Em Jussari, alunos não conseguem aprender a ler e escrever

Em Jussari, alunos não conseguem aprender a ler e escrever

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:15

No município com um dos Idebs mais baixos do País na 8ª série, disputas políticas e falta de projetos atrapalham estudantes Na sala de aula da 3ª série da Escola Municipal Antônio Ferreira Nobre, na cidade baiana de Jussari, muitas crianças levantam a mão quando perguntadas se ainda não sabem ler e escrever. O enteado de Girlane Alves Ferreira, de 20 anos, é um deles. “A gente tem de escrever para ele copiar em cima. Ele ainda não sabe ler”, admite.

Girlane, que também não concluiu os estudos e ainda está na 8ª série, diz que não sabe o que fazer. Ela tenta, mas não consegue a atenção do garoto. Ele não consegue se concentrar. E não é por causa do irmãozinho de três anos, a outra criança da casa. Logo ele cansa de fazer as tarefas e vai brincar na rua. Sem autoridade, ela pede que o pai intervenha. Ele, que largou a escola na 5ª série, não ajuda em nada. A mãe do menino desapareceu. "Acho que isso interfere. Ela não dá uma notícia mais", reflete Girlane.

“A professora disse que não sabe mais o que fazer e que a família tem de ajudar. Ele não conhece nem o alfabeto. Vai repetir o ano de novo. Eu também não sei o que fazer”, comenta. Perdida, Girlane saiu da escola do mesmo jeito que entrou: sem solução para o caso do enteado.

Culpar a família pelo fracasso dos filhos na escola não é raro entre os professores de Jussari. Para eles, os pais estão ausentes da educação dos filhos. De fato, a escola não vai conseguir resolver sozinha todos os problemas que afetam o aprendizado dos meninos. Mas, como o marido de Girlane, muitos pais não frequentaram a escola.

A pedagoga Mônica Samia, que à convite do iG acompanhou a equipe de reportagem visitas às escolas de Jussari, localizada a 80 quilômetros ao sul de Ilhéus, ajudou a identificar as práticas ruins e as boas adotadas no município. Mônica, que já coordenou duas pesquisas do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) sobre o Ideb desde 2007, lembra que o discurso de culpar os pais pelo fracasso dos filhos é contrário às experiências de sucesso na educação. “As escolas, por mais eficazes que sejam, não vão dar conta dos problemas sociais. Mas os professores têm de ter compromisso com a aprendizagem do aluno, não com o simples ato de ensinar. Não é dizer que vão dar aula e pronto. É buscar alternativa quando o aluno não aprende”, pondera.

Mônica ouviu o relato desesperado de uma professora das séries iniciais. Nair Barreto, 58 anos, dá aulas há 22 anos. Ela admitiu que, este ano, já pensou em desistir de ensinar mais de uma vez. “Até o ano passado, me sentia muito bem dando aula. Agora, não sei como trabalhar com meus alunos. Já pedi ajuda à coordenadora, à diretora e à vice”, desabafou.

Ela conta que tem um estudante de 14 anos na sala, no meio das crianças, que ainda não sabe ler. “A maioria não aprendeu a ler na idade certa. Os pais vão mudando de cidade procurando emprego nas lavouras. Outros largam os filhos com os avós. Ninguém tem compromisso com a escola ”, lamenta Nair.

Jussari tem um dos piores índices de qualidade da educação no País nas séries finais (5ª a 8ª) do ensino fundamental. Essa fase só conseguiu atingir nota 1,8 (em uma escala que varia de 0 a 10) no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Nos anos iniciais, o desempenho foi melhor: 3,6.

Mas o fato é que muitas crianças e adolescentes ainda não aprendem. Um dos grandes desafios do município é reduzir o número de alunos atrasados (com idade avançada para a série em curso, a chamada distorção idade-série). Em um acordo feito com o Ministério da Educação para receber ajuda, o município havia se comprometido a matricular 900 estudantes em programas de correção de fluxo até 2011. Até agora, nenhum participou segundo os próprios diretores das escolas.

Brigas internas

De acordo com professores e coordenadores, as disputas políticas em Jussari são intensas. “Se professores discordarem dos diretores ou forem de partidos diferentes do prefeito, por exemplo, não dão aulas e pronto”, afirma Zaluar José Santos Júnior, 34 anos, professor de literatura e diretor da Escola Municipal Plínio de Almeida.

Em 2008, os estudantes chegaram a perder dois meses de aulas por conta de greves. O pagamento dos salários atrasava constantemente. “Mas, desde o ano passado, não houve mais atrasos”, garante a coordenadora pedagógica do município, Lucimeire Matos. “Não há justificativa mais para isso. Acho que os professores não estão preocupados com os alunos”, reforça Santos.

Ele assumiu a direção do Plínio de Almeida há pouco mais de um mês. Antes dele, Lucimeire havia dirigido a escola, única que possui turmas da 8ª série do ensino fundamental. Ela conta que o colégio tinha o apelido de Carandiru até o início de 2009. “Estava tudo destruído. Quadros, paredes, carteiras. Os meninos jogavam as cadeiras pela janela”, recorda.

A pesquisadora do Unicef acredita que a destruição física do colégio se explica no fato de os estudantes não se sentirem parte dele. “Quando os alunos se sentem parte da escola, a preservam. Cuidam do ambiente porque sabem que ele também é deles”, analisa Mônica.

Santos sente que os estudantes não vêem interesse na escola. Por isso, elaborou projetos para tentar resgatá-los. Ele e outros professores dão aulas de vôlei, futebol, dança e basquete para os jovens. A condição para permanecer nos projetos é tirar boas notas.

Stefany Araújo Carlos, 14 anos, estuda na Plínio de Almeida há dois anos. Ela diz que a indisciplina dos alunos era grande no ano passado, o que atrapalhava muito quem queria aprender. As aulas estão mais calmas. Para ela, os projetos ajudaram os alunos a se manterem interessados nos estudos. Ela é uma das que participa das atividades.

As dificuldades de aprendizado na adolescência são distintas das enfrentadas na infância. Sem ter descoberto o prazer da leitura ou compreendido os conteúdos lá atrás, sem mochila, caderno novo ou computador, Joanderson Costa, 16 anos, não consegue se concentrar mais nas aulas. Para ele, que é repetente e ainda está na 8ª série, a escola, as aulas e os professores são chatos.

Ele não gosta de ler ou escrever. Não pensa em fazer um curso superior. Promete "tentar" concluir pelo menos o ensino médio, porque sabe que, sem esse diploma mínimo, será difícil conseguir um emprego no futuro. "Eu só gosto de jogar bola. Queria ser jogador de futebol", diz.

O diretor da escola enumera alguns dos desafios que considera enormes para que o município consiga melhorar a qualidade de ensino. A primeira é a formação dos professores. Apenas nove dos 31 docentes da escola dão aulas das disciplinas em que se formaram. A outra é a evasão. “Nas turmas diurnas, 30% dos estudantes abandonam a escola. À noite, 70%”, alarma.

No noturno, os estudantes já são adultos. Santos conta que o cansaço e a busca por trabalho os faz desistir da escola. Durante o dia, saem da escola as crianças que acompanham os pais em mudanças atrás de trabalho também. O Conselho Tutelar tem ajudado a escola na tarefa de cobrar os pais que não mandam os alunos para a escola.

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