as mudanças culturais. Quem perde com isso é a garotada que fica impedida de ouvir a palavra de Jesus", diz. "Fora do Brasil, as pessoas são menos preconceituosas. Nos Estados Unidos, esse trabalho cristão alternativo começou nos anos 1960." O fato é que foi só a partir dos anos 1980 que o crescimento das igrejas protestantes começou a mudar o panorama religioso brasileiro. "Até então, a influência da Igreja Católica era tamanha que, embora houvesse liberdade religiosa no Brasil, na prática ela não tinha concorrentes", diz o antropólogo Luiz Fernando Dias Duarte, do Museu Nacional do Rio de Janeiro. "Hoje temos um cenário religioso verdadeiramente plural."

Edin Abu Mansur, professor do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da PUC-SP, vê nessa pluralização a explicação para o surgimento dessas igrejas voltadas para segmentos específicos da população. "O que identifica esses movimentos é a intenção de criar mensagens específicas para determinados grupos sociais", diz. Ele compara a iniciativa com uma empresa que desenvolvesse produtos de nicho, com demandas específicas. "Tudo em nossa sociedade virou objeto de consumo: a educação, as pessoas e até os afetos. A religião também. Antes as igrejas diziam 'a nossa doutrina é assim, quem quiser que se adapte'. Hoje cada pessoa procura uma igreja que atenda aos seus interesses. As igrejas fidelizam fiéis com um discurso adequado ao que eles querem ouvir."

O professor do programa de ciência da religião da Universidade Metodista de São Paulo, Leonildo Silveira Campos, ajuda a mapear a maneira como essa segmentação ocorreu no Brasil. Ele diz que ainda nos anos 1980 um presbiteriano de nome Estevam Hernandez começou a falar sobre o uso de técnicas de marketing nas igrejas. "Nas suas palestras, falava que as igrejas evangélicas deveriam identificar um foco na população e se aterem a ele. Foi um pioneiro em introduzir essa preocupação no Brasil", avalia Campos.

Postado por: Cristiano Bitencourt

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