Apuarema amarga o peso da pior nota na educação do País

Apuarema amarga o peso da pior nota na educação do País

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:15

Para garantir ensino de excelência, município precisa mudar práticas pedagógicas Há pouco mais de um mês, a pacata cidade baiana de Apuarema, localizada a 346 quilômetros de Salvador, ganhou projeção nacional. O até então desconhecido município de 7,6 mil habitantes, inclusive para os baianos, virou notícia no País.

O motivo, no entanto, envergonha os apuaremenses: a cidade obteve a pior nota no índice que mede a qualidade da educação brasileira. Professores, diretores, gestores e a comunidade do município ainda tentam entender a média tão baixa: 0,5. A escala varia de 0 a 10.

Três anos depois da criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) pelo Ministério da Educação, Apuarema passa por um processo que outros municípios já vivenciaram. O susto causado pela notícia do fracasso. A nota baixa de Apuarema foi dada às séries iniciais (1ª a 4ª) do ensino fundamental em 2009. Representa uma enorme queda em relação à última avaliação, em 2007. Naquele ano, a média ficou em 2,7. Nas séries finais (5ª a 8ª), a situação é um pouco melhor, mas longe da ideal: 2,0. O MEC esperava que o município alcançasse 2,3 nesta fase.

O fato é que, desde o lançamento do Ideb, a vida escolar de Apuarema pouco mudou por causa dele. A falta de conhecimento sobre o índice é tão grande, mesmo entre os educadores, que a Secretaria Municipal de Educação não percebeu erros de informação repassados ao Censo Escolar.

Para chegar à nota final no Ideb, o órgão responsável pelas avaliações do MEC, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) utiliza os dados informados pelos próprios municípios sobre quantos alunos foram aprovados em cada série e as notas que os estudantes da 4ª e da 8ª séries tiraram em exames de português e matemática aplicados a cada dois anos, a Prova Brasil.

Durante conversa sobre o assunto com o iG , representantes do MEC identificaram que o responsável do município por colocar os dados no sistema de Censo Escolar registrou uma taxa de aprovação na 1ª série de 3,1%. Um valor muito menor do que em 2007, quando haviam registrado 65% nesta série. Com isso, a média ficou toda comprometida. O próprio ministério entrou em contato com o município para que eles corrijam o erro. Eles não haviam solicitado nenhum tipo de revisão.

Obstáculos

A média de Apuarema deverá subir, mas não o bastante para colocar o município entre os que conseguem garantir educação de excelência. As pessoas de Apuarema, que está em uma região de Mata Atlântica, não possuem muitas oportunidades de trabalho. Até a década de 1980, as fazendas produziam cacau e contratavam muitos trabalhadores. Hoje, o maior empregador do município é a própria prefeitura. Não há espaços culturais na cidade. Tampouco quadras de esporte (só uma, que precisa de reformas).

É difícil imaginar que o ensino de qualidade vá chegar rapidamente a um município em que grande parte das famílias sobrevive graças ao Bolsa Família. Hoje, 1,2 mil famílias recebem o benefício. Outras 200 estão cadastradas, esperando na fila por uma oportunidade.

Valdete Borges da Silva, 44 anos, pai de Wellington Borges da Silva, de 11 anos , e mais dois filhos, diz que “não tem como reclamar do governo e da escola”. Beneficiado pelo programa e outros de assistência social do município, ele acompanha de perto o desempenho das crianças. “Primeiro, por causa da merenda, que é ótima. Os professores também são atenciosos. Estou satisfeito”, afirma.

A primeira biblioteca municipal foi aberta há apenas dois meses. Livraria só é encontrada a 50 quilômetros de lá, na cidade de Jequié. Apenas um colégio dos três avaliados no Ideb possui biblioteca e laboratório de informática. Os três também precisam de laboratórios de ciências e quadras de esporte. Os professores – 25% dos 130 docentes da rede municipal ainda não possuem graduação – também precisam de cursos regulares para reciclar conhecimentos. O único momento em que discutem as próprias práticas e trocam experiências com os colegas é no início do ano, quando realizam um encontro com professores, coordenadores e diretores.

