Eles receberam pela fé a salvação em Jesus, mas diferentemente da maioria dos crentes, não se consideram convertidos, e sim, "completados" Sua herança religiosa remonta ao início dos tempos bíblicos, mas eles não vivem aferrados às tradições rituais de seus antepassados. E, mesmo que seu povo não considere Cristo como o Salvador, eles têm o coração aberto para o Filho de Deus. São os judeus messiânicos, pessoas que não deixaram de ser o que são por acreditarem que Jesus Cristo ele mesmo, o rabi da Galiléia, que viveu, pregou, morreu e ressuscitou na Judéia conforme narram os evangelhos é mesmo o Messias prometido nas Sagradas Escrituras. Embora ainda não sejam muito numerosos (segundo as próprias estatísticas, eles seriam pelo menos 150 mil em todo o mundo, sendo dois mil deles no Brasil), os judeus messiânicos constituem um grupo influente e que chama a atenção pela maneira como vivem a própria fé. Pode-se dizer que eles são duplamente eleitos: pertencem à nação escolhida por Deus para firmar sua aliança com a humanidade e tornaram-se também filhos do Senhor por intermédio de Yeshua Jesus, em hebraico.
Cercada por muita curiosidade, a fé dos judeus messiânicos chama a atenção dos outros crentes. A começar por certas particularidades. Embora mantenham comunhão com os irmãos de outras denominações, a maioria deles prefere congregar em comunidades bem singulares, onde paramentos e adereços como o talit, espécie de xale usado pelos homens, e a menorá aquele típico candelabro de sete braços podem ser vistos durante os cultos. "Acontece que as peculiaridades de nossa tradição não podem ser expressas plenamente nas igrejas evangélicas convencionais", explica o mineiro Marcelo Guimarães, dirigente da congregação Har Tzion (Ensinando de Sião), fundada há dez anos em Belo Horizonte (MG). Rabino ordenado pelo Instituto Bíblico Netivyah, de Jerusalém, e autor de livros sobre restauração da Igreja do primeiro século, Guimarães lidera uma comunidade com cerca de 600 membros, aí incluídos judeus "completos", marranos descendentes de judeus convertidos à força na Inquisição e uma maioria de não-judeus.
O ministério Ensinando de Sião, que acaba de inaugurar um Centro Avançado de Teologia, fundou ou ajudou a criar sete congregações judaico-messiânicas em vários estados brasileiros. Guimarães lembra que os preceitos e ordenanças da Torá, conjunto de livros que compõem o Pentateuco e contêm a lei ditada por Deus a Moisés, não foram abolidas por Cristo. "Hoje em dia, muito se prega sobre a graça e pouco sobre a obediência aos mandamentos", argumenta o religioso. Marcelo Guimarães diz que nunca houve tantos judeus messiânicos como hoje. Segundo ele, enquanto no Brasil o apoio das igrejas evangélicas é dividido algumas têm resistências, outras não na Europa e nos EUA, o movimento judaico-messiânico é bem respeitado e recebe grande apoio.
Numa congregação judaico-messiânica, como as várias que existem no Brasil, ensina-se os dois testamentos, celebram-se festas judaicas e os cultos, ou celebrações, incluem cânticos em hebraico e em português. É o caso da Beit Sar Shalom (Casa do Príncipe da Paz, em São Paulo), a mais antiga do gênero no Brasil, fundada há 39 anos por Emanuel Woods (ver quadro na pág. 17). O rabino Daniel Woods e a missionária Delores Woods, da Baptist Mid-Mission, deram continuidade ao trabalho do pai. Delores atua em São Paulo, no ministério messiânico desta entidade que tem hoje mais de mil missionários em 50 países. O rabino Daniel revisou a segunda edição do Novo Testamento Judaico, lançada em janeiro de 2008, bem como do Comentário Judaico do Novo Testamento, de David Stern. Um aliado dos judeus messiânicos e dos gentios crentes, esta edição do Novo Testamento visa resgatar a judaicidade do texto bíblico, perdida com tantas traduções dirigidas a não-judeus.
