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'Chinesas do continente' invadem Hong Kong para dar à luz

'Chinesas do continente' invadem Hong Kong para dar à luz

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:15

The New York Times

Pais viajam em busca de melhor serviço de saúde e para driblar política do filho único, irritando locais

Há anos os habitantes de Hong Kong reclamam do número crescente de visitantes da China continental. Eles jogam lixo na rua, atravessam fora da faixa de pedestres, furam fila e cospem no chão, além de falar muito alto, comer no metrô e, de uma forma ou de outra, desrespeitar os padrões de comportamento público adotados em Hong Kong.

Mas essas reclamações são pequenas se comparadas ao tumulto em torno da mais recente invasão vinda do continente: mulheres grávidas que vão a Hong Kong para dar à luz.

Leia também: Hong Kong passa a limitar partos de mulheres vindas do restante da China

 

 

Moradores de Hong Kong protestam contra parto de chinesas do continente (08/02)

Foto: NYT

 

O apelo de Hong Kong, uma ex-colônia britânica que hoje é uma região semiautônoma chinesa, é compreensível. A assistência médica da cidade é muito superior aquela que pode ser encontrada na China. Crianças chinesas que nascem em Hong Kong recebem automaticamente o direito de residência permanente, que lhes dá direito a 12 anos de ensino gratuito e outros benefícios que não estão disponíveis para outros habitantes do continente chinês, incluindo a isenção de visto para visitar muitos países estrangeiros. Alguns pais contornam as regras do planejamento familiar da China, que limita a maioria dos casais à apenas uma criança, ao ter seu segundo filho no exterior.

Os residentes de Hong Kong, no entanto, estão indignados com o fato de as mulheres grávidas locais estarem sendo rejeitadas nas maternidades porque as chinesas estão ocupando todo o espaço disponível. Apesar das cotas oficiais de assistência à maternidade para não residentes, quase quatro em cada dez nascimentos que aconteceram em Hong Kong no ano passado foram de pais vindos do continente. Os moradores estão exigindo uma repressão e um olhar mais crítico para a lei de direitos de residência.

A controvérsia coloca em perspectiva a relação de Hong Kong com o resto da China 15 anos após o fim do domínio colonial britânico em 1997.

Por um lado, Hong Kong tem cortejado os visitantes do continente por razões econômicas e se beneficiado delas enormemente. Cerca de 28 milhões de visitantes do continente foram a Hong Kong no ano passado, um aumento de quase dois terços desde 2008, e muitos deles fazem compras: as vendas de produtos eletrônicos, joias e outros bens de luxo subiram em Hong Kong. Por isso, recentemente autoridades municipais da cidade enxergaram as futuras mães do continente como uma boa fonte de renda e pediram que os hospitais as acomodassem.

Leia também: China espera boom de bebês em Ano do Dragão

Mas os sete milhões de residentes de Hong Kong temem cada vez mais que as visitantes do continente estejam impedindo os locais de se beneficiar dos serviços, dos direitos de propriedade e, de certa maneira, ameaçando sua identidade cultural. Muitos suspeitam que os visitantes ricos do continente enxergam Hong Kong como uma opção de fuga para seus filhos e para si mesmos caso a confiança no futuro da China desmorone.

Os compradores do continente representaram quase um quinto do valor dos apartamentos vendidos em Hong Kong no ano passado e são uma das razões pela qual os preços estão subindo. O número de estudantes de Shenzhen, uma área urbana do continente ao norte da fronteira, que optam por se matricular em escolas de Hong Kong triplicou em cinco anos.

"A questão é a capacidade da sociedade em poder acomodar tantos visitantes", disse Ivan Choy, um instrutor sênior em administração pública da Universidade Chinesa de Hong Kong. "O problema dos leitos nas maternidades tem feito com que se chegue aos limites do bom senso."

As agressões estão cada vez mais se intensas. Uma multidão gritou com uma mãe do continente quando ela permitiu que seu filho comesse macarrão em um vagão do metrô de Hong Kong. Quando um professor da Universidade de Beijing que viu um vídeo do incidente chamou os residentes de Hong Kong de "animais" em um programa transmitido pela Internet, moradores fizeram uma manifestação diante do escritório do governo chinês. Um oficial do governo mais tarde condenou as observações feitas pelo professor, que dentro dos padrões oficiais chineses foi um pedido de desculpas extraordinário.

Os moradores passaram a chamar os visitantes do continente de "gafanhotos". Depois que alguns moradores compraram um anúncio de jornal de página inteira mostrando um monte de gafanhotos gigantes no Victoria Harbor e declarando que "Hong Kong já não aguenta mais", os moradores do continente responderam com uma propaganda falsa pedindo que a China cortasse o abastecimento de água e energia.

