O Supremo Tribunal Federal repetiu pela terceira vez posição favorável a cotas raciais e sociais para o ingresso em instituições de ensino. Por dez votos a um, o STF negou nesta quarta-feira (9) recurso que contestava o sistema existente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Em dois julgamentos realizados nas duas últimas semanas, o Supremo já havia confirmado a validade do sistema de cotas. Devido a um mecanismo chamado repercussão geral, o entendimento dos ministros sobre a constitucionalidade das cotas passa a ser aplicado a todos os processos semelhantes que ainda estão aguardando decisão da Justiça. Sem a repercussão, seriam necessárias sentenças individuais em cada um deles.
Em 26 de abril, o tribunal considerou constitucional o sistema de reserva de vagas existente na Universidade de Brasília (UnB). A política de cotas raciais adotada pela UnB em 2004 prevê por dez anos a reserva de 20% das vagas do vestibular exclusivamente para negros e um número anual de vagas para índios independentemente de vestibular.
Naquela decisão, o tribunal decidiu que as políticas de cotas raciais nas universidades estão de acordo com a Constituição e são necessárias para corrigir o histórico de discriminação racial no Brasil.
Já no dia 3 de maio, decisão semelhante foi tomada sobre a existência de cotas sociais e raciais no Programa Universidade para Todos, o Prouni, ação do governo federal que concede bolsas de estudos em universidades particulares a estudantes egressos do ensino público.
Os beneficiários do Prouni devem ter cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral. Parte dessas bolsas deve ser concedida a negros, indígenas e pessoas portadoras de necessidades especiais. Além disso, a renda familiar não pode ultrapassar um salário mínimo e meio para a bolsa integral e três salários para a bolsa parcial.
Desigualdade aos desiguais
O recurso foi apresentado por um estudante gaúcho, e chegou ao Supremo Tribunal Federal em 2009. O estudante alega que, em 2008, obteve no vestibular nota suficiente para ingressar na UFRGS, mas que foi excluído devido ao sistema de cotas utilizado pela instituição. À época, a universidade aprovara decisão interna de reservar 30% das vagas existentes para estudantes oriundos do ensino público, e metade destas direcionada a vestibulandos autodeclarados negros.
Em parecer sobre a ação, a Procuradoria-Geral da República já havia apresentado posicionamento semelhante ao dos julgamentos anteriores que trataram do tema. Entre os argumentos, consta inclusive citação do jurista e político Rui Barbosa, para defender que o tratamento diferenciado é necessário. "Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real", diz o parecer.
Advogado do estudante, Caetano Cuervo Lo Pumo contestou o foco do argumento do Ministério Público e criticou o modelo adotado pela universidade, que considerou inefetivo. "São ações totalmente descompromissadas com o futuro. O sistema não é razoável, não trata os desiguais na medida em que são desiguais e traz um sentimento de gritante injustiça. É portanto inconstitucional e não pode ser aplicado", alegou ele.
Experimentalismo
Relator do processo, o ministro Ricardo Lewandowski lembrou que ocorreram longos debates sobre o mesmo tema nos julgamentos anteriores para rejeitar a contestação feita ao sistema. Ele citou a autonomia universitária como argumento para a decisão da universidade de implantar seu próprio formato para as cotas, e disse que o modelo adotado pela UFRGS está de acordo com o que foi considerado constitucional pela corte.
"Nós estamos fazendo por uma fase de certo experimentalismo, em que cada universidade procura atingir as metas da Constituição, sobretudo no que diz respeito ao atingimento de uma sociedade mais justa e mais moderna", disse Lewandowski ao negar o recurso. O sistema escolhido pela UFRGS foi elogiado por ministros como Rosa Weber, ex-estudante da universidade, e Luiz Fux.
Único a discordar da maioria, o ministro Marco Aurélio Mello questionou o critério adotado para a reserva de vagas baseada na origem dos estudantes, no caso, oriundos de escolas públicas.
"Uma coisa é ter-se a busca do tratamento igualitário presente à raça, presente até mesmo o gênero, como ocorreu no campo eleitoral", argumentou o ministro. "Algo diverso é passar-se a distinguir conforme a escola de origem, e entender-se que em se tratando de uma escola pública, que deve proporcionar um ensino até mesmo de melhor qualidade, tem-se aí algo a justificar um tratamento diferenciado no tocante ao vestibular."
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