Mercado de diplomas falsos no país oferece até histórico escolar

Mercado de diplomas falsos no país oferece até histórico escolar

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:30

Anúncios em jornais, ofertas na internet e, de repente, você vira um doutor. No mercado de diplomas falsos, os golpistas estão agindo dentro de escolas e criando até históricos escolares que têm valor legal. Na internet, há ofertas de documentos para qualquer nível de escolaridade. Anúncios em jornais oferecem diplomas que ficam só no papel.

A falsificação de documentos é crime que tem pena prevista de até seis anos de reclusão. Um anúncio promete um "certificado" de supletivo "em oito dias, sem aulas e sem provas". O vendedor garante "sigilo absoluto'". Outro dá a entender que o interessado pode concluir um curso "superior" em "diversas áreas, em poucos dias".

O golpe é aplicado em vários estados por diferentes quadrilhas. Algumas vezes, as encomendas são feitas por telefone. No Rio Grande do Sul, um golpista pede R$ 2 mil para entregar vários documentos falsos. O diálogo é com um repórter.

Vendedor: Está em torno de R$ 2 mil. Não baixa muito disso, também não sobe muito.

Repórter: E o diploma eu recebo em quanto tempo?

Vendedor: A documentação completa, o diploma, o histórico... mais ou menos 15 dias, no máximo.

Na Bahia, uma golpista afirma que o preço varia conforme o curso. Medicina e direito custam mais.

Vendedora: Esses diplomas de administração, engenharia, vão para R$ 1,6 mil. Medicina e direito são os dois mais caros. "Vai" pra R$ 2,2 mil.

Na rua

Também é possível comprar certificados no meio da rua, como na Praça da Sé, no Centro de São Paulo. O homem oferece carimbo do Ministério da Educação e boas notas. Tudo falso.

Vendedor: Secretaria, carimbo do MEC, tudo direitinho.

Repórter: E a nota?

Vendedor: Vem tudo.

Repórter: Nota alta?

Vendedor: Nota alta, tudo.

O vendedor aceita pechinchar. Preço inicial: R$ 300.

Repórter: Não dá para fazer por menos?

Vendedor: R$ 250.

Repórter: É que aí me aperta um pouco.

Vendedor: Quanto você pode me pagar?

Repórter: R$ 200 daria.

Vendedor: Está bom, então.

Lucro

O homem cobra R$ 2,3 mil por um diploma de curso superior. A reportagem se encontrou com ele em Juiz de Fora, Minas Gerais. Sem saber que estava sendo gravado, ele garantiu documentação completa. "Você vai ter notas, você vai ter frequência, vai ter disciplina", afirmou.

O homem diz que lucra cerca de R$ 4 mil por mês com o esquema."No final das contas, sobram de R$ 300 a R$ 400 de cada para mim. Vendemos entre dez e 15 por mês. Então, dá uns R$ 4 mil. Dá para pagar o aluguel", calcula.

O golpista conta que no mercado existem vendedores que não vendem nada. Oferecem documentos, mas pegam o dinheiro e somem.

Vendedor: O cara deu um número de uma conta. E ele pagou. Acabou. Você depositou o dinheiro na conta de alguém. Não pode fazer nada, sabe?

Repórter: É golpe, não é?

Vendedor: Golpe. Você não pode fazer nada. Então, é um negócio chato.

Para entender o esquema, a reportagem encomendou um diploma de engenharia civil. O repórter precisou de apenas três dias para se formar engenheiro, um curso que leva, no mínimo, cinco anos.

Vendedor: Tudo bem?

Repórter: Deixa eu dar uma olhada. Esse aqui, no caso, é o certificado de conclusão?

Vendedor: É o certificado de conclusão.

Repórter: E será que não vai dar problema?

Vendedor: Não, não vai. Nunca deu, não vai dar agora. Mas pode ficar tranquilo, porque é quente.

Logo depois da entrega, o repórter se identificou. O vendedor esqueceu o dinheiro e saiu correndo. O "certificado de conclusão" vendido pelo golpista é da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O repórter virou "bacharel em engenharia civil" no dia 15 de junho de 2009.

O certificado foi levado até a UFRJ, uma das universidades mais importantes do Brasil. O documento foi examinado por diretores e pela pró-reitora de graduação. Uma representante da universidade informou que o documento, pelo seu formato, apresentação e dados, é “totalmente diferente” do original concedido pela instituição.

Nas escolas

O esquema que começa na internet e nos classificados de jornais pode terminar dentro de um colégio. O Ceitec é uma escola técnica na Zona Norte do Rio de Janeiro. O repórter negociou a compra de um certificado de supletivo de ensino médio. Sem saber que estava sendo gravado, um homem prometeu montar um histórico escolar falso. Ele usou termos antigos para designar ensino fundamental e ensino médio.

Vendedor: A gente tem que montar tudo para você, como se tivesse estudado aqui o primeiro ano primário. Faz de conta que você está "virgem", entrou na escola hoje.

Repórter: É como se eu tivesse estudado aqui quanto tempo?

Vendedor: Do primeiro ano ao segundo grau; 11 anos.

O pagamento, de R$ 600, foi parcelado em duas vezes: R$ 400 na encomenda e R$ 200 na entrega do documento.

Repórter: O que o senhor me consegue amanhã, então?

Vendedor. Histórico escolar e declaração de conclusão de curso.

No dia seguinte, o repórter voltou à escola Ceitec.

Vendedor: Veja se está certinho.

Repórter: Aqui consta como se eu estivesse estudado aqui desde quando?

Vendedor: Desde 2004.

O certificado tem o nome de outro colégio: ATG.

Repórter: Se me perguntarem, o que eu digo?

Vendedor: Vamos lá. Empresta aqui um papel, que você vai decorar um script.

Repórter: Tá

Vendedor: Então, você “estudou” no ATG.

Segundo o histórico do colégio ATG, o repórter é técnico em contabilidade. E o documento "é cópia fiel do que está arquivado neste estabelecimento de ensino".

Repórter: Isso aqui já está lá?

Vendedor: Já.

Repórter: Se eles ligarem lá para o colégio perguntando, está garantido?

Vendedor: Garantido.

Na secretaria do colégio ATG, vem a confirmação do esquema. Uma funcionária diz que o repórter consta como aluno da instituição.

Repórter: O histórico mostra que ele estudou quanto tempo aqui?

Funcionária: Ele fez os três anos. Fez todo o ensino médio aqui, entendeu?

Repórter: E foi aprovado?

Funcionária: Foi.

O suposto golpista que, na escola Ceitec, vendeu o certificado do colégio ATG por R$ 600 nega tudo.

Produtora: Tivemos a informação de que aqui se vendem diplomas falsos. É verdade?

Vendedor: Ah, não. Aqui não vende diploma falso. Nenhum tipo de diploma é vendido aqui.

Penas

"Isso coloca em risco a sociedade. É um risco social enorme, que tem que ser combatido de maneira decisiva pelas autoridades competentes, no caso, a polícia", alerta o ministro da Educação, Fernando Haddad.

Falsificação de documentos é crime, punido com pena de até seis anos de prisão. Quem compra documento falso também pode ser processado. Procurada pela reportagem, a Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro afirma em nota que a escola Ceitec e o colégio ATG vão ser investigados.

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