Universidades Federais alteram formato de cursos

Universidades Federais alteram formato de cursos

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:31

São freqüentes as queixas de pais, alunos e professores - sejam de Ensino Médio, de graduação ou de cursinho - a repseito da necesidade da escolha profissional aos 17 anos - é nessa idade que muitos jovens terminam o Ensino Médio. A maioria dos que se queixam, alega que, nessa idade, por mais que o aluno transpareça vocação para uma área específica do saber, ele não tem conhecimentos suficientes para tomar uma decisão certa. No entanto, o sistema de ensino brasileiro exige que a opção seja feita no ato da inscrição para o vestibular, sem que o aluno possa mudar de idéia e transferir o curso. Um dos resultados de tal imposição é a evasão de alunos insatisfeitos ou frustrados com a escolha, que voltam a prestar vestibular para, aí sim, tentar acertar na escolha.

No ano de 2007, com o lançamento do Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), o governo federal oficializou o esforço para promover e consolidar a política de expansão da educação superior pública. Um dos objetivos, citado já na apresentação do programa, consiste em uma meta global, que é a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para 90%. A alta da qualidade se daria a partir do ''redesenho curricular dos cursos, busca pela valorização da flexibilidade e interdisciplinaridade, diversificação das modalidades de graduação e articulação com a pós-graduação''.

No início de dezembro (2008), o MEC (Ministério da Educação) anunciou que 26 das 53 IFES (Instituições Federais de Ensino Superior) apresentaram mudanças estruturais em alguns cursos, tanto na área pedagógica, quanto na curricular. As IFES buscam maleabilizar a formação, com ciclos básicos e graduações mais curtas. O MEC afirmou que ''a reestruturação dos cursos de graduação tem como principais características a revisão da estrutura acadêmica, a reorganização dos cursos de graduação, a diversificação das modalidades de graduação, preferencialmente com superação da profissionalização precoce e especializada, a implantação de regimes curriculares e sistemas de títulos que possibilitem a construção de itinerários formativos''.

Para Itana Stiubiener, pró-reitora de graduação da UFABC (Universidade Federal do ABC), ''a reforma é feita porque o mundo, a ciência, o conhecimento e a forma de aprender e ensinar estão em mudança''. Ela conta que a UFABC nasceu, há três anos, com um projeto pedagógico moderno, composto por um ciclo básico de três anos, que permite ao aluno - em fase de conclusão de curso -, optar pela continuação da licenciatura ou pular direto para o mestrado ou a pós-graduação. ''O recorte do conhecimento é outro, as disciplinas são outras, ministradas de forma interdisciplinar. O profissional necessário para o século XXI é diferente'', afirma.

Ela reconhece, no entanto, que outras instituições, mais estruturadas e com programas já consolidados, tendem a ter mais dificuldade com as alterações. ''Sistemas que já existem têm menos agilidade. E não é só no Brasil, mas no mundo todo'', resume. Atenta ao crescimento da instituição e aos estímulos do Reuni, a pró-reitora pretende continuar com a flexibilidade da iuniversidade e dos profissionais nesta formados. ''Estamos montando uma estrutura universitária ágil, mas não sabemos quais serão as demandas da próxima década. Por isso, precisamos formar profissionais capazes de se adaptar a essas mudanças'', reflete ela.

Para o pró-reitor de graduação da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), Eduardo Magrone, o mercado já mudou e as instituições ainda não perceberam. Para ele, além do estímulo à profissionalização precoce, os alunos são avaliados muito pelo conhecimento específico que detêm. ''A universidade brasileira está voltada ao profissional superespecializado e protegido por códigos e leis, mas o mercado não tem mais tanto espaço para cursos 'imperiais' como medicina, engenharia e direito?, analisa ele. Magrone acredita que esse encaminhamento da educação superior se deu por causa da expansão do ensino privado, mas também pela necessidade de escolher a profissão aos 17 anos, o que remontaria ''ao século XIX, às associações profissionalizantes''.

Um dos objetivos implícitos à implantação de mudanças é a afirmação da identidade universitária de cada instituição. ''Apostamos nessas mudanças para oxigenar a universidade, propiciar um ambiente cultural mais rico ao aluno e fazer com que ele desenvolva melhor visão da sua especialização, diferente daquela adolescente de quando entra na faculdade'', explica Magrone. A afirmação é endossada por Julianne Rosa, aluna de último ano de Fisioterapia da Unifesp de Santos (Universidade Federal de São Paulo), que adota o bacharelado interdisciplinar. ''Quando prestei o vestibular, achava que a fisioterapia era uma coisa e, no decorrer do curso, desenvolvi outra visão'', admite ela. Julianne também conta que o aspecto interdisciplinar é ''de suma importância quando você trata de um paciente que precisa de outros profissionais. O paciente precisa dessa interação'', afirma.

A visão de Julianne resulta da percepção, por parte da direção da Unifesp de Santos, de que os cursos em geral da área de saúde não contam com nenhuma proposta de integração entre si. Por isso, o diretor pedagógico do campus, professor Nildo Batista, conta que foi desenvolvida a proposta da educação interprofissional, para que os alunos aprendam a trabalhar em equipe, conheçam a especialidade da sua área e desenvolvam a competência interdisciplinar.

