Calouros precoces: e agora?

Calouros precoces: e agora?

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:14

Fernanda Portella de Almeida e Guilherme Carvalho Stefani, ambos de 17 anos, vivem momentos de satisfação, alívio e reconhecimento. Há 10 dias, receberam uma notícia que os tornaram privilegiados: foram aprovados no vestibular da Universidade de Brasília (UnB). O detalhe é que eles ainda não haviam concluído o ensino médio. Há muitas coincidências entre as trajetórias de Fernanda e Guilherme. Além da idade, os dois são estudantes do Colégio Militar de Brasília e ainda cursavam o 3º ano do ensino médio quando se inscreveram para o vestibular da única instituição federal de Brasília. Escolheram dois dos cursos mais disputados da instituição: direito e medicina.

Fernanda saiu do último dia do vestibular, 18 de julho, sem esperanças. As provas difíceis a desanimaram. Corrigiu os testes a partir do gabarito e continuou desiludida. Quando decidiu comparar as próprias notas com as dos colegas, porém, tudo mudou. Voltou a acreditar que uma das 48 vagas do curso de direito, disputadas por 924 candidatos, poderia ser dela.

Guilherme, por sua vez, ficou em dúvida se o esforço feito no primeiro semestre teria sido recompensado porque não completou todos os itens do segundo dia de provas. A partir da divulgação do gabarito oficial, no entanto, ficou confiante de que tinha conseguido uma das 29 vagas de medicina, cada uma disputada por 84 candidatos. Ele ficou em 3º lugar geral no vestibular. Aprovados em cursos tão concorridos, os estudantes não têm dúvidas de que os três últimos meses de aulas no ensino médio perderam o sentido. “Para passar no vestibular, tive de estudar toda a matéria do ensino médio. Não acho que esse período de aulas vai me fazer falta”, pondera Guilherme. Maturidade para encarar uma universidade, segundo eles, também não falta. “Estou tranquila. Muita gente entra na universidade nessa faixa etária, mesmo. Foi muito bom ter passado. É um alívio não precisar mais ir para a escola ou o cursinho”, analisa Fernanda.

Com o apoio dos pais, Guilherme e Fernanda solicitaram avanço de estudos na escola. O Colégio Militar prevê a possibilidade de antecipar a entrega do diploma de ensino médio para estudantes que passam no vestibular no meio do 3º ano em uma portaria assinada pelo comandante do Exército e válida para todas as unidades do País. Para solicitá-la, o candidato precisa cumprir as seguintes regras: estar com todas as notas acima da média da escola (nota 5,0), ter bom comportamento (no Colégio Militar, ele também é medido em nota e precisa ser de mais de 6,0) e, por fim, ter 75% de freqüência nas aulas. Segundo o coronel Bandeira, metade dos 450 estudantes foi liberada.

O que diz a lei

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que regulamenta a oferta de ensino no País, prevê, no artigo 24, a “possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado”. Mas não detalha regras ou períodos em que isso possa acontecer. De acordo com o documento, as escolas têm autonomia para fazer esta análise.

Os Conselhos Estaduais de Educação poderiam dar orientações aos colégios, mas não é uma prática recorrente. No Rio de Janeiro, não há esse tipo de regra e cada escola adota o critério que achar melhor para deixar os estudantes avançarem. Em São Paulo, a antecipação de diplomas não é permitida, segundo a Secretaria Estadual de Educação.

No Distrito Federal, o Conselho de Educação local criou uma resolução para orientar o sistema educacional, na qual estão as regras que as escolas da cidade devem seguir caso optem por conceder o avanço de estudos. Os colégios têm autonomia para adotar ou não a medida, que deve estar no regimento.

Somente os alunos do 3º ano podem solicitar o diploma do ensino médio antecipadamente. Precisam ter cursado o primeiro semestre letivo na escola, ter todas as médias (de cada disciplina) acima de 8,0 e ainda passar por uma prova com o conteúdo do semestre ainda não cursado. Nela, o aluno terá de alcançar a média da escola para as provas.

Com base nessa norma, a escola onde estuda Júlia Mezzomo de Souza, 17, não concedeu o avanço à aluna. Júlia obteve médias superiores a 8,0 em todas as disciplinas. Exceto uma: língua portuguesa, na qual ficou com 7,9. Mesmo depois de recorrer a todas as instâncias da escola, inclusive o Conselho Escolar, que tem de avaliar cada caso, ela não conseguiu autorização para fazer a prova que poderia lhe garantir o diploma. Júlia, que adora a escola, conta que não acreditou quando soube que havia conquistado uma vaga no curso de direito. Ela conhecia as normas do colégio, o Centro Educacional Sigma, para antecipação do diploma, mas não imaginava que 0,1 ponto faria tanta diferença. “Fundamentei recursos contra questões da prova, mas não me deram uma justificativa. Eu queria a chance de fazer a prova”, lamenta.

Os pais, Odete e José Derli de Souza, contam que decidiram procurar a Justiça depois de terem esgotado as tentativas na escola. “Não queremos benefícios para a minha filha. Ela é nova, é capaz, pode passar de novo. Mas será que 0,1 ponto é suficiente para dizer que ela não é capaz? E nós não sabemos se ela passaria na outra prova. Queríamos essa chance”, desabafa Odete. O juiz que analisou o pedido de Júlia entendeu que ela deveria continuar na escola.

Carlos Artexes Simões, diretor de Concepções e Orientações Curriculares da Educação Básica do Ministério da Educação, esclarece que a permissão de avanço foi criada para casos excepcionais, de jovens com altas habilidades. “Não existe caráter de progressão pra cumprir critério de acesso. Não devemos estimular essa saída precoce do ensino médio, isso não fortalece a formação dos jovens”, afirma.

Para Artexes, a saída antecipada do ensino médio por causa da aprovação em vestibulares reduz o papel da última etapa da educação básica. “Ela deveria ter um caráter formativo, que não é preparação para o vestibular apenas”, comenta. Clélia Alvarenga Brandão, integrante do Conselho Nacional de Educação, acredita que a pressa pode prejudicar o próprio desenvolvimento do estudante. “Nem sempre a urgência corresponde à maturidade e ao desenvolvimento humano da criança”, diz.

Cedo ou não?

Álvaro Domingues, diretor do Sigma e do Sindicato das Escolas Particulares do DF, argumenta que a escola segue fielmente os critérios da legislação. “A lei é para atender casos excepcionais. Nós trabalhamos de acordo com ela. Acho que, muitas vezes, o aluno imagina estar ganhando ao entrar mais cedo na universidade, mas se ele fica mais alguns meses na escola, consolida conhecimento e formação”, defende.

Para a especialista em desenvolvimento humano, professora do Instituto de Psicologia da UnB, Angela Branco, mais importante do que o tempo que os estudantes estão “pulando” é a maturidade de cada um. “Seis meses não é um período tão significativo. Muitas vezes, estudantes entram mais velhos e ainda despreparados para a universidade. A clareza vocacional é muito relativa” analisa.

Angela acredita que é preciso conversar com o adolescente, saber se ele está certo do que quer, refletir. “É preciso pensar direitinho se essa é uma boa opção. Cada um tem um ritmo. Os pais não devem antecipar etapas, iludidos com a idéia de que quanto mais cedo melhor. Nesse caso, acho que a preocupação deve ser a qualidade da formação e a maturidade de cada um”, opina a psicóloga.

Postado por: Thatiane de Souza

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