Aulas pararam, mas serviços essenciais foram mantidos, como limpeza

Em greve, professores da UFABC cobram trabalhos de alunos

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:11

Pela primeira vez participando de uma greve, alunos da Universidade Federal do ABC (UFABC) relataram ao G1 nesta segunda-feira (16) que, mesmo com a paralisação atingindo todas as aulas da graduação, há professores cobrando a entrega de trabalhos. "Está tendo listas em algumas matérias, [são exigidas] listas de exercício", afirma Adamarys Regina Freire, de 20 anos, estudante do segundo ano de bacharelado em Ciência e Tecnologia.

Ela e seus colegas não revelaram quem são os docentes. A jovem conta também que as atividades de pesquisa, como iniciação científica, não foram paralisadas, pois dependem dos prazos e bolsas de instituições como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para ocorrer.
Professores e funcionários da UFABC decidiram, em assembleia, paralisar as atividades para exigir reajuste salarial e reestruturação da carreira. A greve dos professores começou no dia 5 de junho, e a dos servidores no dia 11, segundo o presidente da Associação dos Docentes da UFABC (ADUFABC), Armando Caputi.


"A adesão é de quase 100% [dos docentes]. Na graduação é de 100%, porque foram suspensas as aulas", ressaltou Caputi, professor de matemática na universidade desde agosto de 2006. "Uma vez que houve a deflagração da greve, depois de duas semanas a UFABC suspendeu suas atividades, no intuito de preservar os alunos."
O próprio Conselho Universitário, instância máxima de decisão na UFABC, decidiu pela suspensão de aulas e aprovou uma nota de apoio aos grevistas, no dia 19 de junho. O documento convidava os ministérios da Educação e do Planejamento a aproveitar o momento como uma oportunidade para construir um sistema de ensino superior "que acompanhe o desenvolvimento do Brasil".


Atraso no calendário
Adamarys se diz favorável à greve e seus motivos, mas ressalta que os alunos estão sofrendo com a interrupção do ano letivo. "Vai atrasar [o calendário], a gente vai ser muito prejudicado com esse tempo que está sem aulas. Mas se for pelo acordo [dos docentes com o governo federal], vai valer a pena", afirma.

O G1 percorreu salas e corredores da UFABC e constatou que apenas serviços essenciais continuavam funcionando, como limpeza, segurança do prédio, restaurante universitário (usado para alimentação dos alunos) e secretaria acadêmica. Aulas de dança, de esporte e um cursinho popular mantido pelos alunos da instituição eram dadas nesta segunda-feira.


Estudantes conversavam sobre a greve antes de uma assembleia realizada na noite desta segunda. Para Daniel Ribas Cardoso, de 19 anos, as férias devem ser usadas para repor as aulas perdidas. O calendário só deve ser regularizado em um ou dois anos, na sua opinião. "Nada foi decidido ainda sobre a reposição, vai ser discutido em assembleia", disse Daniel. "Mas estimativas preliminares apontam que vai ter pelo menos dois anos sem férias para repor tudo."
A paralisação dos alunos é em solidariedade ao movimento grevista dos professores, afirma Lucas Fernando Muniz Relvas, de 20 anos, estudante de bacharelado em Ciência e Tecnologia. "O plano de carreira deles já foi discutido pelo governo, mas não saiu do papel. Tem outras questões, como faculdades federais que estão em condições horríveis, como a UFSC [Universidade Federal de Santa Catarina]", afirma.
Tanto Lucas quanto seu colega de iniciação científica, Daniel, são a favor da greve. Eles comentam que houve atraso nas obras da UFABC, mas que não se compara à falta de infraestrutura em outros locais, como no campus da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em Guarulhos. "Aqui [na UFABC] é novo. O campus saiu atrasado, mas é novo ainda", disse Daniel. "A gente é muito privilegiado em termos de infraestrutura, se for comparar", ressaltou Lucas.


Proposta do governo
Uma assembleia de docentes vai ser realizada na manhã desta terça-feira (17) para decidir sobre a proposta de reestruturação da carreira apresentada pelo Ministério do Planejamento. As hipóteses são votar pelo fim ou não da greve e sobre aceitar ou não a proposição do governo. A tendência, segundo sete professores de diferentes áreas ouvidos pelo G1, é de manutenção da greve e rejeição da proposta do governo federal.

O israelense Yossi Zana, professor de neurociência da UFABC, afirma que a proposta do governo prevê apenas a reposição salarial com relação à inflação, sem nenhum ganho real para a remuneração dos docentes. "Nosso salário é o mesmo desde 2010, se não me engano. Teve um aumento de 4% em junho deste ano e nenhum compromisso de aumento maior. Levando em conta que 2010 para hoje, tivemos 14% de inflação. É pouco", disse.
Zana ressalta que, para os próximos três anos, a previsão de inflação do mercado é de cerca de 20%. "Queremos reposição mas também valorizar a carreira em vários aspectos, uma delas é o salário, remunerar mais do que hoje. Comparativamente com outras carreiras, o salário é quase metade", completa.


A recomendação dada pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) é de que as universidades rejeitem a proposta do governo federal apresentada na sexta-feira (13). Em documento publicado na noite deste domingo (15), o Andes enviou encaminhamento aos sindicatos das instituições para que recusem a proposta, mantenham a greve e intensifiquem a mobilização local dos professores, além de "radicalizar as ações da greve, ampliando a paralisação das atividades e desmascarando a proposta do governo".


Os sindicatos locais deverão enviar o resultado das assembleias ao Andes até as 19h de sexta-feira (20).


Entenda a proposta do governo federal
A proposta do governo federal, que entraria em vigor a partir de 2013, reduz de 17 para 13 os níveis da carreira, como forma de "incentivar o avanço mais rápido a busca de qualificação profissional e dos títulos acadêmicos". Segundo o documento elaborado pelo Andes, a proposta apresentada pelo governo, apesar de reduzir os níveis, mantém, na estrutura, a hierarquização vertical em classes. "O governo insiste em uma classificação hierarquizada, com ou sem distintas denominações, para o exercício de atividades da mesma natureza, com a mesma descrição de funções e a mesma finalidade. Com isso, cria barreiras impeditivas à evolução até o topo da carreira", diz o texto.


Em nota, o ministério afirmou que "todos os docentes federais de nível superior terão reajustes salariais além dos 4% já concedidos pela MP 568 retroativo a março, ao longo dos próximos três anos". Pela proposta, o salário inicial do professor com doutorado e com dedicação exclusiva será de R$ 8,4 mil. Os salário dos professores já ingressados na universidade, com título de doutor e dedicação exclusiva, passarão de R$ 7,3 mil (valor referente a fevereiro) para R$ 10 mil. Ao longo dos próximos 3 anos, ainda de acordo com a proposta do governo, a remuneração do professor titular com dedicação exclusiva passará de R$ 11,8 mil (salário de fevereiro) para R$ 17,1 mil. O aumento, neste caso, é de 45%.
Para o Andes, um dos problemas da oferta de reajuste é que o aumento de 45% só beneficia os professores com doutorado e em topo de carreira, que são uma parcela pequena do total de servidores.

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