Para ele, o grande desafio do movimento é fazer com que os judeus crentes assumam a fé: "Existem muitos judeus que conhecem Yeshua e freqüentam igrejas ou congregações longe do bairro em que moram, para passarem despercebidos pelas famílias. Até tentam abrir um diálogo, mas têm medo de serem vistos numa congregação messiânica como a Beit Sar Shalom", diz ele. Esse tipo de temor tem motivo. Famílias judaicas tradicionais não aceitam envolvimento com cristãos. Muitos jovens que se casam com gentios ou não-judeus são até deserdados. No caso de uma conversão a Cristo, então, a crise é ainda maior. Na concepção do judaísmo tradicional, o Messias (Mashiach) não é Jesus, mas sim um libertador que ainda estaria por vir, com a missão de reconstruir a nação da Israel e trazer a paz. Assim, o judaísmo messiânico seria apenas um artíficio religioso que disfarça as doutrinas cristãs para torná-las mais facilmente assimilável pelos judeus. A reação judaica ao movimento se faz mais forte no Estado de Israel, que não reconhece os messiânicos como judeus.
"Eis o vosso Deus"
Segundo seus adeptos, o judaísmo messiânico é um movimento que remonta aos primórdios da Igreja Cristã. Ele foi iniciado pelos apóstolos e pela comunidade de judeus seguidores de Jesus. Eram os nazarenos, também conhecidos como "os do Caminho". Nazareno significa "renovo", a haste que se desenvolve na base de certas plantas e que, separadas, podem propagar a espécie numa referência a Cristo e a seus seguidores, conforme o texto de Jeremias 23.5: "Eis que vêm dias, diz o Senhor, em que levantarei a Davi um renovo justo; e rei que é, reinará e agirá sabiamente, e executará o juízo e a justiça na terra. Dentre outros grupos de seguidores de Jesus que defendiam o judaísmo estavam os ebionitas, também conhecidos, no Novo Testamento, como "os da circuncisão".
Devido ao sucesso da pregação do apóstlo Paulo, que levou o Evangelho aos gentios, os ebionitasentraram em decadência. Contemporaneamente, o judaísmo messiânico renasceu em 1885, quando a primeira congregação do gênero surgiu na Moldávia. Em 1911, o termo "hebreu-cristão" apareceu num debate e, na década seguinte, em artigos do jornal da Hebrew-Christian International Aliance, cujo príncipio básico era a conversão de judeus ao Cristianismo. Nos anos 1970, surgiram nos Estados Unidos a Messianic Jewish American Alliance e a Union of the Messianic Jewish Congregations. Destes movimentos messiânicos, o mais conhecido é o ministério Jews for Jesus (Judeus por Jesus), fundado em 1973 pelo pastor batista americano Moishe Rosen, e que chegou ao Brasil em 2002.
O pastor Sergio Danon é diretor-executivo da filial brasileira de Judeus por Jesus, localizada em São Paulo. Entre 2001 a 2006, a campanha evangelística Eis o vosso Deus alcançou 1,7 mil judeus em 55 cidades do mundo. Além disso, mais de 40 mil filhos de Abraão mostraram interesse em conhecer mais sobre Jesus. Atuando em diversas frentes na América Latina, Judeus por Jesus realizou campanhas em São Paulo e no Rio a última delas durante os Jogos Pan-americanos de 2007. Os resultados por aqui foram 15 judeus que se decidiram por Jesus. Danon, um judeu messiânico militante, não tem a preocupação de ser apreciado por quem quer se seja: "Não estamos aqui para fazer marketing, mas unicamente para anunciar o Evangelho de Cristo. Algumas pessoas podem confundir ousadia com agressividade e veracidade com rispidez, mas só nos empenhamos em diálogo com aqueles que queiram falar conosco. A nossa metodologia é moldada segundo os primeiros judeus por Jesus, mencionados no livro de Atos dos Apóstolos. Se somos criticados por isso, estamos em muito boa companhia", justifica.
A família de Sergio é profundamente envolvida com o evangelismo entre judeus. Seu pai, Joseph, era já um cristão quando conheceu o pastor Leonard Meznar, que mantinha o programa de TV Poço de Jacó. Ali, Meznar pregava especificamente para sua gente: "Amigo israelita, não tenha dúvida de que Jesus é o nosso Messias", dizia no ar. Juntos, eles começaram a promover reuniões de estudo da Palavra de Deus, atraindo outros judeus inclusive o próprio Sergio, que entregou sua vida a Cristo e foi batizado. A partir daqueles encontros, surgiu, em 1990, a Igreja Evangélica Beit Lehem (Casa do Pão), no Rio.
Busca pessoal
Chegar aos pés de Cristo, para muitos judeus, é o fim de uma longa busca pessoal. O conhecimento das Escrituras ou, mais especificamente, da "segunda parte", ou Novo Testamento, ignorado pelo judaísmo , foi o caminho para que a professora Ester Roisenberg se convertesse. "Prefiro dizer que fui completada", emenda, com bom humor. Gaúcha, ela se casou com um não-judeu e foi viver no Rio de Janeiro. Então, encontrou pessoas que começaram a lhe falar do Evangelho. "Descobrir que a história continuava no Novo Testamento foi algo novo para mim, pois sequer sabia que Jesus era mesmo judeu", diz. "Eu não queria trair meu povo e meus ancestrais, mas precisava ter minha própria busca. Um dia, tomei uma decisão. Tudo ficou muito claro e fez sentido para mim", lembra.
