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Código familiar no Marrocos tem pequena mudança, mas mulheres querem mais

Código familiar no Marrocos tem pequena mudança, mas mulheres querem mais

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:29

Fairouz Guiro, de 19 anos, ainda olha maravilhada para sua filhinha, Marwar, com apenas 27 dias de vida.

Porém, Guiro não tem ideia de como encontrar o pai de Marwar. Ela foi seduzida por um marroquino mais velho que visitava Tânger vindo da Espanha - e que, desde então, mudou seu número de celular.

"Minha mãe me avisou para tomar cuidado com os homens e não confiar neles", contou ela. "Eu não dei ouvidos."

Guiro chegou a Tânger para trabalhar, vinda de uma pequena cidade a nove horas de distância, e conseguiu emprego numa empresa chamada Delphi. Mas ela perdeu o emprego, e como mãe solteira, tem pouquíssimos direitos por aqui.

Seus pais lhe disseram para deixar Marwar para a adoção, conselho que também ouviu de seus irmãos. "Eu disse, 'OK, vou fazer isso', mas depois não tive coragem", explica. "Sei que tenho o direito de cuidar de minha filha."

Apesar de uma importante reforma do código familiar de Marrocos, em 2004, empurrada por um relutante parlamento do jovem rei Muhammad VI, o sexo fora do casamento não é reconhecido no país, bem como a homossexualidade.

No entanto, a nova lei, conhecida como a Moudawana, não oferece nenhuma proteção a mulheres como Guiro ou Latifa al-Amrani, de 21 anos, da cidade de Sale, próxima a Rabat, que está prestes a se tornar mãe solteira. Ela conheceu um rapaz, Ali, de 24 anos, que afirmava ser um policial à paisana. Certo dia, ele a levou para supostamente conhecer sua tia. Tratava-se de um apartamento vazio, e eles tiveram relação sexual.

"Ele disse que queria se casar comigo", disse Amrani. "Mas depois ele trocou o telefone e eu não consegui mais falar com ele". Ela registrou queixa na polícia, mas não obteve nenhum sucesso. Seus pais lhe espancaram, segundo ela, então a jovem fugiu de casa.

Ela também diz que pretende ficar com o bebê. Uma das razões para essa confiança é o trabalho de uma organização de caridade local, chamada 100% Mamans, criada em 2006 por Claire Trichot, 33 anos. Com o apoio de uma organização não-governamental espanhola, além de doadores privados, Trichot e uma pequena equipe oferecem comida, abrigo e educação para mulheres solteiras grávidas, levam-nas a hospitais decentes para o parto e, em seguida, ajudam-nas a cuidar dos bebês e encontrar emprego.

A maioria das jovens foi renegada por suas famílias e abandonada pelos pais de suas crianças, diz Trichot. "É ilegal fazer sexo fora do casamento, então as mães solteiras não possuem direitos", explica. As mesquitas as ignoram; algumas famílias as expulsam; a polícia geralmente acha que até mesmo as vítimas de estupro estão mentindo; os hospitais frequentemente as tratam mal.

"Queremos garantir que essas mulheres sejam tratadas corretamente", diz Trichot, para que não abandonem seus bebês. "Nosso objetivo é reintegrá-las à vida."

A Moudawana foi muito louvada. A lei deu às mulheres direitos iguais aos dos homens num casamento, incluindo o direito de pedir divórcio; elevou a idade legal para casamento de 15 para 18 anos; e deu às primeiras esposas o direito de recusa, caso seu marido resolva se casar com uma segunda mulher. A lei tornou o divórcio um procedimento legal, eliminando a tradição de um marido se divorciar de sua esposa apenas entregando-lhe uma carta.

Mesmo cinco anos depois, o código familiar ainda é profundamente controverso no país entre figuras religiosas, e muitos juízes são suscetíveis à corrupção, de acordo com grupos que promovem a educação e os direitos legais das mulheres - como a Associação de Desenvolvimento das Mulheres, em Casablanca.

Touria Eloumri, presidente da associação, disse que a "filosofia na nova lei, baseada na igualdade, é o fator mais importante". Porém, ela acrescenta: "Você não pode esperar uma mudança rápida na mentalidade e nos hábitos em apenas cinco anos". Muito frequentemente, diz ela, "o maior problema daqui é a corrupção entre juízes."

Há muitos casos onde se forja o consenso de uma primeira esposa em relação ao segundo casamento do marido, ou uma mulher comparece diante do juiz fingindo ser esposa de um homem, diz Eloumri. Existem longos atrasos, e somente agora um sistema de cortes familiares está sendo instituído.

A poligamia ainda é legalizada, sujeita à aceitação da primeira esposa, mas o adultério continua sendo um crime. Se uma mulher se casa novamente antes de um de seus filhos completar sete anos, a custódia se reverte automaticamente para seu ex-marido - por isso, algumas decidem simplesmente não se casar de novo. Muitas mulheres pedem mais mudanças.

Houve, entretanto, "uma verdadeira reação contrária" à lei como ela é, disse Eloumri, particularmente entre os religiosos.

O rei, que é também o "comandante dos fiéis", conseguiu empurrar a lei dizendo ao parlamento que não havia nada nela que violasse o islã, e nada no islã que contradissesse a lei. Seus conselheiros, porém, afirmam que levará uma geração até que as atitudes dos marroquinos se alterem, e ninguém atualmente está contemplando mais reformas.

Numa recente pesquisa realizada por uma revista marroquina, a "TelQuel", e pelo jornal francês "Le Monde", 91% apresentavam opiniões favoráveis ao rei. Entretanto, a mesma pesquisa, que foi banida pelo governo, nunca chegou a ser publicada por aqui, e mostrou que 49% dos respondentes disseram que a nova Moudawana "deu direitos demais às mulheres", enquanto 30% disseram que dava "direitos suficientes" a elas, e não deveria ir além.

Zakia Tahiri, 46 anos, cineasta, acabou de produzir uma comédia social chamada "Número Um", sobre um homem que maltrata sua esposa e as mulheres da fábrica onde trabalha - até que sua mulher lhe dá uma poção que o transforma num feminista. "Todo mundo colocada a culpa de tudo na Moudawana", diz ela, rindo.

O islã "é uma religião onde todos se consideram especialistas", continuou ela. "Com meu filme, quis mostrar que cada grupo faz o que quer com a Moudawana - as mulheres, os homens, os islâmicos". Hinde Taarji, 52 anos, é escritora, jornalista, divorciada, e recentemente adotou um filho. "É evidente que a nova lei não pode ser implementada como deveria neste momento", disse. "Mas este é um sinal muito importante". Ela contou sobre uma amiga, que administrava um hotel e era separada há 15 anos, mas não conseguia obter o divórcio e se casar novamente - porque seu marido se recusava a cooperar. Com a nova lei, ela finalmente conseguiu.

"Mesmo com a melhor lei do mundo, a corrupção do sistema de justiça ainda é um grande problema por aqui", disse Taarji. "Contudo, muitas coisas no Marrocos já mudaram para melhor".

Ainda assim, o maior problema para as jovens do país segue sendo a falta de educação. Há pouca educação sexual, mesmo em casa. Quase 70% das mulheres que chegam à 100% Mamans são analfabetas - em comparação a 38% em todo o país. "Elas saem de casa e vão trabalhar nas cidades, e confrontam a liberdade desse ato", diz Trichot. "Elas conhecem homens, mas ainda não estão preparadas".

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