O município precisa criar avaliações sistemáticas dos alunos e estratégias para superar deficiências. Uma ação que pais, professores e gestores consideram essencial, por exemplo, ainda não pode se tornar realidade por falta de recursos: aulas de reforço. Hoje, as famílias – maioria não-escolarizada – têm de buscar ajuda sozinhas.

Victor Wagner Bittencourt dos Santos, de 9 anos, sente muita dificuldade com a subtração. Para aprender matemática, “a matéria mais difícil da escola”, Victor precisa de ajuda. O jovem estudante mora com a avó, que é aposentada e, aos 65 anos, está começando a “conhecer” as letras.

Os tios, que também moram na casa com mais três crianças, trabalham o dia todo. A saída encontrada pela avó foi pedir a um conhecido que dê uma ajuda. “Eu vou de segunda a quinta. Agora estou aprendendo mais. Quero ir para a faculdade, ser um médico para ajudar as pessoas”, conta.

O olhar triste e sério de Victor revela a responsabilidade de um menino que já tem a consciência de que só terá uma vida melhor e diferente da que possui se estudar. “Ele não gosta de ficar na rua. No sábado, me ajuda. Compra carne e verdura”, conta a avó, Edilza Maria de Jesus. 

Com orgulho, o estudante da 4ª série do ensino fundamental mostra a caixa de papelão onde guarda alguns de seus maiores tesouros. Os livros que recebe da escola e os cadernos comprados pela mãe. “Eu não tenho livro de história, mas leio na escola. Gosto muito de ler”, garante. 

As tarefas são feitas por Victor no colo mesmo, sentado no sofá da sala. Não há espaço adequado para estudar na pequena casa de dois quartos. Ninguém precisa mandá-lo fazer as tarefas. “Faço muito texto para melhorar minhas notas”, diz.

Primeiros passos

Desde que assumiu a Secretaria Municipal de Apuarema, em janeiro de 2009, Zaira Dias dos Santos Silva, professora de língua portuguesa e ex-diretora da Escola Aurino Nery de Souza – única da sede do município a oferecer séries finais do ensino fundamental – diz que tenta compreender programas do governo federal e “ajeitar” a casa.

Apuarema não possuía representantes que fiscalizassem os projetos educacionais ou os gastos feitos com a área no município. O Ministério da Educação exige controle social de projetos e recursos para que os municípios participem de programas que liberam verbas extras.

Havia integrantes do Conselho Municipal de Educação, por exemplo, que sequer sabiam que faziam parte de algum grupo. Por causa disso, a verba de programas do MEC ficou bloqueada alguns meses. Para voltar a recebê-las, a secretaria teve de eleger conselhos e arrumar a prestação de contas.

“As coisas estão evoluindo. Os professores estão procurando formação, mas esse ainda é um problema. Sabemos que os problemas da educação não serão resolvidos pela escola sozinha. Estamos buscando saídas e aceitando todo tipo de ajuda”, afirma a secretária de Educação do município, Zaira Dias dos Santos Silva.

Zaira precisa honrar alguns compromissos firmados com o MEC em gestões anteriores. Na primeira divulgação do Ideb, os municípios que ficaram com as notas mais baixas passaram a receber ajuda financeira e técnica do ministério, desde que houvesse um plano de ações que garantisse evolução educacional.

Os diretores das escolas, por exemplo, têm de passar a ser eleitos. Hoje, a secretaria indica os ocupantes dos cargos. Só no ano passado, as escolas começaram a discutir os próprios projetos políticos pedagógicos. Esses documentos reúnem as regras, os objetivos e as metas de cada colégio. É ele quem orienta o trabalho no dia a dia, mas apenas uma o concluiu até hoje, a Escola Municipal Aurino Nery de Souza.

Em 2009, as escolas ganharam coordenadores pedagógicos. Até então, os professores não contavam com a ajuda desse profissional para discutir as dificuldades de aprendizado dos alunos e planejar as aulas. “Quando vejo que um aluno está com dificuldade, converso com a coordenadora e busco uma alternativa. Os alunos têm vontade de aprender”, comenta a professora Irailda Santos Nascimento de Jesus, 34 anos.

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