CGU investiga 100 denúncias sobre fraude na merenda escolar

CGU investiga 100 denúncias sobre fraude na merenda escolar

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:51

A Controladoria-Geral da União (CGU) tem atualmente 100 ações de fiscalização em andamento no país envolvendo denúncias de fraude na merenda escolar, segundo informações obtidas pelo G1 com o órgão. As denúncias partiram de diversas fontes, como integrantes de Ministérios Públicos, Polícia Federal, parlamentares, vereadores e cidadãos comuns.

A CGU afirma, no entanto, que não pode fornecer detalhes a respeito das ações, como as cidades investigadas ou os tipos de fraudes denunciadas, para que os trabalhos de apuração não sejam prejudicados.

A qualidade da merenda distribuída é criticada por pais e integrantes da comunidade escolar, como diretores e professores. Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada na semana passada, mostrou que nos estados do Norte e Nordeste a população local considera a alimentação oferecida na escola ruim e insuficiente. Outro dado da CGU indica que, nessas mesmas regiões do país, é alto o índice de escolas que reclama de falta de alimento para merenda - veja mais informações no fim da reportagem -, embora todos os municípios do país recebam repasses de verbas federais para alimentação escolar.

Cada cidade recebe, dentro do Programa de Apoio à Alimentação Escolar na Educação Básica (PNAE), R$ 0,30 por dia para cada aluno matriculado em turmas de pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos. As creches e as escolas indígenas e quilombolas recebem R$ 0,60. As escolas que oferecem ensino integral por meio do programa Mais Educação têm R$ 0,90 por dia. O restante do valor é pago pela prefeitura e governo do estado.

De acordo com a CGU, durante todo o ano de 2010, foram realizadas 248 fiscalizações dentro do PNAE sendo que 229 eram programadas e ocorreram por meio de sorteios. Outras 19 foram por "demandas especiais", como denúncias e encomendas de outras instituições.

Nas ações de fiscalização da CGU no ano de 2009, o órgão constatou irregularidades em 17,3% das licitações, em 5,8% dos contratos e em 10% dos pagamentos de merenda escolar dentro de um grupo de escolas de 180 municípios com mais de 500 mil habitantes - excluídas as capitais -, sorteados pelo órgão para um relatório sobre a execução do PNAE. Foram realizadas 21 fiscalizações após denúncias naquele ano.

Entre as irregularidades verificadas em 2009, estavam falsificação de documentos, favorecimento de empresas, ausência de contratos formais, reajustes e prorrogações indevidos, preços superiores aos de mercado, pagamento por alimentos não entregues e falta de comprovação das despesas.

Nos casos em que verificou ações criminosas, a CGU informou que o resultado das investigações foi repassado à Polícia Federal e ao Ministério Público da região "para punir os responsáveis e tomar as providências para o ressarcimento dos prejuízos aos cofres públicos".

Conforme a CGU, o município nunca é punido nesses casos com paralisação de repasses federais para a merenda. "O mau gestor é que deve ser responsabilizado pelos desvios", afirmou o órgão ao G1.

A coordenadora-feral do PNAE, Albaneide Peixinho, explica que a suspensão do repasse só é feita em último caso, como na falta de prestação de contas. Nesses casos, cabem aos estados ou municípios cobrir a parte do governo federal. "As crianças não podem ser prejudicadas. Para elas não interessam de onde vem o recurso, o importante é ter a merenda na escola", afirma.

30 cidades investigadas pelo MP-SP

A merenda escolar é alvo de questionamentos judiciais em processos que correm em diversos estados do país, mas não há como associar se alguma dessas ações teve origem em fiscalização da Controladoria-Geral da União (CGU).

Somente em São Paulo, em cerca de 30 cidades da região metropolitana e interior promotores do Ministério Público estadual investigam suspeitas de fraudes. Além do estado de São Paulo, há ações em municípios de pelo menos mais 11 estados. Em todos esses casos, o grupo que agia era o mesmo, de acordo com o promotor Silvio Antonio Marques, que atua na área de Patrimônio Público e Social na capital paulista.

"Foi constatado que um grupo de empresas formou um cartel que consistia em procurar candidatos antes da eleição e colaborar com as campanhas. Quando esse prefeito ganhava, as empresas ofereciam terceirização e insumos de merenda. Houve pagamento de propina em diversas cidades. A Fazenda do estado verificou R$ 280 milhões em notas fiscais frias."

