Desde 2008, a banda Oficina G3 não lançava nenhum material inédito. E, desde essa época muitos eventos marcaram a vida pessoal de cada integrante, e principalmente a carreira do quinteto. Na carreira, podemos destacar os elogios gerais feitos e premiações ao disco “Depois da Guerra”, que venceu o prêmio de Melhor álbum cristão em língua portuguesa no Grammy Latino, o destaque de Mauro Henrique como novo integrante e vocal, a entrada de Alexandre Aposan como membro oficial em 2011, a #YourTourG3, a gravação e lançamento do D.D.G. Experience, obra audiovisual que recebeu indicação ao Troféu Promessas e recebeu disco de ouro, e por fim os 25 anos de Oficina G3 completados em 2012, conjunto que se mantém ativo desde 1987. Na vida pessoal dos integrantes, podemos destacar o falecimento da esposa do vocalista Mauro Henrique, e outras fatalidades que não convém serem mencionadas aqui.
O uso da bicicleta no título e conceito do álbum é facilmente entendido quando se lê o texto escrito por Duca Tambasco no encarte. O objeto é usado como uma metáfora das fases da vida, e seus encontros, no caso do texto, com o pai. Porém, a própria bicicleta é um objeto de várias interpretações neste contexto, principalmente se comparada as letras das canções.
Após cerca de um ano de mistério, o álbum foi lançado no dia 30 de abril deste ano no iTunes, em seguida nos formatos físicos. O trabalho foi gravado no RAK Studios, localizado em Londres, e foi produzido e arranjado pela própria banda, com a colaboração de alguns músicos e profissionais, como o cantores e produtores musicais Leonardo Gonçalves e Déio Tambasco. Foi masterizado no Sterling Sound em Nova Iorque. Vamos às faixas.
Diz, a primeira faixa do trabalho, em seus primeiros riffs de guitarra indiscutivelmente lembra a canção “Honor Thy Father”, do Dream Theater. Coincidência ou não, a pegada da bateria é firme, pulsante e envolvente ao longo da faixa, desde o momento que se inicia a base instrumental. A interpretação de Mauro Henrique é excelente, porém o que soa de negativo na canção é a falta de um solo de guitarra. Apenas o riff unido ao baixo e a bateria tornou-a cansativa de se ouvir. A letra versa sobre nossas palavras e a inteção do coração. O novo disco da Oficina G3 começa razoavelmente bem, e já deixando várias pistas de como será ao longo deste.
A melhor canção do disco, do grupo de “arraza-quarteirões” de Histórias e Bicicletas é Água Viva. Excelente em todos os aspectos: letra bem articulada e interpretada, métrica agradável, e principalmente arranjos que ‘casam’ perfeitamente com os versos da faixa, principalmente o refrão marcante. Destaque para os vocais de apoio, formados pelo baixista Duca Tambasco com o guitarrista Juninho Afram, e o peso do baixo no instrumental, mais notável que no DDG, em que este ficou apagado. No final, um belo solo de piano, que representa o momento de calmaria, alívio, o abraço de Deus pedido no refrão que encerra muito bem Água Viva.
Seguindo uma “lógica” encontrada coincidentemente na maioria dos álbuns da Oficina G3, a terceira canção é mais leve que as anteriores. Também mais poética que as anteriores, Encontro traz um tema comum, mas com uma articulação letrística excelente: a união entre pessoas. Ainda há a participação de Roberto Diamanso com um poema em cordel, o que dá um ar de diferença na canção. Os toques do violão e os efeitos eletrônicos do teclado preencheram de maneira suave o arranjo.
Confiar, single do disco é uma canção interessante, principalmente pelo rótulo de “música de trabalho” que traz, isto porque a maioria dos singles lançados em nosso gospel nacional atualmente são canções fracas em todos os sentidos. Letras e ideias batidas, arranjos monótomos, algo bastante pegajoso para atrair a maior quantidade de público em menor tempo. A sensação ao ouvir Confiar é completamente diferente. Uma canção radiofônica e leve, porém com muito conteúdo. Letra poética, bem articulada e que não se prende a bobas repetições e clichês evangélicos, arranjos muito bem elaborados, principalmente o solo de guitarra por Juninho Afram cheio de feeling e virtuosismo, e múltiplas influências musicais que enriquecem o conteúdo da faixa, uma das melhores. Sua letra versa a nossa peregrinação nesta Terra, enfrentando as dificuldades, vivendo o hoje se preparando para a Eternidade. Temática interessante.
Voltando ao peso, Não Ser começa com um pulsante riff de baixo, e uma pegada furiosa na bateria. É a canção que, particularmente lembra mais o álbum Depois da Guerra, tanto instrumentalmente quanto em sua temática letrística. O vocal de apoio por Duca e Juninho mais uma vez se faz bem presente, e como não dizer da interpretação de Mauro e os marcantes guturais de Jean, que tanto se destacaram no álbum anterior? Na medida certa.
