Ninguém morreu, mas estou de luto

Ninguém morreu, mas estou de luto

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:11

Conheci uma senhora, viúva há mais de 20 anos, que andava vestida de preto, manifestando seu luto. Como ela era a mãe de um grande amigo, tive a oportunidade de conversar com ela várias vezes e, em quase todas, ela falava do falecido marido. Nutria um amor tão grande por ele, que parecia que ainda estava vivo. Ela falava de suas preferências, lembrava de eventos marcantes de sua vida e quase sempre, ao final das narrativas, ela chorava, dizendo da saudade que sentia.
 
Pelo que me lembre, nunca vi aquela mulher feliz. As poucas vezes que ela sorria, era quando falava do falecido marido e dos momentos em que viveram juntos. Cheguei à conclusão de que aquela mulher estava presa ao passado de tal forma que não conseguia se alegrar com o presente. Na verdade, ela não vivia o presente. Todos seus pensamentos estavam relacionados ao passado. A questão não era nem a saudade, mas sim a impossibilidade que ela encontrava em seguir em frente, superando a dor e reconstruindo sua realidade.
 
Muitas pessoas se comportam como aquela senhora. Estão de luto, não necessariamente por uma pessoa, mas por um tempo, uma época específica que não voltará mais. Suas alegrias sempre estão ligadas ao passado e, de certo modo, sua conversa sempre remete ao que aconteceu há algumas décadas. Toda a motivação está ligada ao que foi feito, como foi feito e em nome do que foi feito. Estas pessoas são capazes de narrar com exatidão períodos já vividos, e podemos ver um brilho em seus olhos cada vez que elas repetem os mesmos fatos.
 
O luto pela Igreja do passado
 
Esse luto é saudável enquanto experiência. Mas se torna um verdadeiro entrave para novas conquistas quando se estende por toda a vida. O presente e o futuro são desprezados e o passado acaba se tornando a única referência daquilo que é bom, proveitoso e ­- no caso da igreja - cristão ou espiritual. Esse luto faz ressuscitar frases do tipo "não se faz mais igreja como antigamente" e outras. É bem verdade que muita coisa abençoada aconteceu e algumas ainda sobrevivem. Mas outras, infelizmente, já se transformaram em óbitos em nossa estrutura eclesiástica ou mesmo em nossa sociedade.
 
O luto pelo tempo, como qualquer luto, tem suas manifestações. A tristeza é a mais conhecida. Mas existe também a indiferença. Ela provoca um olhar frio sobre o presente e futuro, tenta negá-los de todas as formas e, se não conseguir, chegará ao cúmulo de assassiná-los com palavras ou ações que podem, inclusive, promover problemas graves para a igreja. Esse luto pode se transformar em agressividade e também promover apelos emocionais no sentido de resgatar o "defunto". Poderíamos comparar isso com uma viúva que mantém um lugar à mesa para o falecido marido e age como se ele estivesse ali. Ele não está lá fisicamente, mas emocionalmente está para ela!
 
De certo modo, todos nós vivemos um luto por algo do passado que marcou nossa história positivamente. Eu mesmo me lembro de coisas que foram tão importantes na minha igreja de infância. Lembro-me de canções, programações e até mesmo um modelo de igreja que funcionava tão bem. Mas simplesmente esse tempo não volta mais e aquela igreja só existe na minha mente. A história muda e com ela muita coisa também vai mudando, queiramos as mudanças ou não.
 
O mais importante em todo esse processo de luto é encarar os fatos na dimensão real e admitir que muita coisa não volta mais. Não acontecerá mais. Já se tornou passado. Honramos em nossa memória o que já se passou. Praticamos o que ainda pode ser usado como estratégia do próprio Espírito Santo para nossa vida. Mas deixamos no passado o que já morreu. Os vídeos em VHS e os álbuns de fotografia trarão à nossa mente tempos bons, mas que não voltam mais. E, como bem disse o sábio em Eclesiastes, "há tempo para tudo". Tempo para nascer, mas também tempo para morrer.
 
Passado o luto natural, sigamos em frente, vibrando com tantas coisas novas que nascem e nos alegram sobremaneira.
 

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