"Nossa ditadura não tem rosto", diz líder estudantil da UFMG

"Nossa ditadura não tem rosto", diz líder estudantil da UFMG

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:19

A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) vive um novo momento após a eleição da chapa O Nosso Diretório Apartidário (Onda) para comandar o Diretório Central dos Estudantes (DCE), que se diz apartidária, preocupada com os interesses dos alunos e da comunidade acadêmica, mas alheia aos interesses de legendas. A chapa comandará o DCE de uma das maiores universidades do País, após vencer eleição com 35% dos votos.

Desde 1976, quando foram instituídas eleições diretas para o DCE, só chapas ligadas a partidos de esquerda ganharam. A movimentação na UFMG lembra mudança ocorrida na Universidade de Brasília (UNB) , que recentemente elegeu uma chapa que também se diz apartidária (Aliança pela Liberdade), após anos de poder nas mãos de militantes esquerdistas.

Representantes do PSDB e do DEM comemoraram nas redes sociais a vitória da Onda na UFMG, mas a chapa nega que tenha tido apoio de qualquer partido. Logo após o resultado da eleição, a chapa divulgou uma carta aberta à comunidade da universidade, onde, entre outros pontos, destaca: “negamos qualquer auxílio de representantes de juventudes partidárias na consolidação de nosso grupo ou na formulação de nossas propostas de campanha”.

O subsecretário do governo de Minas Gerais, Gabriel Azevedo, que é filiado ao PSDB e milita desde os tempos da universidade, afirmou ao iG ser este um momento especial para os partidos repensarem seu papel dentro da política estudantil, pois, como outras instituições, as legendas vivem uma fase de atualização de sua função. “Há uma tendência de haver militantes estudantis de causas diversas e não de um partido, mas comprometidos com a vida interna da universidade. É positivo porque abre participação para alunos que não estavam envolvidos. Há uma visão de aparelhamento de entidades e isso é perceptível. Por isso, surgiu este movimento na UFMG e na UNB”, disse ele.

A reportagem do iG procurou representantes da Onda para uma entrevista. Estudante de Medicina, Clarice Semião Coimbra foi eleita a porta-voz da chapa, que como a Aliança Pela Liberdade, não possui apenas um líder. Ela disse ter ficado decidido que ninguém daria entrevista à imprensa para não ter suas falas distorcidas, mas topou responder algumas perguntas por email.

Questionada sobre o motivo que teria levado os estudantes da UFMG a deixar de apoiar chapas ligadas à esquerda depois de tanto tempo, Clarice falou em “opressão velada”. “O último feito grandioso em que os estudantes se envolveram diretamente ocorreu há duas décadas. Creio que iniciamos um processo de reação a uma opressão velada. Nossa ditadura não tem rosto”.

Confira trechos da entrevista:

iG: Como surgiu a chapa? Teve algum episódio especial que motivou a formação da Onda?

Clarice Semião Coimbra: A Onda surgiu de uma necessidade comum dos estudantes: tornar o DCE-UFMG mais representativo e propositivo. Não houve um fato específico, mas o grau de insatisfação cresceu, motivando uma ação mais incisiva.

iG: Qual é a principal bandeira da Onda?

Clarice: A consolidação da universidade como um ente no desenvolvimento social brasileiro. Para tanto, é fundamental que haja melhoria do ensino, desenvolvimento das pesquisas e, o mais importante, interação devida com a comunidade por meio da extensão universitária. Essas metas necessitam de uma representação estudantil independente, politicamente, ideologicamente e financeiramente.

iG: A Onda se autodenomina apartidária, mas tem algum membro com simpatia por algum partido?

Clarice: O grupo é ideologicamente diverso e não ponderamos sobre preferências individuais, caso existam.

iG: A Onda tem antipatia por algum partido?

Clarice: Não somos “anti-partidários”, acreditamos apenas que raros são os que conseguem dissociar seus vínculos partidários de uma possibilidade de representação onde o partidarismo não é necessário. A Onda não é de direita, nem de esquerda. A Onda não é conservadora, nem liberal. A Onda será o que suas ações e realizações demonstrarem no próximo ano. No momento, é apenas um grupo ideologicamente diversificado de estudantes da UFMG, interessados na melhoria da nossa universidade e da nossa sociedade.

iG: O PT é acusado por adversários de aparelhar o movimento estudantil ao longo dos últimos oito anos. A Onda acredita que o PT e outros partidos chamados de esquerda distorceram motivações naturais do movimento estudantil em algumas instituições de ensino?

Clarice: Não temos dados para tecer afirmações acerca do envolvimento de um partido específico com entidades de representação estudantil. Na UFMG, temos assistido desde 2007 que há uma alternação dos grupos partidários nas gestões do DCE-UFMG, pouca criatividade nas propostas, além de precaríssima transparência jurídica ou financeira. Em algumas instituições de ensino privadas, partidos tidos como direitistas utilizam de práticas duvidosas de financiamento de projetos estudantis (festas, eventos esportivos) na tentativa de criar bases e lideranças que historicamente não possuem. Nas instituições públicas a esquerda ainda permanece grandiosa devido ao resquício da importante luta contra a ditadura militar.

iG: A filiação partidária prejudica o movimento estudantil? Por quê?

Clarice: O problema não é a filiação. A imposição de uma diretriz partidária, aliada ao seguimento pouco reflexivo destes ordenamentos, é que torna o movimento estudantil frágil. Aparentemente, todos os coletivos político-ideológicos têm o objetivo comum de tornar a sociedade mais igualitária, por meio do incentivo à educação, ampliação das ofertas de emprego e garantia de uma saúde de qualidade. O que pode ser questionado são os diversos caminhos possíveis para se alcançar esse fim: as juventudes partidárias se perdem nesse “meio do caminho”, cada uma postula a estratégia de seu partido como verdade absoluta e não permite que a diversidade natural seja a tônica de suas ações. Ocorre uma disputa pelo poder que tem fim em si mesma. Perde-se a credibilidade e muitos estudantes se afastam, tornando os centros e diretórios acadêmicos esvaziados.

iG: Na sua opinião, por que os estudantes resolveram mudar (já que sempre ganhava uma chapa ligada a esquerda e isso não ocorreu agora)?

Clarice: O último feito grandioso em que os estudantes se envolveram diretamente ocorreu há duas décadas. Acredito que nosso País passará por um momento importante de sua história ao longo dos próximos anos e será demandado do movimento estudantil, assim como de outros movimentos sociais, um posicionamento e ações. Creio que iniciamos um processo de reação a uma opressão velada. Nossa ditadura não tem rosto.        

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