Compartilhar é mais uma das canções mais autobiográficas do disco, transformada em poesia, versando sobre a multiplicidade de sentimentos e constantes experiências humanas exemplificando-se no nascimento e morte, e o controle de Deus em relação a todo este contexto. No instrumental, podemos destacar a sonoridade do teclado, lembrando o álbum Indiferença, contribuindo no peso progressivo e o solo de guitarra, um dos melhores do CD.
A sétima faixa possui um detalhe especial. Foi escrita pela falecida esposa de Mauro Henrique em parceria com o cantor. Descanso é a canção do repertório que pode ser equiparada à “Incondicional” pela condução do arranjo, porém possui suas particularidades. Gostei da pegada progressiva, e dos backs. Dentre as canções leves, é a que mais me agradou.
Aos pés da Cruz, hit de Kleber Lucas recebe uma versão a altura da qualidade da composição, canção que já fez parte do setlist de shows da banda, e foi cantada pelo vocalista Mauro no enterro de sua esposa. A letra mostra uma dependência e esperança em Deus em meio a momentos ruins, declarando, em outras palavras que Ele é a rocha na fraqueza.
Sou Eu traz uma pegada bem alternativa, lembrando também a vibe do CD Além do que os Olhos Podem ver, com uma melodia cheia de nuances e com virtuosismo vocal por Mauro Henrique, tendo uma letra versando sobre a guerra interior do ser humano e a dependência de Deus. É contagiante o trecho “não importa para onde eu vá, importa que eu reconheça que preciso de você”, principalmente com os toques do teclado, e a base instrumental em seguida.
A melhor faixa do CD em minha opinião, e também dentre as melhores baladas que a banda produziu em sua carreira é Lágrimas, com participação de Leonardo Gonçalves, que embora seja um excelente intérprete não teve seus vocais tão valorizados o quanto deveria. Por outro lado, este ponto não tirou o mérito da canção, que se destaca pelo seu instrumental experimental. Sem solos de guitarra, mas com belos toques de teclado por Jean Carllos, e uma letra reflexiva, poética e bastante realista, enfatizando sobre as fases da vida, seus pontos positivos, negativos, a presença de Deus que nos quebra e molda como vasos e ao fim o peso gradativo da sonoridade ali, que lembra a transição da vida terrena para a eternidade, a qual os intérpretes duetam muito bem.
Save me from Yourself fecha o álbum. Inicialmente, é um bom cover, mas sem o “brilho” das faixas anteriores, até que, na parte instrumental aparece o solo de guitarra do Juninho Afram, o melhor do álbum. E o peso na sonoridade, aos poucos desaparece, tendo somente o som do arcordeão, e os vocais de Mauro. O que parecia uma canção inadequada para terminar um disco acabou surpreendendo.
Faço agora minhas considerações gerais acerca de Histórias e Bicicletas. Apesar do peso de Depois da Guerra não alcançado, este novo trabalho se sobressai em muitos pontos, a começar pelas composições, que melhoraram bastante desde “Além do que os olhos podem ver” e hoje mostra a evolução letrística da banda. A complexidade das letras, ao mesmo tempo obriga ao ouvinte a ouví-lo mais vezes, com maior atenção para que se entenda o conceito e a proposta do disco, que é, em pequenas palavras trazer um contexto atual do ser humano atual, ao qual sua individualidade, vazio, solidão e dependência de Deus se fazem como destaques. Isso é claramente notado, na canção “Sou eu” por exemplo, enfatizando o conflito pessoal, ao qual nossa realidade interior muitas vezes é rejeitada, ou mascarada por conta de nossa vaidade.
No quesito técnico, Histórias e Bicicletas pode soar inferior ao Depois da Guerra, que apresentou uma banda agressiva, virtuosa e inédita diante de tudo o que a Oficina havia produzido anteriormente a aqueles 20 anos. Neste novo trabalho, o grupo seguiu a pegada progressiva, porém mesclando uma vertente alternativa. Não encaro isso como negativo, pois as canções mais leves do repertório são de alto nível, por exemplo. Outro detalhe realmente interessante é o destaque de cada instrumental. Como citei anteriormente, em Depois da Guerra o baixo ficou apagado, diferentemente nesta obra. O teclado de Jean teve uma participação fundamental, assim como a bateria de Aposan.
O que realmente vi de negativo no trabalho foi a capa não conter o nome da banda, embora o encarte, feito por Jean Carllos e Hugo Pessoa seja muito bom, principalmente as frases transmitidas em imagens e o belo texto de Duca Tambasco.
No geral, o novo CD da Oficina G3 exala algo que está em pouca quantidade nos trabalhos nacionais de música gospel: uma contextualização de nossa fé com o mundo atual, e principalmente uma alta qualidade não só técnica, mas letrística. Um álbum equilibrado para fazer a diferença e fazer 2013 como um ano bom para o rock cristão brazuca.
- Tiago Abreu