Mudanças estruturais

Segundo Batista, a interação entre disciplinas proposta pelas universidades no âmbito do Reuni foi resolvida, na Unifesp, pela desfragmentação do conhecimento. ''Nosso o currículo rompe com a idéia de disciplinas e é formado por eixos, campos de conhecimento'', explica Batista. Ele exemplifica: ''no currículo tradicional, o aluno, para aprender sobre o coração, tem anatomia num ano, no outro vai ver como o coração funciona e, por fim, vê um coração que não funciona direito. Aqui, ele aprende tudo ao mesmo tempo'', exemplifica ele. 

Para estimular o aluno a abandonar a postura passiva adotada nos currículos tradicionais, a Unifesp santista passou a pensar em problematização do conteúdo ministrado. ''Em vez da aula teórica, o aluno conhece o problema na realidade e, depois, estuda a teoria que esta atrás dele'', afirma Batista. Para o diretor pedagógico, dessa forma, o aluno interroga mais, quer saber mais, diferente daquele que espera passivamente. Da mesma forma que a UFABC, a Unifesp da Baixada Santista ocupa um campus novo, com menos resistência de adaptação às novas demandas.

Uma das universidades que enfrentou resistências internas para alterar o formato dos cursos foi a UFBA (Universidade Federal da Bahia). ''A reforma compulsória para o regime de ciclos não vingou nem no País nem na UFBA'', lamenta Maerbal Marinho, pró-reitor de graduação da instituição. Por isso, a UFBA criou quatro bacharelados interdisciplinares e não profissionalizantes nas áreas de artes, humanidades, ciência e tecnologia e saúde, sem extinguir os cursos tradicionais. ''A Universidade não concordou com a mudança para o regime de ciclos porque a nossa tradição é entrar direto no curso tradicional, com a escolha da profissão. Essa solução permite a co-existência das modalidades'', explicou Marinho.

Por não ser profissionalizante, esses BI (bacharelados interdisciplinares) não permitem que o aluno trabalhe na área de estudo específica, embora não restrinjam a atuação profissional na grande área do conhecimento. Para se tornar um profissional especializado, o aluno deve, ao fim do terceiro ano, ingressar numa das disciplinas disponíveis. A partir de 2012, 20% das vagas de todos os cursos serão reservadas para quem venha do BI. ''Se a demanda for maior que o número de vagas, o aluno vai passar por processo seletivo interno, que ainda não foi definido?, explica o pró-reitor.

Formato parecido foi adotado pela UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) que, a partir do próximo ano, terá dois BIs, um em artes e design e outro em ciências exatas. Na instituição mineira, no entanto, os cursos tradicionais serão acessados somente por meio desses bacharelados e não mais diretamente pelo vestibular. Em 2010 será adotado o BI também para a área de humanidades.

Por período indefinido, a área de biomédicas contará com vagas declaradas. Ou seja, o aluno ingressa no curso específico já a partir do vestibular. ''Não teríamos condições de impor isso. Para implantar uma mudança como essa, partimos do pressuposto de que haverá um longo processo de negociação e de que as reformas não terminarão em 2012 (prazo final proposto pelo Reuni)'', declara o pró-reitor de graduação da UFJF, Eduardo Magrone.

Vestibulares afetados

No caso da UFBA, o vestibular teve de ser adaptado. Para os cursos tradicionais, são duas fases. A primeira avalia o conteúdo geral do Ensino Médio e a segunda é dirigida para os grupos. Uma vez que a abordagem dos novos formatos de cursos é intencionalmente ampla, não fazia sentido impor a segunda fase aos candidatos a BIs. Assim, prestam apenas a mesma primeira fase, somente com a substituição da prova de idiomas pela redação, que é obrigatória. Também devem ultrapassar a nota de corte para serem aprovados.  

A UFJF adotou um processo de avaliação totalmente diferenciado para o BI de artes e design, a começar pelo vestibular. A idéia é avaliar o aluno mais pelo desenvolvimento de seu portfolio do que pelo seu desempenho acadêmico, que representará apenas 30% da avaliação. A intenção é que o aluno amadureça intelectualmente e desenvolva a aptidão artística ao longo do curso. Por isso, o vestibular não conta mais com prova de habilidades específicas. ''Durante o curso o aluno terá disciplinas que vão exigir ate mais que o vestibular. O aluno vai ser avaliado processualmente'', explica Magrone.

Um dos vestibulares mais adaptados às novas formas de graduação é o da Unifesp da Baixada Santista. Para aquele campus, o ingressante escolhe o curso na inscrição para o vestibular. No entanto, há um programa de mobilidade interna que permite ao estudante, ao término do primeiro ano, mudar de curso. Essa possibilidade leva em conta a interação proposta pelo primeiro ano, básico, quando as turmas de 40 alunos são compostas por alunos de todos os cursos. ''Os alunos precisam conhecer as diferentes profissões e aprender a desenvolver competências colaborativas, essenciais para trabalhar em equipe'', avalia o diretor pedagógico do campus, professor Nildo Batista. ''É muito interessante ter contato com profissionais de outras áreas. No primeiro ano, conhecia mais gente de outros cursos do que do meu'', lembra Julianne.

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