Alguns estudiosos afirmam que o atrito é essencialmente uma disputa familiar entre os compatriotas que estão na verdade se unindo cada vez mais. Moradores de Hong Kong "estão se tornando mais e não menos" chineses, disse Michael DeGolyer, diretor do Projeto de Transição de Hong Kong, um grupo de pesquisa que acompanha as tendências políticas.

Poucos moradores de Hong Kong apoiam o Partido Comunista da China, disse DeGolyer. Uma grande maioria dos moradores quer preservar a característica de Hong Kong como um local internacional. Ainda assim, segundo ele, muitos agora apoiam um requisito que faz com que os alunos tenham que cantar o hino nacional da China e hastear a bandeira chinesa diariamente. "Alguns fatores mostram que a relação com a China tem sido cada vez mais reforçada", disse DeGolyer.

Mas outros dizem sentir uma divisão cada vez maior. Desde 2007, muitos moradores de Hong Kong se identificaram principalmente como sendo cidadãos de Hong Kong e não cidadãos chineses, de acordo com pesquisas feitas pelo Programa de Opinião Pública da Universidade de Hong Kong. A exceção é 2008, quando a China foi anfitriã dos Jogos Olímpicos.

Os hospitais se tornaram um grande campo de batalha, em parte porque os de Hong Kong são muito melhores. A mortalidade materna é 15 vezes maior no continente e a mortalidade infantil é 13 vezes maior.

Numa manhã deste mês, o andar onde fica a maternidade no Hospital do Precioso Sangue, uma instituição privada em um velho bairro de Hong Kong, estava lotado com mulheres grávidas do continente, seus familiares e os agentes que contrataram para organizar seu atendimento e a a obtenção de seus vistos. Um agente estava falando em três celulares ao mesmo tempo e tinha um laptop no colo, tentando desesperadamente conseguir um leito para uma visitante que deveria dar à luz em setembro.

"Se consigo arcar com os custos médicos para que minha esposa dê à luz em Hong Kong, então por que não fazê-lo?", perguntou um arquiteto de 38 anos de idade de Shenzhen, que forneceu apenas seu sobrenome, Yue.

Ele disse que pagou cerca de 80 mil dólares de Hong Kong (mais de US$ 10 mil) para que seu primeiro filho, um menino, pudesse nascer na cidade. E ele não se importa muito com a opinião dos locais.

"Se os turistas do continente não visitassem esta cidade", disse, calmamente, "sua economia entraria em colapso."

A permissão para residir em Hong Kong que será dada a seu filho não foi um fator decisivo, segundo ele, porque suspeita de uma eventual integração com o continente. "Talvez em 20 anos essa questão não signifique mais nada", disse ele.

Em compensação, outro futuro pai parecia querer um cartão de residência para o seu bebê. Ele e sua esposa grávida recentemente viajaram quase 1.610 quilômetros da cidade de Wuxi para ir ao Hospital do Precioso Sangue.

"Um dos meus amigos está indo para a Inglaterra para que sua esposa possa dar à luz", disse ele. "Se você dá à luz no avião e o avião está no espaço aéreo britânico, você tem direito à cidadania britânica."

Maggie Wong, 31, uma auxiliar de escritório e uma residente de Hong Kong desde pequena, teve gêmeos há oito meses. Ela disse que se sentia deixada de lado por causa dos casais do continente.

Quando estava grávida de três meses e meio, Maggie tentou agendar seu parto no hospital público perto de sua casa, "mas eles disseram que todos os leitos já estavam preenchidos por mães que vieram do continente."

Então ela foi para um hospital privado, embora isso significasse gastar toda a poupança de seu marido e ter que pedir empréstimos para seus pais.

"Sou uma cidadã de Hong Kong. Pago impostos em Hong Kong", disse ela. "Me vi pensando: &O que é isso? Como isso pode estar acontecendo?& Claro que isso acaba atraindo sentimentos ruins."

Hong Kong reduziu as cotas de nascimentos para pais que vem do continente novamente este ano e reforçou suas verificações de fronteiras na esperança de evitar corridas de última hora aos hospitais. Das 35.736 mulheres do continente que deram à luz em Hong Kong no ano passado, 1.656 simplesmente chegaram na sala de emergência solicitando atendimento.

As tensões ainda podem piorar. Este é o ano do dragão, considerado um dos signos do zodíaco chinês que traz mais sorte. Se a tradição continuar, a taxa de natalidade vai aumentar exponencialmente. Os hospitais particulares de Hong Kong disseram estar com reservas feitas até outubro.

"Quero um bebê nascido no ano do dragão!", gritou Lui Dikming, um artista independente, durante uma manifestação feita em frente à um prédio do governo neste mês. "Mas mesmo se você quiser agendar um parto para sua mulher grávida de cinco semanas, não há espaço."

Por Sharon Lafraniere


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