'Dá tempo de virar o jogo', diz interno da Fundação Casa

'Dá tempo de virar o jogo', diz interno da Fundação Casa

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:21

Garoto já passou seis vezes pela Fundação Casa; 1ª internação foi aos 13 anos (Foto: Vanessa Fajardo/ G1) Com histórico de seis internações em unidades da Fundação Casa no interior de São Paulo por roubo e tráfico, o adolescente de 18 anos vê no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) uma oportunidade de mudar de vida. Ele, outros adolescentes que cumprem medidas socioeducativas privados de liberdade, e presidiários de todo o país farão o Enem nos dias 28 e 29 de novembro. No total, há mais de 14 mil inscritos. As provas serão aplicadas nas unidades prisionais.

A maioria dos adolescentes infratores que chega à Fundação Casa vem com defasagem escolar em relação à idade e à série. No dia 10 de novembro, havia 7.922 meninos e meninas internados, destes 6.983 não estavam matriculados nas séries corretas que equivalem à sua idade, segundo a assessoria de imprensa da Fundação. Somente 110 internos da Fundação farão o Enem nos dias 28 e 29 de novembro, o número representa o total de adolescentes que já concluiu o ensino médio ou cursa o terceiro ano. Dentro das unidades, eles têm como obrigação frequentrar as aulas que acompanham o mesmo conteúdo e cronograma da rede pública do estado.

"Passei minha adolescência preso, mas ainda dá tempo de virar o jogo", diz o adolescente que cursa o terceiro ano do ensino médio, durante a visita da reportagem do G1 na unidade da Fundação Casa em Bragança Paulista. Com o Enem, o garoto pretende disputar uma bolsa de estudos em uma universidade particular pelo Programa Universidade para Todos (ProUni), do Ministério da Educação.  escolha do curso já é certa: engenharia mecânica, por dois motivos. Primeiro porque o garoto se diz bom em ciências exatas e segundo porque já na infância se interessava pela área. "Meu pai era mecânico e sempre o ajudava. Adorava quando ele desmontava os motores dos carros." A primeira internação do adolescente foi aos 13 anos, desde então, entre idas e vindas passou a maior parte da vida escolar nas unidades, cumprindo medidas socioeducativas. "Sou bom aluno, só tiro nota boa, mas quando era mais moleque não me interessava. Quando fui preso, fiquei trancado, comecei a dar valor aos meus estudos."

O garoto conta que roubava para "andar mais vaidoso", pois a mãe que hoje está com leucemia não podia comprar tudo o que ele queria. "Comecei a usar drogas e esqueci da vida. Tinha tudo na mão e agora me perdi. Essa vida [de roubo e tráfico] não é para mim. Já fiz muita gente sofrer e agora vou abraçar as oportunidades."

Jovem de 19 anos quer fazer o Enem para estudar

odontologia (Foto: Vanessa Fajardo/ G1) 'Antes de parar aqui já queria fazer faculdade'

Outro garoto da unidade de Bragança Paulista que fará o Enem gosta de ler e escrever, está participando de um concurso de redação, mas "quebra a cabeça com matemática." Com o Enem, pretende disputar uma bolsa de estudos para o curso de odontologia, quer ser dentista porque gosta de ver as pessoas sorrindo. A segunda opção é o curso de educação física, já que é fã de esportes.

"Antes de vir parar aqui eu já queria fazer faculdade, mas lá fora não pensava no Enem", diz o adolescente de 19 anos, que conclui neste ano o ensino médio. Ele está na Fundação Casa há pouco mais de dois meses e não fala sobre os motivos que o fizeram permanecer internado. O pai é carpinteiro, a mãe auxiliar de limpeza, e o jovem possui mais quatro irmãos, um deles deficiente mental.

O jovem conta que já teve emprego para ajudar a mãe com as despesas de casa e durante este período em que está internado a irmã contou que ele recebeu a ligação para uma nova oportunidade de trabalho. "Infelizmente não deu tempo. Mas creio que meu período aqui vá passar rápido aqui." Segundo ele, na Fundação, reforçou os conceitos que tinha "lá fora" como o de respeitar o próximo. "Sou bom aluno, procuro aprender o que está ao meu alcance. Se eu não conseguir uma bolsa de estudos agora, vou lutar para ter mais oportunidade de buscar conhecimento", diz.

Para o futuro, além da formação universitária imagina um bom emprego, família e uma maneira de ajudar o próximo e retribuir o incentivo que teve. "Vou lutar para ser melhor. Tem pessoas esperando por mim que querem o meu melhor. O que seria de mim se não tivesse ninguém para me ajudar?", questiona-se.

Mudança de regime

Quando um adolescente passa no vestibular ou em exames de cursos técnicos, a Fundação tenta, via judicial, mudar o regime da medida socioeducativa de privado para liberdade assistida ou semi-liberdade, para que ele possa frequentar as aulas, segundo Neuza Flores, gerente escolar da Fundação. Se não há acordo com a Justiça, a unidade destina um agente de segurança para acompanhar o adolescente durante as atividades.

Neuza afirma que os internos participam de todas as atividades destinadas aos alunos da rede pública. "Eles voltam a acreditar que é possível aprender. Muitos estudam muito tempo e não retêm o aprendizado, é necessário resignificar o ambiente escolar, ampliar o leque de conhecimento. Quando eles conseguem se sair bem nas provas, há um efeito positivo muito grande."

Enem nos presídios

As unidades prisionais de todo o País registraram um total de 14.118 inscritos no Enem 2011. As provas serão aplicadas nos dias 28 e 29 de novembro, nos estabelecimentos prisionais e nas unidades de internação. Em 2010,14 mil internos de cerca de 500 presídios se inscreveram no exame.

São Paulo é o estado com maior número de inscritos, com 6.878, seguido do Rio Grande do Sul com 934. Paraná aparece em terceiro, com 879. Espírito Santo teve 762 participantes.

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

Todas as Notícias (Inep), do Ministério da Educação (MEC), as unidades prisionais ou socioeducativas são indicadas pelas secretarias de segurança pública de cada estado, secretarias de justiça, órgãos da administração penitenciária e Subsecretaria de promoção dos direitos da criança e do adolescente. Cada unidade conta com um responsável pedagógico encarregado da inscrição dos participantes.

Segundo o edital, a participação no Enem é voluntária. A prova é destinada àqueles que já concluíram o ensino médio ou àqueles que não terminaram essa etapa, mas pretendem obter o certificado de conclusão por meio da prova. Ainda segundo o edital, não podem participar dessa edição do Enem pessoas que tiverem a liberdade decretada antes do exame.          

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