Marques explicou que as empresas compravam notas fiscais frias emitidas por outras empresas criadas especificamente para este fim. As notas eram geralmente emitidas no valor pago em propina para os responsáveis pela merenda na prefeitura. "São empresários que agem desde 2001 no submundo do crime. É um cartel que age em diversas cidades. Várias empresas que dividem o mercado e se combinam em caso de licitações." O pagamento de propina varia entre 5% e 15% do valor do contrato. O esquema teria se intensificado de 2007 a 2009.

Ação civil na capital paulista

Após as investigações, cada Promotoria local assumiu o caso referente a sua cidade. Na capital paulista, foi aberta uma ação civil pública para investigar o esquema de pagamento de propina para o fornecimento de merenda. Um promotor criminal também analisa o caso, mas ainda não há denúncia criminal sobre o episódio.

Conforme o promotor Silvio Marques, atualmente estão sendo ouvidas testemunhas, secretários municipais e agentes públicos. Dois ex-secretários são investigados por suposto recebimento de propina, mas os nomes são mantidos em sigilo. Além disso, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e o secretário de Educação, Alexandre Schneider, são investigados por suposta omissão.

"Todas as empresas que têm contrato com a Prefeitura suspeitas foram citadas. A Prefeitura não quis em um primeiro momento acreditar. Não há nenhuma prova de que Alexandre Schneider e Gilberto Kassab tenham recebido propina. Eles são investigados por suposta omissão. Porque tomaram conhecimento de que havia um esquema de fraude e não tomaram providências."

Kassab e Shneider respondem por improbidade administrativa na ação, que pede a anulação dos contratos terceirizados efetivados em 2006 e os efetivados em 2009. Além disso, pede ainda o fim da terceirização na merenda.

"A questão da merenda é importante sobretudo por conta das crianças. Temos documentos e vários depoimentos que mostram que já foram servidos produtos vencidos, carne com muita gordura, frutas estragadas. Temos imagens muito chocantes. Daí verifica-se que o preço dessa terceirização é pelo menos 30% maior do que se a prefeitura fizesse o serviço", disse o promotor Silvio Marques.

Por meio de nota, a assessoria de imprensa da Prefeitura de São Paulo informou que colabora com a investigação. "A Procuradoria Geral do Município aguarda documentos e informações adicionais do Ministério Público sobre o caso para tomar as medidas cabíveis, como já o fez anteriormente ao ser informada das investigações pelo MP. A Prefeitura de São Paulo reitera que está à disposição e que vai colaborar no que for necessário."

Na avaliação da vice-presidente do Sindicato dos Professores e Funcionários Municipais de São Paulo (Aprofem), Margarida Prado Genofre, a situação da merenda na capital "vem melhorando". Desde 2009, ela integra o Conselho de Alimentação Escolar de São Paulo.

"Sei de algumas coisas que aconteceram quando eu nem era do conselho. Depois do escândalo, tanto Prefeitura quando empresas têm tomado mais cuidado. (...) A merenda vem melhorando, mas não chegou ao patamar ideal."

Margarida é contra a recomendação do Ministério Público de acabar de vez com as terceirizações na merenda escolar. "A merenda terceirizada é caríssima, mas é melhor que a merenda direta, servida pela Prefeitura. Não sou a favor da terceirização, sou a favor do serviço público. O ideal seria a melhoria do serviço público. Mas, se me perguntar se dá para interromper a merenda terceirizada amanhã, eu te digo que não. Seria um caos, não dá. E essa situação foi intencional. Eles precarizaram o serviço público ao longo dos anos e, quando se entrou com terceirizados, a população achou ótimo."

Albaneide Peixinho, do PNAE, lembra que pais devem procurar sempre reinvindicar o direito de uma boa alimentação nas escolas e, em caso de irregularidades, acionar o Conselho de Alimentação Escolar de cada estado ou município ou mesmo o Ministério Público. "O programa de merenda escolar tem forte apelo social. Uma vez descoberta uma irregularidade o gestor fica 'marcado'. Isso não significa, no entanto, que não tenha falta de comida ou alimentação inadequada", diz Albeineide.

Falta de alimentos

Pesquisa com comunidade escolar (diretores, professores e merendeiras) feita pela da CGU em 180 cidades do país, exceto as capitais, mostrou que em 18,9% dos casos falta oferta de alimentação escolar. Entre os motivos, 17,1% apontam a falta de alimentos para preparar a merenda.

Considerando as regiões, 34,3% da comunidade escolar da Região Nordeste diz que falta alimentação escolar, enquanto que no Norte, 18,1% reclamam do mesmo fato. No Sudeste, o percentual cai a 1,6% e no Sul, a 1,8%.

Por Mariana Oliveira*

(*) Colaborou Paulo Guilherme

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