Burocracia emperra obras de escolas indígenas, diz secretário do MEC

Burocracia emperra obras de escolas indígenas, diz secretário do MEC

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:51

Um terço das 2.765 escolas indígenas do país funciona em situação precária, segundo Gersem Baniwa, coordenador-geral da educação escolar indígena da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação.

De acordo com Baniwa, o ministério construiu cem escolas indígenas por ano nos últimos anos, mas ainda há por volta de mil escolas em condições ruins. A burocracia é o maior empecilho para a construção das escolas, segundo o secretário. "Temos recursos", diz.

Diria que os dois pilares da ação programática do MEC hoje são a formação e a infra-estrutura. Nós sabemos que um terço das escolas no Brasil ainda tem essa precariedade de infra-estrutura, portanto é a prioridade adotada. O grande problema é que o déficit, a demanda reprimida, é muito grande. Nós temos construído, nos últimos anos, acima de cem escolas por ano. Só que é um número pequeno para o tamanho da demanda, que ainda está acima de mil. Estamos fortalecendo cada vez mais. Até o ano passado, nós priorizamos financiamento aos estados para construir escolas. Ocorre que esses processos de construção são extremamente lentos pela dificuldade da nossa burocracia. Os estados não conseguem vencer com tranquilidade o processo de licitação. Como se tratam de áreas remotas, as empresas dificilmente conseguem dar conta de construir escolas. Devido a essa dificuldade, há uma disputa grande entre as empresas que ganham a licitação. Geralmente, a Justiça derruba a qualquer momento, uma, duas, três vezes o processo de licitação. Tem uma série de dificuldades absolutamente da norma, da lei brasileira, que dificultam.

Como mudar essa situação?

Esse ano, nós vamos abrir essas construções por meio dos municípios, dos sistemas de educação. A gente vai ter então estados e municípios construindo. Estamos estudando a possibilidade de acionar órgãos do governo federal para ajudar nessas construções em algumas regiões mais remotas. Talvez, por exemplo, a própria Funai (Fundação Nacional do Índio) ajudar a construir. Talvez o Exército, o Ministério da Defesa, ajudar nessa construção. O que quero dizer é que temos uma política firme de financiamento para construção de escolas. Tem esse recurso. Nosso ministro (da Educação, Fernando Haddad), nosso secretário executivo (José Henrique Paim Fernandes) tem deixado muito claro que tem recurso para resolver essas construções. Mas nós temos que resolver essas dificuldades de ordem puramente administrativa para avançar na solução desses problemas de infraestrutura.

O que o MEC pretende renovar na educação indígena?

É todo esse processo de reestruturação da política. Estamos fazendo uma revisão das diretrizes, porque foram feitas há mais de quinze anos. As práticas e debates avançaram muito. As diretrizes precisam ser atualizadas. Não temos ainda diretrizes que orientam algumas modalidades, como o ensino médio. A própria formação de professores carece de norma mais específica, orientadora a nível nacional. A gente tem, por um lado, a riqueza da diversidade, mas, muitas vezes, a diversidade significa baixa qualidade. A segunda avaliação é a própria política, da formação de professores, da infraestrutura. Vamos precisar criar políticas novas para atender realidades bem específicas, como de povos indígenas quase sem contato, que são nômades. Não pode construir escolas fixas. Seria um erro. Tem que pensar uma escola que tenha dinâmica própria de acordo com essa cultura do nomadismo. Precisa atender comunidades indígenas que estão longe, na cabeceira dos rios, nas terras, nas montanhas, onde a política governamental nunca chegou. Estamos fazendo esses estudos e usando uma ferramenta criada no ano passado para pensar políticas territorializadas. Quem são esses povos, nível de contato, contexto, demandas. Vai formulando e implementando políticas específicas para esses povos. É totalmente novo.

Muitas das escolas indígenas vão mal em avaliações como o Índice da Educação Básica (Ideb) e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O MEC estuda avaliações diferenciadas?

A curto prazo vão continuar fazendo. Entendemos que esses exames, de certo modo, têm utilidade para eles. Eles querem continuar fazendo. O que precisa entender é que essas provas só avaliam o acesso ao conhecimento não indígenas, que muitas vezes é a parte menor que veículam dentro da escola. Precisa criar complemento disso, que avalie outros conhecimentos que trabalham na escola. Vamos estar nos próximos três, quatro, cinco anos para criar sistema de avaliação própria, que avalia as duas perspectivas, os conhecimentos universais e os tradicionais. Nunca será a contento esse sistema de avaliação enquanto avaliar apenas o acesso ao conhecimento universal, proque não trabalham apenas isso. Segundo, enquanto não forem bilíngues, porque os alunos aprendem na língua deles. Merece adaptação, mas de todo modo esses exames não são ruins. Só não avaliam na totalidade aquilo que, de fato, as escolas indígenas trabalham de acesso ao conhecimento.

Qual é o objetivo do programa de formação de professores indígenas, o Prolind?

O Prolind é um programa de formação de professores indígenas. Pretende ter a cobertura nacional. Tem uma linha pedagógica própria. É formado na linha da nova legislação e das normas atuais, de uma educação própria, diferenciada, bilíngue e intercultural. Não é qualquer formação. É uma formação específica, para professores indígenas, que vão trabalhar como professores bilíngues e na perspectiva da educação diversa, intercultural. Primeiro, essa linha pedagógica é uma linha inovadora na política brasileira. Segundo, para formar professores indígenas, que tem muito a ver com a política adotada pelo Ministério da Educação, que é uma educação própria, que, ao longo do tempo, tem que estar cada vez mais sob a responsabilidade dos próprios povos indígenas, desde a gestão, o planejamento, a prática pedagógica. Tudo isso precisa estar sendo transferindo para a responsabilidade dos próprios professores, gestores e administradores indígenas. Tem esse viés político, que é trabalhar uma educação em que os próprios índios são protagonistas, sujeitos. Não só como receptores dessa educação, desses instrumentos de ensino e aprendizagem, mas que eles próprios construam esses processos próprios de ensino e aprendizagem deles, a partir da cultura, da tradição, daquilo que querem preservar, como identidade, língua, tradições e culturas. E definam o que querem incorporar do mundo não indígena, do mundo branco, que julgam valioso, importante, necessário para a vida atual deles.

Como formar sete mil professores em seis anos?

A gente tem avançado bastante nessa direção. Bastaria, nos próximos seis anos, a gente introduzir um pouco mais de mil professores por ano nesses programas, o que não é uma tarefa tão difícil, para atender essa demanda na totalidade. Considerando também, que além desses programas do Prolind, existem outros cursos ofertados regularmente pelas universidades públicas, principalmente federais. Não é uma meta difícil. Tem uma política firme no Ministério da Educação, na Secad em especial, para formar esse professor que não é especificamente preparado para trabalhar com toda a educação básica.

Por Fernanda Nogueira

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