Membro de uma igreja presbiteriana na Região Metropolitana do Rio, Ester faz questão de praticar a fé em Jesus sem abrir mão de suas origens. Ela procura passar a cultura e as tradições israelitas para suas três filhas na Páscoa, por exemplo, ela celebra a cerimônia à moda judaica, mas sempre lembrando que o verdadeiro Cordeiro de Deus é Jesus. "Para mim, é importante dar valor a estas festas, pois o próprio Senhor, sendo judeu, as celebrou", destaca.
O comerciante Zenon Roizen, de 67 anos, membro da Igreja Missionária Evangélica Maranata, gosta de dizer que foi circuncidado duas vezes. "A primeira foi na carne, aos oito dias de nascido, conforme a tradição; a segunda, espiritual, quando fiz minha aliança com Cristo". Quando jovem, na sinagoga, ele sentia-se insatisfeito e sequer entendia o significado das rezas. "Eu sentia um vazio na alma, diferentemente de meus parentes", conta. Em 1985, sob orientação de Leonard Meznar, passou a aprender a Bíblia, em especial as profecias messiânicas, o que foi determinante para sua conversão: "Conheci algo que não me foi ensinado nas sinagogas, diz. Zenon afirma que é impossível examinar o Antigo Testamento e não enxergar ali a pessoa de Jesus. "Eu descobri que o Messias e Filho de Deus não veio para os religiosos, mas para pecadores como eu". Por isso mesmo, considera-se um privilegiado:
Zenon já esteve em Israel, onde tem alguns primos que vivem em um kibutz espécie de comunidade autônoma onde todos os membros trabalham a serviço do grupo, modelo que conheceu seu apogeu nos anos 1970 e ainda é largamente difundido no país. Embora tenha adorado a viagem pelo seu caráter histórico, religioso e cultural, Zenon não é romântico quando analisa a situação espiritual do povo de Israel. "Quando comecei a analisar o Antigo Testamento, vi que os judeus não eram puros e sem pecados. Infelizmente, não querem conhecer a verdadeira Palavra de Deus. O capítulo 53 de Isaías, por exemplo, não é lido nas sinagogas", diz, referindo-se ao texto em que o profeta fala sobre a obra salvadora de Jesus.
O pioneirismo de Emanuel Woods
Aos nove anos de idade, Emanuel Woods morava em Nova Iorque (EUA) e foi xingado de "judeu sujo". "Você matou Jesus!", gritaram-lhe na rua. Em casa, perguntou quem era Cristo e levou um tapa da mãe. Na época, por volta de 1925, suas irmãs freqüentavam escondidas a casa de rabinos crentes. Cinco anos após iniciar uma dura jornada para "resgatá-las", Woods soube que elas iriam se batizar segundo o rito cristão. Ameaçou então comparecer para afogá-las durante a imersão. Como a cerimônia foi antecipada, ele teve que aceitar a conversão das irmãs, mas não desistiu de provar-lhes que o objetivo daqueles rabinos era enganar os judeus e roubar o dinheiro do povo. Foi a uma igreja ouvir a tal pregação cristã e ali sentiu Deus falando por intermédio do pastor. Surpreendentemente, passou a crer em Jesus.
No seminário, repleto de judeus messiânicos, conheceu aquela que seria sua mulher, também judia. Em 1947, percebeu uma vocação para alcançar judeus refugiados da Segunda Guerra Mundial. Apoiado por duas organizações missionárias voltadas para o segmento, o casal chegou a São Paulo em março de 1951. Ali, instalou-se numa casa alugada e passou a abrigar judeus imigrantes que vinham arruinados da Europa para começar nova vida. Com o tempo, aquele trabalho de ação social cresceu a ponto de formar uma comunidade. Influenciados pelas ações e pela pregação de Emanuel Woods, muitos daqueles judeus abraçaram a fé cristã. Em 1968, surgia a Beit Sar Shalom (Casa do príncipe da Paz), a mais antiga congregação judaico-messiânica do Brasil ainda em funcionamento. Com a morte de Woods, em 1995, seu filho Daniel Woods, hoje rabino, assumiu a direção do ministério.
Por Samuel Averbug
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