Colégio em Paudalho, na Zona da Mata, aderiu ao ensino médio inovador

Escola aposta em iniciação científica para mudar futuro

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:12

Ser forneiro em olaria ainda é a melhor profissão que muita gente nascida em Paudalho, na Mata Norte de Pernambuco, distante cerca 40 km do Recife, acha que pode alcançar. Fora as fábricas de cerâmica, marcas do município, os trabalhos temporários, sem carteira assinada, são a outra opção. A triste perspectiva de futuro vem mudando aos poucos entre os alunos de uma pequena escola estadual que encarou o grande desafio de aderir ao programa Ensino Médio Inovador, do Ministério da Educação (MEC). Apostando na iniciação científica, os estudantes estão cada vez mais atraídos pelos estudos e abriram a cabeça para novas possibilidades de carreira.

O G1 foi conhecer a Escola Estadual Monsenhor Landelino Barreto Linse, localizada na Vila Asa Branca, que passou a integrar o programa em 2010, junto com outros 15 colégios em todo o estado, a convite da Secretaria Estadual de Educação. Em linhas gerais, o objetivo dessa modalidade de ensino é que os alunos passem mais tempo na escola, aproveitando um currículo diferenciado do ensino médio regular, tornando as aulas mais atraentes e diminuindo a evasão. Assim, fora os cinco turnos normais de aula, em uma semana, os estudantes têm disciplinas extras em outros horários.

Mas quais disciplinas? “Não existe uma receita de bolo do MEC. Primeiro, a gente ouve o que os alunos desejam aprender e os professores analisam as propostas, tendo como base os quatro eixos de trabalho [cultura, trabalho, ciência e tecnologia]. A grande diferença para o ensino médio regular é essa chance de construir um currículo sem imposições, pensada em nossa realidade acadêmica e sociocultural”, explica a diretora da unidade, Angela Borba.

A iniciação científica foi escolhida como uma espécie de âncora do programa. As outras disciplinas são criadas a fim de prover conteúdo para as pesquisas desenvolvidas. Então, em dois dias na semana, de acordo com a série, os estudantes têm aulas de práticas teatrais e sustentáveis; linguagem e cultura; educação e saúde; atualidades e cultura digital; e comunicação e uso de mídias. “Nosso objetivo principal é despertar a consciência crítica e o protagonismo juvenil. Vestibular e mercado de trabalho são consequências”, defende o professor Aluízio Medeiros da Silva Filho, que coordena um dos grupos de pesquisa.


O exemplo da escola Monsenhor Landelino Barreto Linse ainda é isolado dentro do quadro da educação pública em Pernambuco. Considerando o ranking de desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2010, entre as cem escolas melhores colocadas de Pernambuco, apenas 8 unidades de ensino são públicas - e nem mesmo a Monsenhor Landelino Linse está entre elas. Isso porque apenas 14,4% dos alunos do terceiro ano de lá fizeram a prova e o resultado final não foi computado por baixa participação.

'Não tinha vontade de estudar'
Isak de Castro, 19 anos, é um dos cinco alunos que recebem bolsa de iniciação científica. A novidade representa uma mudança brusca na vida de quem repetiu três vezes de ano e fazia de tudo para faltar aula. “Na minha antiga escola tinha muita gente na sala, o professor não tirava minhas dúvidas. Então, não tinha vontade de estudar, nem de ler eu gostava. Quando entrei no Médio Inovador e escutei o professor falando de cultura e religião, foi chocante. Pensei: ‘esse cara tem que ser seguido’. Estou empolgado fazendo pesquisa, aproveitando todas as atividades da escola e decidi que quero fazer história”, contou.


Essa empolgação toda tem rendido frutos. Ano passado, Isak ganhou o primeiro lugar do Grupo de Estudos História da Educação e Religião, da Universidade de São Paulo, dentro do prêmio Ciência Jovem, com um trabalho de resgate da trajetória política de Paudalho - a base foi uma extensa pesquisa em arquivos para entender as lacunas deixas pela história oficial. O jovem é um orgulho para a mãe Edilene Oliveira. “Não terminei os meus estudos, desisti na 5ª série, e não queria que ele seguisse o meu exemplo. Andava muito preocupada, mas agora estou tranquila com o incentivo que ele recebe da escola. Sei que ele está no caminho certo”, diz.

'Não me sentia atraída por nada'
Desistir de estudar ainda é comum em escolas de Paudalho. Entre as mulheres, a causa mais recorrente é a gravidez. Isso aconteceu com Deize Lopes: aos 22 anos, engravidou e abandonou os estudos na 5ª série. “Na época, estudava aqui. Além de ter filho, também não me sentia atraída por nada, não participava de nada. Agora parece outro colégio”, conta. Deize fez uma pesquisa sobre a memória da Igreja do Desterro, localizada no povoado de Desterro, junto com Marinalva de França, 54 anos, colega de sala no turno da noite.


Marinalva também se afastou do colégio por causa da maternidade e, depois, para cuidar dos netos. O longo intervalo dos livros durou 15 anos. “No começo, fiquei com medo de não acompanhar a turma, mas os professores me ajudam, meu marido me incentiva. Sou a vovó da classe. E tenho neto estudando aqui também. Então, me sinto renovada. Isso é sonho. Já tive aula de fotografia, pesquisa, conheci [Ricardo] Brennand, fui à Bienal [do Livro]”, enumera.
Os depoimentos dos alunos são reforçados com números. Em 2009, o índice de evasão na Monsenhor Landelino era de 35%. Em 2011, caiu para 4%. No mesmo período, o percentual de reprovação diminuiu de 12% para 3%. Outra vitória foi em relação ao vestibular. “Antes, eles nem se inscreviam. Achavam que universidade era para gente do Recife, que seu futuro era na olaria. A baixa estima na comunidade era muito grande. Aceitamos o programa para tentar mudar essa realidade. Hoje, eles têm projetos de vida. Os sete que fizeram vestibular ano passado conseguiram uma vaga”, falou a diretora Angela Borba.

Mudança positiva
As experiências vividas na escola também têm refletido entre os moradores de Paudalho. A disciplina Práticas Sustentáveis, por exemplo, ensina o cultivo de hortas orgânicas, cujos alimentos contribuem para uma merenda escolar mais saudável. A ideia foi copiada por vizinhos dos alunos. “Essa é uma forma da gente contribuir com a comunidade onde vivemos”, aponta a professora de biologia Joelma Melo.

Atualmente, 86 escolas aderiram ao Ensino Médio Inovador em Pernambuco. A Monsenhor Landelino recebe cerca de R$ 50 mil do MEC para investir no programa, que atende 400 alunos, do 1º ao 3º ano do ensino médio. O dinheiro é usado em infraestrutura, visitas técnicas, capacitações e material permanente. Com esse recurso foi possível, por exemplo, equipar uma rádio escolar.

Todo dia, 20 minutos de programação vão ao ar. O conteúdo é preparado pelos próprios alunos, acompanhados pela professora de língua portuguesa. O programa tem informações, música, horóscopo. Uma das colaboradoras é Rúbia Borba, 16 anos, que até conseguiu estágio na rádio do município. “Foi massa a experiência”, ressalta. Seu colega de trabalho, Alex Barros, 18 anos, é outro exemplo de como o programa tem rendido mudanças positivas. “Eu só via a escola como obrigação. Hoje, passo a maior parte do dia aqui”, pontua o jovem, que também é monitor de informática no projeto Escola Aberta, aos sábados - nas unidades que fazem parte do Escola Aberta, as escolas passam a funcionar, nos finais de semana, como espaços alternativos para atividades que buscam ampliar o aprendizado regular.


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